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Economia

Intervenções no câmbio superam US$ 100 bilhões

Autoridade deve fazer ajuste fino no programa de swaps sob o risco de adicionar instabilidade ao sistema financeiro.

Intervenções no câmbio superam US$ 100 bilhões

Lançado em 22 de agosto de 2013, o programa de intervenção diária no mercado de câmbio do Banco Central se mostrou eficaz em prover liquidez e hedge para o mercado, mas também traz um potencial risco para o sistema financeiro ao induzir os bancos a aumentarem a posição em instrumentos cambiais e distribuir esse risco no mercado, aponta um estudo desenvolvido por Tony Volpon, diretor executivo e chefe de pesquisas para mercados emergentes das Américas da Nomura Securities, e pelo professor Márcio Garcia, do Departamento de Economia da PUC-Rio. Apesar de esse risco não ser, por ora, preocupante essa é uma questão que tem de ser avaliada no momento de decisão sobre a prorrogação do programa de intervenção previsto para acabar em 30 de junho.
 
Para especialistas consultados pelo Valor, o BC tem espaço para reduzir as intervenções no câmbio, dado o fluxo cambial positivo, que soma US$ 3,104 bilhões no ano até 9 de maio, e pela melhora da cena externa. Mas essa decisão vai depender da continuidade do apetite para ativos de mercados emergentes. Além disso, o processo eleitoral em outubro pode adicionar volatilidade ao câmbio.
 
De maio de 2013 a abril de 2014 – quando o Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, sinalizou pela primeira vez a intenção de retirar os estímulos monetários – o BC ofertou US$ 86,9 bilhões por meio de swaps cambiais (que equivalem à venda de moeda americana no mercado futuro), representando a maior colocação de dólares entre 15 mercados emergentes. Além disso, a autoridade colocou US$ 16,986 bilhões em linhas de dólar com compromisso de recompra no período.
 
Diferentemente dos demais países, as intervenções do BC estão concentradas na venda de swaps, preservando as reservas internacionais do Brasil, que hoje somam US$ 379,2 bilhões. “Isso só é possível graças a especificidade do mercado brasileiro, onde a liquidez no mercado futuro é maior que no à vista, e ao fato desses contratos serem negociados em bolsa, na BM&F, o que reduz o risco das operações, permitindo ao BC vender esses instrumentos com um spread mais baixo”, diz Volpon.
 
Ao vender swaps cambiais, o BC paga ao mercado uma taxa de juros em dólar (cupom cambial) mais a variação do câmbio. Quando vende swaps, a autoridade induz a queda do dólar futuro, levando ao aumento da taxa do cupom cambial. Com isso, a autoridade incentiva os bancos a tomarem linhas lá fora a custos baixoa, atrelados à taxa Libor, e a trazer os recursos para aplicar no cupom cambial, dado o spread atrativo entre a taxa de juros em dólar no mercado interno e externo. Para se ter uma ideia, esse diferencial hoje está em torno de 0,9% ao ano. Assim, o BC consegue oferecer hegde mais barato para o mercado ao mesmo tempo em que estimula os bancos a proverem liquidez e a financiar o déficit em conta corrente.
 
No fim de 2013, o BC estendeu o programa de intervenção até 30 de junho deste ano, mas reduziu a oferta por meio de leilões diários de swap cambial de US$ 2,5 bilhões para US$ 1 bilhão. Além disso, ele interrompeu a venda semanal de dólares por meio de linha com compromisso de recompra, que passariam a ser ofertadas de acordo com as condições de liquidez.
 
A questão é se faz sentido manter o programa em um cenário de fluxo positivo para mercados emergentes, com os investidores buscando ativos de maior retorno uma vez que a taxa dos títulos do Tesouro americano (Treasuries) estão em níveis historicamente baixos. Para se ter uma ideia, no ano passado a taxa do título de dez anos estava perto de 3% e atualmente ronda os 2,5%.
 
Além disso, há a expectativa de adoção de medidas de estímulo monetário pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelo Banco do Japão. O Brasil, com uma taxa básica de juros a 11% ao ano, tem liderado atração de capitais de curto prazo.
 

Na prática, o BC já está reduzindo a intervenção no mercado ao sinalizar que não deve fazer a rolagem integral do lote de US$ 9,653 bilhões em swaps que vence em 2 de junho. Isso levará a reduzir, pela primeira vez desde fevereiro de 2013, o estoque de swaps no mercado no fim deste mês em comparação a abril, tendo um efeito de compra líquida de dólar.
 
Apesar de os contratos de swap serem negociados em reais no mercado local, o estudo sobre o programa de intervenções aponta que há um limite para a venda desses contratos. Primeiro, esse instrumento só é eficaz se os investidores acreditarem que o swap pode oferecer hedge em substituição à venda de dólares à vista, o que se sustenta pelo lastro (colateral) oferecido pelas reservas internacionais, explica Volpon.
 
Além disso, há o risco de conversibilidade. Com o hedge mais barato no mercado interno, o BC induz as instituições financeiras a fazerem arbitragem entre as taxas de diferentes instrumentos cambiais no mercado doméstico e externo com prazo semelhante de vencimento. O aumento dessas operações representa um possível risco para a estabilidade do sistema financeiro, pois pode haver um descasamento de preços desses instrumentos negociados no mercado interno e externo. Foi o que aconteceu, por exemplo, em 2002, com a maior aversão a risco em relação ao novo governo, e 2010 e 2011, com o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para estrangeiros aplicarem em renda fixa no Brasil.
 
Em tese, uma interrupção nas vendas de swaps levaria a uma queda na taxa do cupom cambial e desestimularia os bancos a trazerem dólares para o Brasil, com potencial de desvalorizar o real.
 
O efeito dessa medida sobre o cupom cambial, no entanto, vai depender do fluxo de recursos para o mercado doméstico. “Com o fluxo positivo não há necessidade de incentivar os bancos a trazerem dinheiro para o mercado local”, afirma Garcia, que defende que o BC anuncie que atuará no mercado de câmbio se necessário, mas não revele quanto vai vender.
 
Para Volpon, da Nomura, o BC deve estender o programa, pois não se sabe se o momento favorável para emergentes prosseguirá e é esperada maior volatilidade nos mercados por conta das eleições. “O BC deve estender o programa, mas reduzir o volume, fazendo ajustes por meio das rolagens.”
 
O ex-diretor de Política Monetária do BC Luis Eduardo Alves de Assis, acredita na manutenção do programa. “Primeiro porque ele teve êxito. Segundo, porque seria inconveniente que o dólar oscilasse fortemente nessa altura em que o quadro econômico parece muito estável.”
 
O economista-chefe da Bradesco Asset Management, Fernando Honorato, chama atenção para o fato de o volume do programa de swaps, quase US$ 100 bilhões, assemelhar-se à divida externa das empresas brasileiras. “O custo-benefício de manter o programa, ainda que com mudanças no volume, e regulá-lo por meio das rolagens é melhor do que simplesmente acabar com ele.”
 
O chefe de pesquisa para mercados emergentes da Tandem Global Partners e ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, Paulo Vieira da Cunha, não acredita que o BC interromperá o programa, uma vez que poderia levar a uma apreciação do dólar. “O que acho possível neste momento é reduzir as intervenções e fazer o ajuste por meio das rolagens”, lembrando que a inflação continua alta e o câmbio tem ajudado a ancorar as expectativas inflacionárias.
 
O economista-chefe do Banco J. Safra, Carlos Kawall, lembra que o BC vem fazendo a rolagem parcial dos swaps que estão vencendo e isso não trouxe uma pressão para o real. Por isso, ele acredita que o plano A do BC é não renovar o programa, dado que o cenário mudou desde o ano passado, devendo atuar apenas para reduzir a volatilidade.