Os apagões de luz, que afetaram cerca de 800 mil pessoas em Buenos Aires e arredores, começaram a arrefecer entre terça e quarta-feira, quando autoridades informaram estar restaurando o suprimento de energia aos lares afetados. Ajudou o fato de a onda de calor ter começado a ceder no mesmo dia.
Até então, panelaços, ainda que isolados, e bloqueio do trânsito em ruas e avenidas, ainda sinalizavam a insatisfação popular diante da crise energética do país.
Os protestos começaram pouco depois da onda de saques a casas, lojas e supermercados no início do mês em várias províncias, como Córdoba, Chaco, Catamarca, Neuquén e Río Negro.
Os saques, por sua vez, vieram em meio à greve dos policiais por melhores salários e estima-se que tenham deixado 13 mortos. Na ocasião, comerciantes e moradores se uniram com armas e paus para proteger seus negócios.
Em meio às incertezas, a presidente Cristina Kirchner foi criticada pela oposição por ter mantido, no dia 10 de dezembro, a festa que marcou os 30 anos do retorno da democracia do país, em 1983.
A oposição também a criticou por não ter se pronunciado sobre os blecautes de energia e outros temas que preocupam os argentinos, como a inflação e o aumento nos índices de pobreza – os dados oficiais são questionados no país desde 2007 quando passaram a ser apontados como “maquiados”.
O governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli, responsabilizou as fornecedoras de energia pela crise e prometeu uma “avaliação profunda para readequar o sistema elétrico”, segundo a agência Efe.
Antes, o chefe da Casa Civil, Jorge Capitanich, também havia dito que “não existe um problema de geração de energia, mas claramente de distribuição, que é responsabilidade exclusiva das empresas que prestam esse serviço”.
Ele afirmou ainda que a situação energética do país vai melhorar a partir de abril, quando será inaugurada a central nuclear de Atucha II, que aumentará a capacidade de eletricidade em mais de 700 megawatts.
Já as empresas atribuíram os apagões à onda recorde de calor, que levou a um aumento no uso de aparelhos de ar-condicionado.
Pessimismo
Neste clima a Argentina parece entrar com pessimismo em 2014 nas áreas política, econômica e social.
Um problema que continua atormentando os argentinos é a inflação – oficialmente medida em 10%, mas que consultorias e institutos privados estimam possa ser três vezes maior.
Para o instituto, a inflação anual teria sido de 34,03%.
A alta de preços deverá ser um dos principais temas nas discussões salariais previstas para 2014, de acordo com os principais sindicatos do país.
Neste mês de dezembro, para conter a greve dos policiais, várias províncias quase dobraram seus salários, e economistas passaram a questionar a capacidade dos caixas locais para sustentar os ajustes.
Baixo crescimento
Entrevistados pela BBC Brasil, os economistas Orlando Ferreres, da consultoria Ferreres e Associados, e Dante Sica, da consultoria Abeceb, apontaram o combate à inflação e ao baixo crescimento como os principais desafios do governo para 2014, reforçados pela percepção de que os dados estatísticos do país não refletem a realidade.
“Neste quadro, de desconfiança dos investidores e dos próprios argentinos, que costumam sacar seus depósitos do sistema financeiro quando percebem que algo não vai bem, a economia deverá crescer em torno de 1,5% no ano que vem”, disse Ferreres.
Desde a implantação do controle cambial, em 2011, que o argentinos retomaram a prática de sacar dinheiro dos bancos e poupar em dólares. Isso vem provocando queda nas reservas do Banco Central – 30% menores em 2013 na comparação com 2012, de acordo com o site de notícias Infobae.
A redução de reservas e o “crescente deficit fiscal” limitam a margem de manobra do governo, segundo o economista Marcelo Elizondo, da consultoria DNI. O economista diz que desde a chegada de Néstor Kirchner à Presidência, em 2003, o governo passou a “dar maior atenção” ao superavit fiscal e de conta corrente (que inclui o comércio exterior), mas que nos últimos tempos, com o aumento do gasto público “essa equação ficou desequilibrada”.
Apesar dessa situação, o ex-presidente do Banco Central, Aldo Pignanelli, acredita que “quando vemos que hoje os preços do que exportamos são maiores dos que importamos, vemos que o país está passando por um dos melhores ciclos de sua história”.
“A Argentina tem enormes possibilidades de superar esta fase e de crescer, mas o problema é que o governo não sabe o que fazer”, disse ao jornal El Cronista.
Pignanelli, que foi presidente do BC durante o governo do então peronista Eduardo Duhalde, hoje desafeto político dos Kirchner, faz eco a outros setores da oposição, que veem “desorientação” na atuação do governo frente aos principais problemas do país.
“O problema da presidente é a desorientação diante dos itens que antes eram resolvidos com dinheiro, que agora começa a ficar escasso”, disse o senador Ernesto Sanz, da opositora União Cívica Radical (UCR).
Pouco depois, a Economist Intelligence Unit, centro de estudos ligado à revista britânica The Economist, incluiu a Argentina, junto com Bolívia, Egito e Iraque, entre outros, na lista das nações de “muito alto risco” de instabilidade.
Outro problema preocupante no país é a pobreza. Na semana passada, a Universidade Católica Argentina (UCA), que realiza o Observatório da Dívida Social, informou que a pobreza afeta atualmente cerca de 25% da população nacional.
País com aproximadamente 40 milhões de habitantes, a Argentina teria cerca de 10 milhões de pobres, segundo o estudo. Já para o o Indec, o índice é de cerca de 4% da população.