A participação de fontes renováveis, como usinas hidrelétricas, pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), usinas movidas a bagaço de cana-de-açúcar e empreendimentos eólicos, deverá ganhar espaço na matriz elétrica do Brasil nos próximos dez anos. Isso manterá o Brasil em uma posição invejável no cenário internacional: o país continuará com a matriz mais limpa do mundo industrializado. Para produzir um TWh, o setor elétrico brasileiro emite oito vezes menos do que o setor elétrico americano, cinco vezes menos que o europeu e 12 vezes menos do que o chinês.
Entre 2011 e 2021, a participação das fontes renováveis irá passar de 97 mil MW para 152 mil MW, sendo que a fatia das hidrelétricas pulará de 83 mil MW para 116 mil MW de potência instalada em 2021. Outras fontes renováveis, como PCHs, eólicas e biomassa, saltarão quase três vezes – de 13,7 mil MW em 2011 para 36 mil MW dez anos depois. A participação das três fontes evoluirá de 11,8% na capacidade instalada em 2011 para 19,8% em 2021, segundo o Plano Decenal 2021 elaborado pelo governo federal. Estima-se alta anual de 10% para essas fontes, com destaque para os projetos eólicos.
“O Brasil vai continuar privilegiando fontes renováveis, como hidrelétricas e eólicas, como os últimos leilões têm mostrado”, afirma Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), órgão estatal responsável pelo planejamento do setor. A capacidade instalada no sistema nacional deve crescer 56% entre 2012 e 2021, pulando de 116,5 mil MW para 182,4 mil MW, impulsionada pela construção de hidrelétricas na região Norte, de usinas eólicas nas regiões Sul e Nordeste e de projetos de biomassa no Sudeste e Centro-Oeste.
A capacidade de geração hidráulica aumentará de 84 GW para 117 GW até 2021, com destaque para projetos na região Norte, cuja participação na expansão de projetos em geração pulará de 10% em 2012 para 24% do sistema interligado nacional em 2021, totalizando 32.783 MW de expansão. Entre os projetos não contratados, construtoras e fabricantes de máquinas e equipamentos estão de olho no Complexo de São Luiz dos Tapajós, que poderá reunir cinco barragens e ter potência instalada de 14 mil MW. Trabalha-se no governo para colocar em licitação a megausina entre o fim de 2013 e início de 2014. O investimento deverá superar R$ 15 bilhões.
Em relação às outras fontes renováveis, o maior destaque será para as usinas eólicas, que poderão chegar a 16 mil MW em 2021, quase dez vez mais do que a potência instalada atual. Hoje, há um portfólio de projetos eólicos habilitados pela EPE de cerca de 600 empreendimentos cuja potência total supera 16 mil MW. Deste, 450 projetos localizam-se na região Nordeste, que totalizam cerca de 12 mil MW e 150 projetos são da região Sul com cerca de 4,3 mil MW. “Há três anos tínhamos dois fabricantes de aerogeradores no Brasil, hoje temos oito e devemos ter mais um em 2013. O Brasil deverá passar da décima-primeira posição para quarta ou quinta de aumento de capacidade anual do segmento”, diz Tolmasquim.
As empresas têm se movimentado na área. No fim de outubro, a Odebrecht Energia recebeu a licença de instalação do Complexo Eólico Corredor do Senandes, em Rio Grande (RS). O licenciamento permite a implantação dos sete parques do complexo, com capacidade instalada de 180,9 MW, dos quais quatro serão implantados até fim de 2013, na primeira fase do projeto, que receberá investimentos totais de R$ 400 milhões. Outra que desenvolve empreendimentos na área é a Bioenergy, com pouco mais de 40 projetos eólicos em desenvolvimento no Maranhão que poderão acrescentar 1,5 mil MW de capacidade. A primeira fase dos projetos – que envolve cerca de 800 MW – deverá começar a entrar em operação a partir de abril de 2014, com investimentos de R$ 2,5 bilhões. A segunda fase – com projetos de 700 MW – poderá ter sua energia comercializada nos leilões de energia do governo em 2013 e 2014.
Energia solar é outro vetor da atuação da empresa. “A energia solar poderá ser em cinco anos a bola da vez no Brasil, como a eólica tem sido. Há 14 anos ninguém acreditava que a energia eólica seria a mais competitiva e hoje ela tem ganho de hidrelétricas. Podemos ver algo semelhante na energia solar, que pode crescer muito rápido no Brasil”, diz Sergio Marques, presidente da Bioenergy. O preço de um MW médio negociado no mercado ficou em cerca de R$ 250, ainda elevado, mas competitivo para alguns segmentos, como clientes ligados em alta tensão e com indústrias localizadas no Sudeste.
O que poderá impulsionar mais as fontes renováveis, como solar e eólica, é a adoção gradual das redes inteligentes (“smart grids”, em inglês). Os medidores inteligentes são condição básica para a geração distribuída solar, porque os aparelhos permitem saber se o cliente está consumindo ou se está exportando para a rede. Neste contexto, as redes inteligentes deverão estimular a microgeração de energia e o avanço de fontes renováveis nos grandes centros. O cliente residencial pode ter painéis solares instalados em sua casa e até vender parte dessa energia à rede ou abater parte de sua conta com esse crédito. “O consumidor passa a ter mais ferramentas para gerar o consumo e o uso da energia e, como a eólica é uma fonte limpa, podemos ter mais estímulos com o ‘smart grid'”, diz Elbia Mello, presidente-executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica).
Em relação às outras fontes renováveis de geração – térmicas movidas a biomassa, em sua maioria de bagaço de cana-de-açúcar, e as PCH -, o cenário traz algumas incertezas. Ao contrário das eólicas, as PCH, vedetes do setor elétrico no fim da década de 1990 por conta da dificuldade de obtenção de licenças ambientais para grandes usinas hidrelétricas, têm perdido competitividade nos leilões desde 2009. O custo de investimento das PCHs teve alta de 45% em cinco anos, e o preço da energia chegou a R$ 135 o MWh, acima das eólicas e outras fontes. Em junho, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), 563 MW de obras no segmento estavam com andamento adequado, 983 MW de projetos com impedimentos de diversas naturezas e 991 MW de projetos que sequer dispunham de licença de instalação. Mas o potencial segmento é bastante considerável e chega a 17,5 GW.
O potencial técnico a partir da biomassa de cana-de-açúcar deve superar os 10 GW médios até 2021, dos quais cerca de 1,2 GW médio contratado nos leilões e com início de suprimento até 2016, segundo o Plano Decenal do governo. O potencial desta fonte está localizado em São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná. Mas usineiros reclamam de melhores condições financeiras para aumentar a eficiência de suas caldeiras e elevar a geração comercializada no sistema. No leilão realizado em agosto pelo governo federal, só 19 projetos de PCHs, com potência instalada de 302 MW foram cadastrados, enquanto 296 projetos de eólicas com capacidade de 7.500 MW foram inscritos e 12 projetos de biomassa com 700 MW foram listados. Na fase final do leilão, nenhum projeto de PCH foi contratado, enquanto foram negociados 2 GW de energia eólica e 555 MW de biomassa.