Em 22 de julho deste ano, todos os 57 milhões de habitantes do Nordeste que acenderam uma lâmpada ou ligaram uma TV foram beneficiados pelo vento. A energia eólica sozinha abasteceu a região ao longo de todo aquele dia — um recorde comemorado pelo setor que, paradoxalmente, se vê às voltas com a ameaça da pior crise energética em 90 anos. Duas semanas depois, essa marca se repetiu, mostrando as virtudes dessa modalidade de energia renovável justamente no período conhecido como “safra dos ventos”: o intervalo entre os meses de junho e novembro, quando há pouca chuva nos principais reservatórios do País. “Nos tornamos uma potência mundial em capacidade geradora no espaço de uma década”, afirma a engenheira Juliana Yanaguizawa, professora do Instituto Federal de Pernambuco. “E podemos ser líderes globais”, continua.
Embora o Brasil ainda dependa majoritariamente de hidrelétricas, os ventos são uma fonte cada vez mais importante. Segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), eles já correspondem a 10,8% de toda a energia produzida em território nacional. Na situação atual, daria para levar eletricidade para 86,4 milhões de brasileiros, o equivalente à população da Turquia, apenas com os ventos do litoral do Nordeste. Hoje, o Brasil tem a sétima maior capacidade geradora do mundo. “Temos um setor relativamente bem regulado e que atrai cada vez mais investimentos privados de dentro e de fora do País”, afirma a presidente da entidade, Elbia Gannoum. Essa realidade oferece maior segurança energética, já que representa uma matriz mais diversificada. Esse foi justamente o caminho buscado há 20 anos, quando ocorreu uma das piores crises de energia da história, em 2001. Na época, quase todo o sistema brasileiro dependia de hidrelétricas — que hoje correspondem a 53% dele.
Crescimento rápido
Esse processo aconteceu, no caso das eólicas, em um intervalo muito curto: se, em 2012, o País gerou 4,8 Terawatt-hora (TWh), no ano passado esse montante foi de 57 TWh, um volume 11 vezes maior. Só o Rio Grande do Norte produziu 15,50 TWh em 2020, três vezes mais do que o Rio Grande do Sul — o maior gerador fora do Nordeste. “Se não fossem os parques eólicos dessa região, já estaríamos convivendo certamente com apagões”, sentencia Mauricio Tolmasquim, ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “É um fato que, neste momento, a geração nordestina está salvando o sistema”, corrobora Gannoum. Isso porque, ao abastecer a população local, a energia captada dos ventos alivia outras partes do País que ainda são dependentes das reservas hídricas, como o Sudeste e o Centro-Oeste.
O atual momento é delicado porque os principais reservatórios do País, que estão nessas duas regiões (e que, juntos, abastecem 70% do Brasil), estão em situação crítica. A perspectiva do Operador Elétrico Nacional (ONS) é que eles cheguem a novembro com 10% da sua capacidade. Seria o nível mais baixo da história. Essa, porém, é uma perspectiva ainda otimista, porque o governo federal trabalha com a possibilidade de estabelecer “cortes programados” (isto é, interromper a distribuição de eletricidade em certos pontos do sistema) já no mês outubro. Por enquanto, nem Jair Bolsonaro nem seu ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, admitem esse plano publicamente — um “negacionismo” que é criticado pelos especialistas do setor. De qualquer forma, para ter essa capacidade eólica, o Brasil precisou de planejamento — tudo o que falta agora ao governo Bolsonaro. Em dez anos, o segmento recebeu US$ 35,8 bilhões em investimentos, essencialmente da iniciativa privada, a partir das políticas desenhadas pelo Estado. “Muitos dos avanços de agora são fruto do que foi planejado há três, quatro anos”, afirma Yanaguizawa. Ou seja: é um caminho que precisa ser mantido agora para render ainda mais frutos para a matriz energética lá na frente.