O Brasil está aos poucos deixando de ser um mero coadjuvante no setor de tecnologia para se tornar protagonista. “No passado não nos preocupávamos em desenvolver a tecnologia, porque comprávamos as que julgávamos melhores. Hoje temos empresas no Brasil apostando no futuro”, afirma Fernando Landgraf, presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).
Como exemplos ele cita a Vale, a Petrobras e o Grupo Ultra, que junto com o IPT estão desenvolvendo um projeto de gaseificação de biomassa no valor aproximado de R$ 80 milhões. A ideia é transformar o bagaço e a palha da cana em combustível e aumentar em até 60% o rendimento da cana. Ninguém no planeta utiliza comercialmente essa tecnologia. O Brasil pode ser pioneiro porque, além de estar focado no desenvolvimento da tecnologia, tem uma grande concentração de cana em seu território.
Esse é o maior projeto do IPT em termos financeiros dentre as 170 pesquisas em andamento. “Precisamos apostar em muitas tecnologias, porque não sabemos quais serão as melhores daqui a 10 anos”, afirma Fernando Landgraf, presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Para aprimorar os estudos, o instituto, vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, inaugurou no dia 27 de agosto o primeiro laboratório de bionanotecnologia da América Latina, chamado de Laboratório de Bionanomanufatura, um investimento de R$ 46 milhões.
Além das apostas para o futuro, o instituto também já vem desenvolvendo e testando tecnologias que fazem parte do dia a dia do brasileiro. O sistema Sem Parar é um exemplo. O IPT criou uma “tag” que permite passar pelas cancelas de pedágios e estacionamentos de shoppings sem parar. Ele também testou o desempenho dos radares de velocidade na cidade de São Paulo e é responsável por indicar maneiras de lavar a roupa nas máquinas de lavar. Para descobrir as melhores formas, ele possui máquinas giratórias que testam por horas as lavagens dos tecidos.
O IPT também testou a resistência do concreto, em 1913, do que foi considerado na época o primeiro “arranha-céu” do Brasil, o edifício Guinle, com sete andares e 36 metros de altura. O que existia até então eram basicamente casas com alguns andares de madeira. Até hoje o Instituto guarda pedaços de concretos de prédios para estudá-los e verificar se os arranha-céus centenários estão em boas condições.
Para descobrir mais projetos e como as empresas estão inovando e podem inovar, Época NEGÓCIOS conversou com Landgraf. Confira a entrevista:
– Qual é o principal projeto do IPT?
O de gaseificação da biomassa, com a Vale, a Petrobras e Oxiteno, do Grupo Ultra. É um projeto de R$ 80 milhões para montar uma planta piloto de gaseificação em Piracicaba, em parceria com a Esalq [Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (USP)]. É uma rota para aproveitar melhor o bagaço da cana e transformá-lo em combustível. Imaginamos que em 2020, 140 novas usinas serão montadas com o crescimento da indústria sucroalcooleira. Queremos disputar essas 140 usinas e saber se essa tecnologia será viável economicamente.
– Ela é muito mais cara?
Ela tem um custo de investimento. Hoje esse custo está muito alto. Precisaríamos diminuir o custo de investimento pela metade. Essa tecnologia ainda nem existe, ninguém a usa comercialmente no planeta. Podemos ser pioneiros nessa tecnologia porque temos a cana que ninguém tem. Ninguém tem essa quantidade de biomassa que temos concentrada em um lugar. Temos que aproveitar as várias formas de gerar energia. Há 20 anos, só fazíamos energia hidráulica.
– Seria uma solução para o setor elétrico? O que futuramente isso vai trazer de benefício para o Brasil?
É um leque de tecnologias. Também temos a solar, a eólica e a biomassa. Temos que ver quais são as mais viáveis. Precisamos apostar em muitas, porque não sabemos quais serão as melhores daqui a 10 anos. Na Independência do Brasil não usávamos energia a vapor, a energia era praticamente animal e hidráulica. Uma coisa importante é que até muito recentemente não tínhamos essa preocupação. Antes comprávamos a melhor tecnologia disponível. Os outros desenvolviam e nós comprávamos. O Brasil chegou a um ponto em sua economia em que é importante as empresas apostarem no futuro e desenvolverem tecnologias que iremos buscar daqui a pouco. Isso já está acontecendo.
– Qual outro projeto o IPT faz com empresas que pode esquentar a economia?
Temos uma parceria com a Minas Ligas, uma empresa que produz silício, que é um material usado na célula solar [converte luz solar em energia elétrica]. O Brasil produz uma quantidade grande silício, mas com pureza de 99%, que é baixa. Para a célula solar é preciso de um silício com 99,999999%. O silício que o Brasil vende custa US$ 3. Com esse silício de seis noves depois da vírgula, o silício passa a valer US$ 30. A Minas Ligas quer entrar nesse mercado que cresceu 100 vezes nos últimos dez anos. Para isso, ela tem o apoio do FUNTEC [Fundo Tecnológico], onde o BNDES [Banco Nacional do Desenvolvimento] banca 80% do total do projeto, que está na ordem de R$ 10 milhões.
– Como as empresas podem formar parceria com o IPT?
– Quais projetos já estão sendo feitos no laboratório de bionanomanufatura inaugurado no final de agosto?
Logo após a inauguração fomos procurados por 30 empresas para fazer inovação. Um grupo grande do setor de cosméticos é um deles. A história das nanopartículas, usadas nos cosméticos, é um assunto muito quente [produtos com nanopartículas poderiam penetrar com mais eficácia na pele e no cabelo]. Além dos cosméticos tem o lado farmacêutico. Imagine que você tomou um remédio e quer que ele aja no intestino. Ele vai ter de atravessar o nosso estômago, que é muito ácido. O fármaco pode ser atacado pelo estômago, fazer mal. Se você encapsula o princípio ativo com uma substância que consiga sobreviver aos ácidos do estômago, esse fármaco vai chegar em maior quantidade e melhor estado no local em que você quer que ele aja. Hoje já existem remédios em que você coloca revestimento na pílula. A diferença é fazer isso nas partes nanoscópicas. Essas pequenas partes são mais finas que um pó de talco. Você reveste cada uma dessas partículas com uma substância protetora. Os nossos pesquisadores também querem mexer na superfície da partícula, ou seja, mudar as características químicas dela. Ela pode ser hidrofílica, gostar de água, ou hidrofóbica, que repele a água. Por exemplo, a vitamina B12 é hidrofílica e o hormônio de progesterona é hidrofóbico. O processo funciona para que os medicamentos consigam agir em determinadas regiões do corpo para tratamento de doenças e para a estética.
– Alguns especialistas dizem que com a bionanotecnologia poderíamos criar vida a partir do nada. Seria possível isso no laboratório?
Não somos um centro de ciência, mas sim de tecnologia. É a ciência que pensa no futuro daqui a 50 anos, a tecnologia pensa daqui a 10 anos.
– No mundo já existem 600 produtos de nanomateriais. Vamos criar novos produtos com nanomaterial? Já temos projetos?
Não podemos falar sobre isso porque todas as 30 empresas começaram a negociação e precisamos guardar sigilo. Posso comentar um projeto interno, que o IPT produz com recursos próprios. Um fármaco para melhor acondicionar o coquetel que os pacientes de HIV tomam. O objetivo é fazer com que eles tenham menos efeitos colaterais. Queremos diminuir a quantidade de remédios que a pessoa precisa tomar. Hoje, o paciente toma remédio e rapidamente ele é transformado pelo intestino e vai para o sangue. Essa quantidade grande que se coloca no sangue é que pode dar problema. Quando você microencapsula, aumenta o tempo necessário para as partículas se dissolverem no intestino e irem para o sangue. Não existe um pico, uma quantidade grande. Não fica tão agressivo.
– Como o laboratório do IPT está em relação aos outros laboratórios do mundo?
Do ponto de vista da ciência, os laboratórios científicos no Brasil estão avançados. Mas o nosso foco é tecnologia, então o foco é diferente. Os fármacos, até chegarem ao mercado, demoram cinco anos ou mais. É uma novidade para o Brasil e estamos passando por esse processo de licenciamento. A nossa ciência está avançada, mas a tecnologia não está. Nossa referência, nesse ponto de vista, é o ITRI [Industrial Technology Research Institute], um instituto de Taiwan.
– O que precisa ser feito para melhorar?
Mais empresas precisam fazer desenvolvimentos que resultem em inovação no Brasil. O IPT tem ao todo 170 projetos em andamento, 53 internos e 117 em parceria com empresas. Para incentivar as empresas a inovarem, mapeamos os que elas estão fazendo e oferecemos serviços. Fizemos um trabalho a respeito da distribuição das chuvas na região metropolitana onde o nosso foco era descobrir como a qualidade da água é afetada com as chuvas. O nosso objetivo é vender o projeto para a Sabesp. O nosso solo já tem algumas contaminações, então chove e a água das chuvas leva isso para o lençol freático e para os reservatórios. Depois da chuva, quanto tempo demora para que os contaminantes apareçam na Billings ou na Guarapiranga e o que a Sabesp precisa fazer para limpar a água?
– E em relação às enchentes?
Fazemos um trabalho com a prevenção de danos de escorregamento nas áreas de risco. Vídeos sobre como não fazer construções erradas. Muitos pesquisadores do IPT foram treinados no Japão nessa área de riscos ambientais. Tem muito a ver com o fato de educar as pessoas. O IPT também faz tecnologia social. Nem todas as nossas soluções são tecnologias “duras”, onde inventamos equipamentos novos, também temos uma área que trabalha com a tecnologia de convencer a população a evitar o risco, a ter um comportamento que reduza o risco.
– E qual foi a atuação do IPT em tecnologias que hoje fazem parte do dia a dia do brasileiro?
O IPT tem 400 pesquisadores, dentre eles engenheiros, geólogos e geógrafos, e 4 mil clientes. Somos um ‘shopping center’ de lojas vendendo produtos diferentes. O Orçamento de 2011 foi de R$ 130 milhões, sendo que R$ 90 milhões vieram das empresas com a venda de serviços e R$ 50 milhões de dotação do governo. Muitas pessoas nos conhecem por medir coisas. Medimos a qualidade dos coletores solares, a massa, o comprimento, a vazão. Por exemplo, todos os medidores de gás da Comgás são calibrados no IPT. Estamos ajudando o governo e as empresas a conter a sujeira das obras do anel viário sul. Evitamos que a sujeira das obras chegue aos mananciais. O nosso trabalho também é voltado à mobilidade, ao RFID [Identificação por radiofreqüência]. Um exemplo disso é o Sem Parar, que transmite a informação do carro para o pedágio e pode proteger o usuário de roubo. Apoiamos o Governo do Estado no sentido de recolher o imposto do pedágio.
– E para melhorar o trânsito?
Essas informações do pedágio são enviadas para essas áreas do governo que controlam o fluxo dos veículos e podem buscar formas de minimizar os grandes congestionamentos em tempo real. Imagine que todas as rodovias de São Paulo têm os seus pedágios e essas informações são transmitidas em tempo real para a Artesp [Agência Reguladora dos Transportes do Estado de São Paulo].
– E o que pode ser feito com essas informações?
As informações recebidas nos painéis ajudam a redirecionar o trânsito. Se ocorreu um acidente na Anhanguera e começou a se formar um congestionamento, é possível enviar informações e redirecionar o trânsito. Estamos estudando de que maneira a informatização pode melhorar o trânsito nas metrópoles com equipes da China e da Alemanha. O objetivo é saber como lidar com essa massa de informações. Imagine juntar a informação do metrô com as informações de trânsito para monitorar e administrar em tempo real como está o movimento das pessoas na metrópole. Imagine integrar o metrô, a CPTM e outros transportes. Como remunerar essas empresas com um bilhete único? Hoje, as pessoas compram um bilhete que serve para vários transportes, mas como é distribuído esse dinheiro? Atualmente é feito na base da estatística. As empresas fazem pesquisas para saber a quantidade de pessoas em cada transporte e pagam a partir dessa análise. Não existe um sistema para fazer esse pagamento.