A indústria terá que repensar sua estrutura de gastos com energia elétrica a partir de janeiro, quando entra em prática o novo sistema de tarifação proposto pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A medida foi uma solução do governo para tirar dos ombros das distribuidoras o ônus das incertezas climáticas e passá-lo para o mercado cativo. A decisão levou em conta mudanças na matriz elétrica nacional, que tem necessitado da geração de mais usinas térmicas – mais caras que as hidrelétricas – para atender à demanda, também crescente.
A situação mais grave foi observada nos últimos três meses do ano passado, quando quase todas as termelétricas existentes no país foram acionadas. O custo disso se estendeu até meados deste ano e onerou as distribuidoras em R$ 5 bilhões. Pelo sistema de tarifação atual, as distribuidoras têm suas tarifas definidas para o período de 12 meses e assumem o custo dessa energia mais cara quando é necessário acionar as termelétricas. Elas somente são ressarcidas no ano seguinte, nas revisões tarifárias.
A partir de janeiro, passará a vigorar o sistema de bandeiras tarifárias, onde cada distribuidora terá uma tarifa-base, que sofrerá acréscimos em função da necessidade de complementação térmica. O novo modelo de precificação, segundo especialistas, exigirá um enorme esforço de gestão por parte dos consumidores, principalmente industriais e comerciais, pois a tarifa pode variar de 10% a 15% de um mês para o outro, conforme estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), obtido com exclusividade pelo Valor.
“A adoção do sistema de bandeiras tarifárias provocará oscilações mensais da tarifa de energia para a indústria, o que poderá impactar os custos e levar à necessidade de adaptação de planejamento financeiro e operacional”, diz o documento. Para o gerente de competitividade industrial e investimentos da Firjan, Cristiano Prado, essa volatilidade pode gerar pressões inflacionárias. “Isso também pode afetar o comércio. Se o valor da energia é flutuante, como repassar esse custo variável para os preços?”, diz Prado.
Na prática, no mês em que o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), usado nas operações do mercado de curto prazo, passar de R$ 100 por megawatt-hora (MWh), a bandeira amarela será acionada, e acrescentará R$ 15 por MWh à tarifa-base. Caso a situação se agrave, e o PLD ultrapasse o valor de R$ 200 por MWh, será acionada a bandeira vermelha, sobretaxando a tarifa-base em R$ 30 por MWh. Caberá ao ONS indicar à Aneel a previsão das condições de geração de energia para cada mês e em cada região do país, o que dependerá dos níveis dos reservatórios, das chuvas, do consumo de energia e da estratégia adotada pelo órgão na geração.
Para a Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livres (Abrace). o novo modelo tenta adaptar as tarifas à situação do sistema elétrico, uma vez que o consumo tem aumentado e a capacidade de armazenagem hídrica permanece a mesma desde a década de 90. “Da maneira como a energia é precificada, às vezes o despacho térmico aumenta e a tarifa cai. Achamos que a adoção das bandeiras tarifárias refletirá maior racionalidade”, disse o presidente da Abrace, Paulo Pedrosa.
Segundo outro estudo da Firjan, divulgado mês passado, a capacidade de regularização dos reservatórios – o quanto de energia o país pode armazenar na forma de água para suprir a demanda de energia – era, em 2001, de pouco mais de seis meses. Já em 2012, essa capacidade caiu para 4,91 meses, um recuo de 21,7% em 11 anos
Com o crescimento da demanda e a ampliação do parque hidráulico sustentado basicamente por usinas a fio d’água – que geram apenas a vazão do rio – a tendência, segundo a Firjan, é que essa capacidade caia ainda mais, atingindo 3,35 meses em 2021, uma redução de 32% em comparação com 2012, e de quase 50% em relação a 2001.
Prado, da Firjan, não se coloca contra o sistema de bandeiras, mas explica que, em um cenário de tarifas de energia ainda muito elevado, qualquer variação pode pressionar ainda mais os custos. “A indústria tem produção programada, grande parte do setor não pode deixar para consumir ou produzir no próximo mês. Será uma balança difícil para a indústria”, afirmou.
A Firjan simulou como teria sido o gasto da indústria com energia no ano passado, se o sistema de bandeiras já estivesse vigente. A conclusão foi que o gasto extra da indústria com o insumo teria sido de R$ 1,5 bilhão – de R$ 20 bilhões para R$ 21,5 bilhões – dos quais R$ 400 milhões em tributos. Por isso a Firjan defende a isenção das tarifas adicionais – vermelha e amarela – de PIS, Cofins e ICMS.
O presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Carlos Faria, disse que vai haver expressivo aumento nas contas para a indústria, entre 10% e 15%. O consultor da Excelência Energética, Erik Rego, discorda. Segundo ele, o que vai mudar é quando a indústria vai pagar pela energia. “Antes a indústria pagava esse adicional depois de consumir. Agora ela vai pagar antes.”
Marco Delgado, diretor da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), disse acreditar na capacidade de adaptação da indústria. “Acredito na existência de um espaço intermediário, entre um mês e um ano, em que há possibilidade de reprogramação. Qualquer flexibilidade pode representar um ganho.”