Diferentemente do que ocorre com os mercados de sementes de milho e soja, com forte presença de multinacionais, o desenvolvimento de variedades de trigo no Brasil está nas mãos de empresas brasileiras. As quatro maiores têm capital 100% nacional e juntas respondem por 90% da área plantada com a cultura no país. Com o avanço dos materiais produzidos, elas buscam espaço fora do Brasil. Algumas empresas já atuam com venda de sementes no Mercosul, principalmente na Argentina, e testam variedades nos Estados Unidos.
Duas razões explicam a ausência de grandes corporações globais nesse mercado, explica Ottoni Rosa Filho, sócio-diretor da gaúcha Biotrigo, empresa que divide com a OR Sementes a liderança em genética para trigo no Brasil. A primeira delas é que a área plantada com trigo (em torno de 2,5 milhões de hectares) ainda é pequena aos olhos das múltis globais. A estimativa é que, por ano, sejam vendidas no país cerca de 5,8 milhões de sacas de trigo com recolhimento de royalties (e outras 2,5 milhões de sacas piratas). Portanto, trata-se de um segmento que movimenta por ano cerca de R$ 10 milhões em royalties no país, um montante pequeno se considerar grandes culturas, como soja e milho.
A segunda razão é que o mercado de variedades de trigo no Brasil tem suas peculiaridades. As sementes que as multinacionais comercializam nas outras regiões de trigo do mundo não se adaptam bem às condições brasileiras. “Aqui, o solo tem muito alumínio e chove muito, acima do indicado para a cultura”, diz Rosa Filho.
Assim, a pesquisa no país, conseguiu eliminar o efeito do alumínio no solo, mas ainda se esforça para tornar as variedades mais resistentes à incidência de chuva na colheita, ocorrência comum e com efeito negativo para a qualidade. Ainda que a pesquisa tente, é difícil minimizar o impacto de fenômenos climáticos na lavoura do cereal. Em julho passado, por exemplo, geadas arrasaram mais de 30% do trigo paranaense (ver matéria ao lado), cujas variedades usadas foram, em sua maior parte, consideradas de alta qualidade.
O fato é que essas demandas específicas para o Brasil funcionam como uma “barreira”, mantendo o mercado cativo para esse time de brasileiras, formado por Biotrigo e OR Sementes, Coodetec e Embrapa. A maior parte delas entrou no negócio nos anos 70 pela própria vocação da região onde estavam instaladas – Rio Grande do Sul e Paraná, respectivamente o 1º e o 2º maiores produtores de trigo do país.
Ao desenvolverem variedades adaptadas às condições do Brasil, essas empresas conseguiram também, indiretamente, criar características desejáveis aos produtores de outros países do Mercosul, como Argentina. Um exemplo são as variedades de ciclo mais curto, que é a aposta da Coodetec para abocanhar uma fatia do mercado argentino.
A expectativa é que no próximo ano elas sejam lançadas comercialmente aos produtores do país vizinho, após cinco anos de testes. Neste ano, as sementeiras locais estão reproduzindo os materiais na província de Santa Fé, explica o gerente de melhoramento de trigo da Coodetec, Francisco de Assis Franco.
“Os argentinos querem fazer duas safras na mesma área, colocando soja e trigo, o que não é possível com as variedades argentinas de ciclo com 120 a 150 dias”, diz Franco. Entre os materiais da Coodetec, também usados no Brasil, há variedades com ciclos de 110 e 120 dias. Maior em trigo no Mercosul, a Argentina cultiva cerca de 4 milhões de hectares. Franco acredita que as variedades de ciclo mais curto podem abocanhar 30% desse total.
No Paraguai, onde suas variedades de trigo estão desde 1995, a Coodetec detém 35% do mercado. A área plantada lá é pequena, na casa dos 600 mil hectares, mas o governo iniciou projeto ampliá-la. “E o governo nos convidou a participar desse projeto”.
O melhorista diz que a Coodetec se especializou nos últimos anos em desenvolver variedades para panificação. Assim, afirma, atualmente seus materiais – 18 variedades – ocupam de 70% a 80% da área brasileira de trigo melhorador, classe que pode ser usada diretamente para panificação ou na mistura com outras classes. Considerando todas as classes de sementes (melhorador, pão e brando), a participação da empresa no Brasil é de 18% e, no Paraná, seu principal mercado, de 30% a 40%.
Também na Argentina, a OR Sementes realiza testes com variedades desde 2004, quando ainda não havia se separado da Biotrigo. Agora, as duas empresas compartilham materiais, alguns deles já são vendidos para produtores argentinos por meio de parceria com uma sementeira local. “Agora estamos fazendo testes das primeiras variedades exclusivamente da OR Sementes no país vizinho”, diz o engenheiro da área de pesquisa da empresa, Aroldo Gallon Linhares.
Neste ano, sementeiras argentinas também vão reproduzir variedades exclusivas da Biotrigo, explica Ottoni Rosa. Mas o grande salto da companhia será o mercado americano. Há três anos em testes, materiais da empresa estão em fase de registro nos Estados Unidos e um lançamento será feito junto com um parceiro local, afirma o executivo. “As mesmas variedades que usamos no Brasil também são adaptadas às áreas de trigo de verão nos Estados Unidos”, explica Ottoni.
Já a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que foi líder em sementes para trigo, perdeu espaço ao priorizar na pesquisa produtividade e resistências a pragas e doenças. “Nos atrasamos um pouco na busca por trigo de maior qualidade para uso na panificação”, explica o melhorista de trigo da empresa, Eduardo Caierão. Além disso, afirma ele, até os anos 90, a Embrapa concorria com outras empresas públicas nessa área. “Hoje, há mais companhias privadas, agressivas em comercialização e marketing”.
Ele estima que a participação da Embrapa em sementes de trigo está entre 20% e 25%, percentual que há alguns anos já foi de 40% e, provavelmente, em meados da década de 70, já tenha alcançado 70%, diz Caierão. O especialista acredita que uma participação de 40% seja uma meta razoável a ser perseguida. A Embrapa investe por ano R$ 35 milhões no programa de pesquisas em trigo, 1,75% do orçamento anual que tem disponível para todas as culturas (R$ 2 bilhões).