Ana Paula Serafim da Silva, 40, foi criada no lixo –literalmente. Aos 11 era catadora em Jardim Gramacho, aterro na região metropolitana do Rio. Do lixo veio a renda que criou a filha. Poucas vezes, porém, o trabalho foi tão mal recompensado.
“O preço dos materiais caiu, minha renda diminuiu. Já estou devendo até no cartão”, diz a catadora, enquanto separa garrafas e papelão num galpão repleto de lixo e baratas perto do aterro, desativado há três anos. “Parece que é a situação do país.”
A renda mensal de Ana Paula encolheu de cerca de R$ 550 em 2014 para R$ 364 neste ano. O dinheiro é suficiente apenas para dar uma “ajudinha” em casa, onde vive com o marido, a filha e, agora, duas netas.
O aperto maior na renda dos catadores das cooperativas de Jardim Gramacho está diretamente ligado à desaceleração econômica, principalmente da indústria.
A menor produção industrial reduziu a demanda pelos insumos fornecidos pelos catadores, derrubando os preços desse material.
O exemplo mais bem acabado está na garrafa plástica (PET) –”filé mignon” dos recicláveis, ao lado da latinha de alumínio. O preços do PET caiu de R$ 2,40 em junho de 2014 para R$ 1,25 este mês, desvalorização de 48%.
Efeito cascata
O que afetou os PETs foi principalmente a queda da demanda dos setores automotivo, têxtil e químico. O PET compõe painéis e carpetes de carros e, transformado em resina, é usada na fibra de vidro de ônibus.
Na Aunde, que produz tecidos para bancos de carros, ônibus e caminhões, de 20% a 30% dos fios são de PET reciclado. “Consumimos toneladas deles, mas com a queda de 20% da produção de veículos reduzimos as compras”, diz Felipe Borges, gerente comercial da Aunde.
Marilene de Fátima Albino, 60, recebe cerca de R$ 350 mensais. Um terço disso paga o transporte de casa para o trabalho. Ela não imagina, mas a menor produção de ônibus que a leva ao trabalho afetou sua renda. Pior: a crise como um todo atingiu ainda um de seus dois filhos. “Um deles está desempregado. O outro começou agora a trabalhar”, afirmou ela.
Papelão
O papelão também foi afetado pelo efeito cascata. O produto é insumo da fabricação de caixas, utilizadas pela indústria para embalar basicamente tudo: de alimento a celulares, eletrodomésticos a peças de automóveis.
As vendas de papelão ondulado recuaram 5,69% em maio, na comparação com o mesmo mês do ano passado, para 272.567 toneladas, segundo a associação do setor.
Com o menor ritmo da indústria e do comércio, o preço do papelão reciclado teve uma queda 20% na Cooperativa Beija-Flor, no Rio. Na Cooper Glicério, em São Paulo, a queda foi de 43%.
Quem compra o papelão dos catadores são os chamados aparistas de papel. Eles separam o material, classificam e revendem para as indústrias. Agora, eles se queixam do aumento de estoques. “Existe excesso de oferta de papelão”, disse Pedro Vilas Bôas, consultor da Associação das Aparistas de Papel.
Ricardo Trombini, diretor da fabricante de embalagens Trombini, produz uma em cada três embalagens de papelão vendidas no Sul do país, não descarta mais queda de preço pela frente.
Entre os catadores, o fenômeno provoca mudanças de hábito. Marcos de Paiva, 39, teve de se adaptar: trocou a compra de carne por frango, menos cara. E desistiu ainda de reformar a casa. “Ou troco o armário ou como.”
Outras capitais
A renda dos catadores encolheu em outras capitais. Na Cooperativa de Recicladores de Maceió, foi de R$ 650 para R$ 580. Na de Pampulha, em Belo Horizonte, de R$ 1.100 para R$ 800. Na Cooper Glicério, em São Paulo, passou de R$ 550 para R$ 400.
A queda da renda dos catadores só não foi maior porque o preço do alumínio –um dos mais rentáveis– subiu de R$ 3,30 para R$ 3,50 nos últimos 12 meses, segundo a associação Jardim Gramacho. O motivo, neste caso, é o aumento da cotação do dólar.
QUEDA DAS COMMODITIES
A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) reduziu de US$ 56,14 bilhões para US$ 46,95 bilhões suas previsões de receita com exportações das principais commodities. Preços mais baixos da soja, minério de ferro e petróleo fizeram a previsão ficar 28% abaixo das receitas registradas em 2014.
A queda na projeção desses três produtos, que devem responder por cerca de um quarto das exportações do Brasil em 2015, só não têm impacto mais forte na balança comercial porque as projeções de importações também estão em queda.
O recuo ocorre principalmente pela menor projeção de divisas geradas por minério de ferro, que desde 2005 tem sido o principal produto da pauta.