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Economia

Demandas da política de comércio

Empresários ligados ao setor exportador reclamam do que consideram uma perda de prioridade da política comercial nas ações do governo.

Demandas da política de comércio

A definição sobre como o Brasil pressionará os Estados Unidos para mudar os subsídios ilegais aos produtores americanos de algodão não foi a única decisão suspensa com o adiamento da reunião da Câmara de Comércio Exterior (Camex), na semana passada.

Empresários ligados ao setor externo queixam-se do acúmulo de processos na Camex, o colegiado de ministros responsável por decisões como medidas de defesa comercial, corte de tarifas de importação e iniciativas de política econômica com reflexo no comércio exterior.

A Camex decidiria medidas de retaliação, inclusive aumento da tarifa de importação do trigo, para pressionar o Congresso dos EUA a cortar subsídios ao algodão e votar compensações aos produtores brasileiros. É possível, porém, que o Congresso, lá, entre em recesso antes de alguma decisão por aqui, e demore um bom tempo para tomar conhecimento da pressão brasileira.

Empresários ligados ao setor exportador reclamam do que consideram uma perda de prioridade da política comercial nas ações do governo. Exemplo disso seria o adiamento da Camex, para que seu presidente, o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, acompanhasse a presidente Dilma Rousseff em inaugurações de obras, doação de máquinas a prefeituras e outras medidas em ritmo de eleições. A Camex tem tomado decisões “ad referendum” dos ministros, mas nem todas medidas de comércio exterior podem ser decididas dessa forma.

Seria injusto, porém, atribuir a um ministro as mazelas da Camex. Há um problema estrutural na política comercial brasileira, e não é recente, como aponta a edição de dezembro da “Revista Brasileira de Comércio Exterior”, editada pela Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), em uma coleção de artigos de especialistas com intensa participação no setor.

Os artigos, com provocações ao debate bem fundamentadas, coincidem com a decisão da presidente Dilma de reavaliar e criar um programa coordenado para sua política externa.

Embora o tema da revista seja “diplomacia econômica”, os artigos pendem para a questão comercial – são mencionados marginalmente temas como o papel do país nas discussões sobre o mercado financeiro global e a participação do Brasil no G-20, grupo das economias mais influentes no mundo. Já a Camex é um dos pontos centrais do debate, que divide diplomatas (ou ex-diplomatas), como Mário Villalva e Sérgio Amaral, e especialistas como Pedro Camargo Neto, Henrique Rzezinski e Diogo Bonomo.

Todos concordam, porém, que aumentou, e muito, o número de agentes na política comercial, antes a cargo quase exclusivamente do Itamaraty, e coincidem com a necessidade de coordenação. Mas enquanto Villalva defende o comando dos diplomatas na coordenação de ações de comércio exterior, lembrando que os interesses do país vão além do interesse imediato das empresas, os outros especialistas criticam o que consideram ser excessiva interferência política sobre as decisões voltadas à expansão dos interesses comerciais do país.

Para Camargo Neto, ex-dirigente de associação de exportadores de carne, com grande experiência no Ministério da Agricultura e nas negociações internacionais, só a ascensão da Camex a ministério poderá dar ao colegiado um poder de dar direção mais clara à política comercial.

Sérgio Amaral defende que a localização institucional não é tão importante quanto uma reforma, para dar à Camex mais competência para antecipar e planejar decisões no setor. Ele sugere reduzir o número de ministérios permanentes e criação de mecanismos para avaliar resultados e evitar duplicidade de esforços, como vê hoje entre a Apex e o Itamaraty, na promoção comercial.

A falta de ligação orgânica entre as atividades de promoção comercial e as ações de política e diplomacia comercial é apontada também por Bonomo, gerente-executivo de comércio exterior da CNI, que, num artigo instigante, lista fatores estruturais para o protecionismo brasileiro, que mostra ele, independe do partido no poder.

Entre esses fatores, Bonomo aponta a supremacia dos objetivos de política externa, no sentido mais amplo, sobre os comerciais – não iniciada com o governo Lula, embora ampliada com ele. Ele descreve como a forma adotada na relação entre governo e setor privado tende a dar maior peso, nas decisões de Estado, aos setores que querem proteção de mercado, em relação aos que apostam na abertura comercial.

A China é outro desafio a merecer um capítulo no futuro “livro branco” da política externa. Para Marcos Caramuru, que chefiou o consulado brasileiro em Xangai, um dos polos mais dinâmicos da economia chinesa, será preciso um esforço maior de coordenação das embaixadas do Brasil na Ásia e de formação de diplomatas com conhecimento sobre o setor privado brasileiro para superar a falta de interesse das empresas no Brasil em realizar os esforços necessários para entrar no crescente mercado asiático.

Nos artigos da revista são flagrantes os consensos sobre a necessidade de modernizar a mentalidade da diplomacia em relação à promoção dos interesses comerciais do Brasil no mundo, com exigência de maior especialização e coordenação. E a urgência em reformular a indispensável estratégia de divulgação da “marca Brasil”, para evitar descontinuidade de esforços e falta de foco.

Outro consenso, que mostra o difícil trabalho dos diplomatas encarregados de formular a nova estratégia de política externa para o país: a política comercial brasileira para o exterior está estreitamente vinculada à política econômica interna.

Não há como promover lá fora indústrias que não tenham êxito aqui dentro, nem como conquistar boa imagem e fatias de mercado sem superar os problemas de qualidade e competitividade, que geram críticas entre os próprios brasileiros.

Sergio Leo é jornalista e especialista em relações internacionais pela UnB. Escreve às segundas-feiras

E-mail: [email protected]