Em meio à operação-abafa desencadeada para negar os riscos de desabastecimento de energia elétrica em 2014, o governo se viu surpreendido ontem por um apagão que afetou 7% do consumo do país, mas procurou insistentemente desvincular essas duas situações e considerou um “sucesso” a normalização do sistema após os cortes de luz. “Queremos deixar uma mensagem de extrema tranquilidade”, afirmou o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, em entrevista convocada minutos antes do apagão.
Advertida sobre o cenário de baixo volume de chuvas e queda dos reservatórios, a presidente Dilma Rousseff chamou o ministro Edison Lobão para uma reunião no Palácio da Alvorada e determinou à cúpula do setor elétrico uma resposta contundente para afastar os temores de um déficit de energia neste ano, conforme demonstrou o Valor em sua edição de ontem. “O sistema está equilibrado”, garantiu Zimmermann, descartando medidas de estímulo à redução do consumo.
De acordo com o secretário, há um “equilíbrio estrutural” entre oferta e demanda. Ele fez questão de ressaltar que, dos 21 mil megawatts (MW) disponíveis no parque instalado de usinas térmicas, estão sendo efetivamente usados 15 mil MW. E buscou desatrelar o apagão de um suposto “estresse” do sistema elétrico, com os seguidos recordes de demanda verificados nos últimos dias – ontem, às 15h32, foi atingido o pico histórico de 84.331 MW. Foi o sexto recorde batido desde o início deste ano.
Zimmermann evitou comentar, embora muito questionado, se o risco de déficit nas regiões Sudeste e Centro-Oeste chegou mesmo aos 20% apontados pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Ele preferiu remeter-se a previsões feitas em anos anteriores, quando o país também enfrentou períodos rigorosos de estiagem, com queda do estoque de água nas hidrelétricas. “Em 2008, tivemos vários especialistas dizendo que o risco era 20%. Mais uma vez, em 2014, estamos trabalhando com equilíbrio estrutural”, afirmou.
As causas do apagão de ontem, que afetou 6 milhões de pessoas em quatro regiões do país, devem ser discutidas em uma reunião da cúpula do setor elétrico já agendada para amanhã.
O governo se esforçou, no entanto, para destacar aspectos positivos do sistema interligado nacional. Zimmermann disse que o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) teve uma “atuação correta” e frisou que a “integridade” da operação foi preservada. Ele classificou o episódio como um apagão de “médio porte”.
O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, foi ainda mais incisivo. Para ele, poderia até ter ocorrido um efeito-dominó, com apagões mais extensos. “Aparentemente, houve um sucesso nessa operação. O sistema funcionou, cortou pequenas cargas em algumas regiões e não houve um desligamento geral.”
Lembrando o rigor da atual estiagem, com o pior janeiro desde 1954 no Sudeste/Centro-Oeste, Tolmasquim afirmou que cortes de carga semelhantes antes produziam transtornos maiores em regiões inteiras. “Houve um avanço aparente, que ainda precisa ser confirmado, em relação a fenômenos do passado.”
Paralelamente ao fantasma do déficit de energia, há indefinição ainda sobre o acerto de contas que deverá ser feito com as distribuidoras, a fim de evitar uma forte alta nas contas de luz. O uso intensivo das termelétricas se soma a outro fator crítico: a exposição das distribuidoras ao mercado de curto prazo, já que não conseguiram contratar toda a quantidade de energia que precisa ser levada aos consumidores. Com os preços no mercado “spot” em nível recorde, a conta aumentou.
Para “tranquilizar as distribuidoras”, conforme as palavras de Tolmasquim, o aceno é de que o Tesouro Nacional voltará a arcar com essas despesas – a mesma solução adotada no ano passado. “Elas (as empresas) não serão impactadas além do que podem pagar pelas térmicas”, disse o executivo.
Questionados várias vezes sobre a necessidade de aporte de recursos, Zimmermann e Tolmasquim evitaram projeções. “Eu desconheço qualquer número. Alguém deve estar com uma bola de cristal para prever o comportamento do PLD [preço no mercado de curto prazo] para o resto do ano. É uma temeridade”, disse o secretário. Tolmasquim também fugiu de uma resposta. “Como é que podemos dar a solução sem conhecer o tamanho do problema? E se, daqui até o fim de fevereiro, começa a chover e desligamos as térmicas?”.
O diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino, deu o tom de urgência que o assunto exige. “Até março, temos que ter uma decisão sobre isso. Não podemos deixar que as distribuidoras quebrem”, disse Rufino. Em fevereiro, as distribuidoras ainda podem contar com os recursos alocados no ano passado pelo Tesouro. A partir do mês que vem, não há repasse garantido.