Uma das últimas costuras para destravar o comércio entre Brasil e Argentina, com a criação de um novo esquema de financiamento ao comércio bilateral, promete livrar os exportadores brasileiros das dores de cabeça para entregar seus produtos no país vizinho.
Nas negociações entre os dois países, que devem resultar em um memorando de entendimentos a ser assinado nos próximos dias, a Argentina prometeu não impor barreiras não-tarifárias às exportações brasileiras contempladas pela nova linha de crédito. Os importadores argentinos vão continuando precisando de declarações juramentadas (DJAIs) para liberar os produtos brasileiros retidos na fronteira, mas há um compromisso de não atrasar esse processo de autorização e respeitar rigorosamente os prazos.
Nos últimos meses, o governo brasileiro recebeu relatos preocupantes dos exportadores. As montadoras, que venderam à Argentina quase US$ 5 bilhões em 2013, comunicaram que havia risco de encolher a produção em até 5% neste ano. Indústrias relataram que as barreiras argentinas criavam imprevisibilidade no recebimento das vendas. Por isso, os bancos encareciam o crédito e resistiam a oferecer adiantamentos de contratos de câmbio (ACCs), um dos principais “pulmões” no financiamento às exportações.
Com a desvalorização do peso, em janeiro, o governo brasileiro percebeu que a escassez de dólares na Argentina poderia acentuar os problemas. Por isso, empenha-se em criar um esquema de financiamento que seja operado estritamente por bancos comerciais, sem garantias do Banco Central nem do Tesouro. Mas colocou como condição, às autoridades argentinas, que não haja imprevistos com barreiras comerciais.
À primeira vista, parece haver vantagens só para os exportadores brasileiros, mas não é bem assim. Eles serão os beneficiados pela liberação do crédito e terão a garantia de completar os trâmites alfandegários sem atrasos impostos pela burocracia argentina. Trata-se, no entanto, de uma operação mutuamente benéfica.
Autopeças brasileiras são cruciais para a produção das montadoras instaladas na Argentina. E a maior parte das exportações argentinas de veículos têm o Brasil como destino, sendo operações intercompanhias, entre subsidiárias das mesmas montadoras. Se uma das vias do comércio bilateral é interrompida, por falta de financiamento, a tendência é que todo o sistema comércio entre os dois países seja prejudicado.
O memorando de entendimentos com a Argentina deve ser assinado à margem do encontro anual do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que começa hoje e vai até domingo, na Costa do Sauípe (BA), conforme reiterou o ministro do Desenvolvimento, Mauro Borges.
De acordo com o ministro, a linha de crédito para financiar o comércio entre Brasil e Argentina não trabalhará com um limite máximo de recursos. “É um sistema aberto, sem teto, direcionado pela demanda”, disse Borges, depois de ter participado de um seminário sobre a economia brasileira, na Câmara dos Deputados.
Falava-se, nas últimas semanas, em uma linha de crédito para financiar exportações brasileiras à Argentina no valor de US$ 2 bilhões. “Se a demanda for maior do que US$ 2 bilhões, o volume de crédito ficará acima disso. É uma estrutura que não se baseia na oferta de crédito, mas na demanda das empresas exportadoras. Não tem teto, por isso mesmo o sistema é mais engenhoso.”
Segundo o ministro, não haverá garantias do Banco Central nem do Tesouro, mas ele não revelou como funcionará o mecanismo. “Estamos criando uma engenharia financeira inovadora. É uma linha comercial inteiramente privada, sem participação do Banco Central nem do Tesouro, apenas com bancos comerciais.”
O Valor apurou que uma das possibilidades é que haja garantias do Banco Central da Argentina, por meio do Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR), mecanismo existente desde 1982 e do qual são signatários 12 países latino-americanos. Ele foi concebido originalmente para facilitar o intercâmbio comercial da região, ao reduzir as transferências internacionais, em um cenário de escassez de divisas.