O setor privado identificou 18 violações de regras internacionais que têm prejudicado a venda de produtos brasileiros no exterior e podem ser contestadas na Organização Mundial do Comércio (OMC). A lista de travas comerciais passíveis de questionamento inclui restrições sanitárias a carnes, barreiras técnicas à madeira e ao etanol, subsídios à agricultura que distorcem preços de commodities no mercado global e a exigência de declarações juradas de importação na Argentina.
Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), que fez o levantamento com base em diagnósticos de associações setoriais e pesquisa da própria equipe técnica, está na hora de o governo brasileiro adotar uma postura mais agressiva nos tribunais da OMC e partir para o ataque contra países que têm abusado de práticas desleais de comércio.
O gerente-executivo da unidade de comércio exterior da CNI, Diego Bonomo, afirma que boa parte das barreiras não é nova e nem pode ser atribuída à onda de protecionismo causada pela crise mundial. Mas antes, segundo ele, muitos obstáculos eram tolerados pelos empresários porque as commodities estavam em alta e os mercados – interno e externo – se mantinham aquecidos. “Como não há mais crescimento forte da economia global, as barreiras ficaram mais salientes, passaram a incomodar mais”, afirma.
Desde 1995, quando a OMC ganhou seu formato atual, o Brasil já levou 26 disputas ao órgão de soluções de controvérsias em Genebra e tornou-se o quarto maior usuário do mecanismo. Bonomo nota que na última década, entretanto, houve uma pisada no freio e apenas cinco casos foram denunciados à entidade. A CNI cobra a retomada de uma postura mais ofensiva. “Para abrir mercados aos nossos produtos, os contenciosos têm que andar lado a lado com negociações de acordos comerciais. A estratégia de sucesso é fazer um mix entre essas duas ações. Nós já temos tradição e experiência na OMC. Só precisamos usá-las novamente a nosso favor.”
O último foi apresentado contra o Japão, na última semana de abril, por subsídios dados pelo governo asiático à fabricação e à exportação de jatos que concorrem com aeronaves da Embraer. Por enquanto, ainda é um pedido de consultas, de esclarecimentos. Para tornar-se um “painel”, o país precisa declarar-se insatisfeito e pedir arbitragem da OMC, a fim de resolver a disputa.
Outros 17 casos estão na mira dos empresários. Um deles envolve barreiras sanitárias da Indonésia à carne de frango brasileira sem amparo, na visão dos produtores, de estudos científicos ou análises de riscos consistentes. O vice-presidente de aves da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin, acusa a Indonésia de fazer exigências além das previstas no Codex Alimentarius (código internacional de padrão dos alimentos) e tem a expectativa de que essas barreiras possam ser contestadas pelo governo brasileiro na OMC ainda neste ano.
Segundo o executivo, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) já deu aval à ofensiva e o setor privado contratou a consultoria Barral MJorge para formular “mais de 200 questionamentos e pedidos de explicações” ao governo asiático. “Os trabalhos devem ser finalizados até o fim de junho”, diz Santin, garantindo que o Itamaraty tem atuado em parceria com a ABPA no assunto.
Outro caso bem encaminhado é o que pretende contestar subsídios anunciados pela Índia a seus produtores de açúcar. No fim de 2013, Nova Déli prometeu ajuda de US$ 0,54 por tonelada para a exportação de até dois milhões de toneladas por ano. A União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo (Unica) fez estudos para avaliar o impacto desse apoio no mercado internacional. Concluiu que a subvenção pode gerar acréscimo de 3,5% na oferta mundial de açúcar. “Isso pode representar de 7% a 12% de redução dos preços praticados hoje”, argumenta o diretor-executivo da Unica, Eduardo Leão.
Segundo ele, a commodity já vive um momento complicado e sua cotação caiu a quase metade dos preços recordes alcançados em 2011. Embora haja previsão legal, o subsídio indiano ainda não foi aplicado, mas o temor dos produtores brasileiros é que isso possa ocorrer a partir do segundo semestre. “Temos observado a situação muito de perto. É uma medida distorsiva e as nossas margens já estão bastante apertadas.”
Um processo na OMC custa, no mínimo, entre US$ 1 milhão e US$ 2 milhões em despesas com consultorias e escritórios de advocacia. Casos mais simples levam de dois a três anos. E todo esse roteiro só começa se o governo “compra” a reclamação da iniciativa privada e aceita o eventual desgaste político de chamar um parceiro comercial para a briga.
É por causa desse desgaste que um questionamento brasileiro às barreiras protecionistas à Argentina, por exemplo, parece fora de cogitação. Mas Bonomo, da CNI, acredita que isso é excesso de zelo com o sócio do Mercosul. Ele e sua equipe mapearam 35 disputas na OMC envolvendo os membros do Nafta – Estados Unidos, Canadá e México. “E olha que o Nafta tem um mecanismo interno de solução de controvérsias muito mais robusto do que o do Mercosul.”