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Energia

Carvão volta a ocupar espaço na matriz elétrica

Dois leilões de energia marcados para este ano abrem oportunidade para retomada do uso do combustível fóssil.

Carvão volta a ocupar espaço na matriz elétrica

Fora da disputa de leilões de energia no Brasil desde 2008, os projetos termelétricos a carvão terão duas chances para serem bem-sucedidos ainda neste ano. A primeira ocorrerá no dia 29 de agosto, e a segunda em 13 de dezembro, datas em que serão realizados os certames nos quais o combustível fóssil poderá participar novamente.

Para que os empreendimentos a carvão saiam vitoriosos, precisarão apresentar valores mais competitivos de geração do que concorrentes como hidrelétricas, biomassa (matéria orgânica) e gás natural. O presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM), Fernando Zancan, antecipa que questões como preço de energia e financiamento deverão definir os resultados do leilão. Se depender do pedido de aniversário do executivo, que será comemorado na véspera do certame, pelo menos dois projetos a carvão seriam aprovados. O dirigente acredita que já exista espaço na matriz elétrica do País para isso.

No total, neste mês de julho, foram cadastrados na Empresa de Pesquisa Energética (EPE), para concorrer no leilão de agosto, quatro projetos termelétricos a carvão que somam 2,14 mil MW. Para se ter uma ideia desse patamar, todo o complexo termelétrico a carvão em Candiota, da empresa CGTEE, que foi construído durante décadas, soma 796 MW de capacidade. O carvão foi a fonte que inscreveu o maior volume de energia no certame que totalizou 7.552 MW (esse número muito provavelmente diminuirá até o dia da concorrência).

Um dos projetos envolvendo o combustível é para ser construído no Rio de Janeiro (590 MW), outro em Santa Catarina (300 MW) e dois no Rio Grande do Sul (Seival, com 600 MW, e CTSUL, com 650 MW). A usina Seival, do grupo MPX, será sediada em Candiota, e o empreendimento da companhia CTSUL, em Cachoeira do Sul. O complexo fluminense pretende utilizar carvão importado da Colômbia, os demais, combustíveis nacionais.

As térmicas gaúchas a carvão, somadas, devem absorver um investimento superior a R$ 6 bilhões. No Rio Grande do Sul, além dessas estruturas, foi inscrita a termelétrica a base de gás natural liquefeito (GNL) do grupo Bolognesi, que será instalada no município de Rio Grande. No caso específico do Estado, Zancan destaca que o protocolo de intenções firmado entre o governo gaúcho e a MPX, que concederá incentivos fiscais ao projeto Seival, é uma ferramenta que apoiará o desenvolvimento do complexo. O dirigente ressalta que o investimento na estrutura e, consequentemente, o fortalecimento da cadeia carbonífera, propiciará um impulso econômico na Metade Sul do Estado assim que a usina sair do papel.

Além disso, a térmica daria mais segurança energética para a chamada “ponta do sistema elétrico nacional”. Essa expressão é muito usada pelos especialistas do segmento que têm familiaridade com o Estado. Isso porque, se houver alguma queda de linha de transmissão que impeça o deslocamento de energia pelo Norte, dentro do País, o Rio Grande do Sul não tem a opção de buscar a energia do “outro lado”, do Uruguai e Argentina. Essas nações são compradoras do Brasil e não exportadoras de energia.

O coordenador do grupo temático de energia da Fiergs e diretor da Copelmi, Carlos Faria, acrescenta que o governo federal percebeu que se estava caminhando para um modelo baseado em energia hidráulica, em reservatórios não acumuláveis, e isso estava tornando o sistema cada vez mais instável, dependente das condições de clima. A Copelmi possui 30% de participação na Mina de Seival, que fornecerá carvão para a térmica de mesmo nome. A MPX é a sócia majoritária desse ativo. Faria revela que, trabalhando a 80% de sua potência, a termelétrica Seival consumirá cerca de 5 milhões de toneladas de carvão ao ano.

Para Faria, a expectativa quanto à competitividade do carvão dentro do leilão, principalmente do Rio Grande do Sul, é a melhor possível. Entre os motivos que explicam a sua opinião, o empresário cita a oferta de biomassa que apareceu aquém do esperado para o próximo leilão (1.472 MW). Já sobre o gás natural, o diretor ressalta que o combustível enfrenta, atualmente, problemas quanto ao preço.

Empreendedores cobram continuidade de projetos – A expectativa dos investidores do setor carbonífero é de que esse leilão sirva como um balizador para deslanchar novos projetos futuramente. O presidente da ABCM, Fernando Zancan, reitera que é preciso que o governo dê o sinal ao mercado que o aproveitamento do carvão prosseguirá, dando tranquilidade aos empreendedores.

Isso ocorrendo, o Brasil seguiria uma tendência mundial. Apesar do crescimento de fontes renováveis como a eólica e a solar, o carvão ainda representa uma das principais gerações de energia no planeta. Entre as nações que continuarão aproveitando o combustível está a China. O país deverá utilizar intensamente o insumo não somente na geração de eletricidade, mas na gaseificação e desenvolvimento da cadeia carboquímica.

Conforme dados do Balanço Energético do Rio Grande do Sul 2011, o carvão provavelmente será a fonte mundial de energia que terá a segunda maior taxa de crescimento (perdendo apenas para a dos energéticos renováveis) no período de 2007 a 2035. O consumo mundial de carvão aumentará de 3,337 trilhões de toneladas equivalente de petróleo (tep) para 5,199 trilhões de tep em 2035, com uma taxa anual de crescimento de 1,6%.

O crescimento maior do consumo de carvão ocorrerá principalmente nos países não pertencentes à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), especialmente na China e na Índia. Já a participação do carvão na matriz energética mundial está projetada para passar de 26,74% em 2007 para 27,93% em 2035.

Zancan admite que sempre existe, em relação ao carvão, o estigma, alguém falando contra o insumo. “Isso é normal, faz parte do jogo”, aceita o dirigente. No entanto, ele defende que o Brasil precisa aproveitar todas as formas de geração de energia e não é possível focar apenas em fontes como a eólica e solar.

Importado possui maior poder calorífero, mas sofre com o dólar – Uma dificuldade “política” que o carvão brasileiro enfrenta é o fato de que praticamente todas as jazidas do mineral encontram-se apenas no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Neste leilão de agosto, os projetos térmicos desses dois estados participarão com insumo nacional e o do Rio de Janeiro com importado.

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) não revela o empreendedor do projeto fluminense, porém, fontes garantem que se trata da termelétrica Açu, a ser implementada pela MPX no município de São João da Barra. Essa usina será alimentada com carvão colombiano. O presidente da CRM, Elifas Simas, detalha que o carvão proveniente da Colômbia possui menos cinzas e tem maior poder calorífero do que o brasileiro. Ou seja, é necessária uma menor quantidade para gerar o mesmo volume de energia do nacional. No entanto, Simas ressalta que o deslocamento do insumo e a variação cambial oneram esse produto.

O presidente da ABCM, Fernando Zancan, concorda que, quanto mais o dólar se valoriza, menor será a competitividade do combustível proveniente do exterior. O dirigente defende que qualquer benefício dado ao carvão precisa ser concedido ao nacional e não estendido ao estrangeiro. “A extração do carvão nacional gera emprego e renda, aquecendo a economia do País, diferentemente do carvão do exterior”, sustenta Zancan.

Uma indagação feita por fontes que acompanham os empreendimentos da MPX é se a companhia poderia focar esforços em apenas um de seus dois projetos cadastrados no próximo leilão. Conforme a assessoria de imprensa da MPX, por questões estratégicas, a companhia não irá comentar sobre cada projeto individualmente. Contudo, a empresa acredita que se trata de empreendimentos fundamentais para a expansão do sistema elétrico brasileiro. Em julho, a MPX confirmou a realização de um aumento de capital privado de R$ 800 milhões. A capitalização teve como objetivo fortalecer a estrutura de capital da MPX, sustentando o desenvolvimento de seu plano de negócios.

Já o projeto da CTSUL, em Cachoeira do Sul, vem sendo trabalhado há mais de uma década. “É um bom projeto, é uma solução, e o Brasil precisa disso”, enfatiza o presidente da CTSUL, Douglas Carstens. O empresário acrescenta que todas as fontes de energia serão importantes para o crescimento do Brasil e o carvão deverá cumprir o seu papel.

O ideal, indica o executivo, é que haja continuidade para o carvão no setor elétrico e que o insumo não fique limitado aos certames deste ano. Carstens informa que, caso o projeto da CTSUL não saia vitorioso neste leilão de agosto, a meta é reinscrevê-lo em futuras disputas. “Cada vez ficamos mais prontos.”

O dirigente revela que participam do empreendimento, atualmente, três pessoas físicas e as empresas EBM e Celetro. Se a CTSUL ganhar o leilão, a Mina do Iruí, que fornecerá o carvão para a usina, terá que ser reaberta. A jazida pertence à CRM. O presidente da estatal, Elifas Simas, calcula que para reativar a mina será necessário um investimento de cerca de R$ 70 milhões.

Novos empreendimentos devem ser inscritos na disputa de dezembro – Além de possibilitar uma nova oportunidade para as usinas a carvão que não venderem energia no leilão de agosto, o certame previsto para dezembro deverá ter o acréscimo de outras térmicas que usam esse combustível. O presidente da Companhia Riograndense de Mineração (CRM), Elifas Simas, acredita que mais três empreendimentos gaúchos poderiam participar da segunda concorrência: MPX Sul, Termopampa (Tractebel) e Fase D de Candiota (CGTEE).

Conforme informações do governo do Estado, esses projetos somariam cerca de 1,38 mil MW (cerca de um terço da demanda média de energia do Rio Grande do Sul). Simas enfatiza que, para o Estado se desenvolver, é fundamental a oferta de energia. “Estou torcendo que dê certo, não como presidente da CRM, nem como alguém do governo, mas pelo Estado.” O dirigente recorda que o Rio Grande do Sul “importa” de outros estados em torno de 60% da energia que consome. A partir do carvão e da fonte eólica, segundo o executivo, a região pode mudar essa situação e se tornar exportadora.

“Acho que o Rio Grande do Sul passará a viver, após os leilões, um novo momento”, aposta o dirigente. Para Simas, o carvão será estabelecido como uma das fontes que fortalecerá a matriz energética brasileira. O presidente da CRM cita ainda a possibilidade de aproveitar a gaseificação do insumo para complementar a geração de energia elétrica. “Depois, o céu é o limite, pois seria possível fazer o gás de síntese, que se presta como o petróleo para alcançar os produtos químicos”, salienta. Simas considera que o maior obstáculo que o carvão terá que superar é o preconceito histórico sobre o insumo e alcançar a isonomia de financiamentos com as outras fontes.

Greenpeace diz que retorno do insumo é retrocesso – “A volta do carvão, é forte falar isso, mas é um retrocesso na nossa política energética”, afirma a coordenadora da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace, Renata Nitta. A ambientalista lamenta que, ao invés de se trabalhar cada vez mais para a entrada de energias renováveis, a matriz energética volte a ser “sujada”.

A integrante da Greenpeace recorda que uma termelétrica a carvão implica desde a emissão de gases que provocam o efeito estufa até poluentes atmosféricos que prejudicam a qualidade do ar. Segundo Renata, a geração de CO2 por kWh em uma térmica a carvão é o dobro do que em uma a gás natural e cerca de 80 vezes mais do que a de um parque eólico. Outro impacto é o uso intensivo de água (que vira vapor e movimenta as pás das turbinas) e a própria mineração. “O carvão é o pior de todos”, reitera a coordenadora da Campanha de Clima e Energia. Renata sugere como opções de geração de energia as fontes eólica, solar e biomassa.

Renata reforça que o carvão não pode ser considerado uma energia barata e, atualmente, é mais cara do que a eólica. A representante do Greenpeace acrescenta que o Rio Grande do Sul possui um ótimo potencial de ventos, que pode aproveitar para não ficar dependente do carvão, econômica ou energeticamente. Para a ambientalista, o “preço” pago pelo carvão não justifica o argumento do uso de uma energia firme.