As chuvas que finalmente começaram na última semana no Meio-Oeste dos Estados Unidos – região onde se concentra a maior produção mundial de grãos – chegou tarde demais para a lavoura já devastada pela seca. Para o milho, que deve ter 17% de perdas, com colheita de 55,5 milhões de toneladas a menos, não há grandes esperanças. A semeadura ocorreu mais cedo e, por conta disso, a fase de polinização – período de formação de pólen e desenvolvimento dos grãos – ocorreu quase toda durante o período de seca. Água é fundamental neste período, pois contribui diretamente para o desenvolvimento das espigas. Os prejuízos financeiros nos EUA são estimados em US$ 30 bilhões.
No caso da soja, que também teve a safra revista pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), as chances de recuperação, apesar de reduzidas, ainda existem. Segundo estimativas do Itaú Unibanco, historicamente, recuperações de qualidade para a soja ocorrem, mas não devem passar de 7% até o fim da safra. O efeito dominó da maior seca vivida pelos Estados Unidos nos últimos 50 anos já começou e uma possível crise alimentar, com alta generalizada de preços, já preocupa as Nações Unidas.
No Brasil – que deve tomar a posição dos EUA como maior produtor mundial de soja com 81 milhões de toneladas nesta safra – os reflexos já são sentidos em diversos segmentos. Desde os produtores de grãos até o consumidor e os índices de inflação, passando por investidores e insumos, todos devem ser afetados pela devastação sofrida pelas lavouras americanas. Inclusive, com impactos esperados para o mercado de trabalho.
EFEITOS NO BRASIL
PREÇOS DAS COMMODITIES
A cotação dos grãos no mercado externo deve continuar em alta. Segundo avaliação da economista Giovanna Siniscalchi, do Itaú Unibanco, enquanto permanecer a dúvida quanto ao tamanho da queda da safra nos Estados Unidos, a pressão sobre os preços deve ser mantida. “Esperamos alta adicional de aproximadamente 30% para o preço do milho e de cerca de 10% para o preço da soja até o fim do ano”, avalia. As perspectivas de acomodação dos custos se concentram em 2013 para o caso do milho e do trigo. “Presumindo que a safra da América do Sul e a próxima safra dos EUA tenham produtividade próxima da média e que a área plantada de 2012/13 será mantida, acreditamos numa lenta reposição dos estoques”, observa a economista. Os preços da soja, por outro lado, devem se manter pressionados mesmo depois de 2013, motivados pela queda dos estoques.
PRODUTORES DE SOJA E MILHO
A saca de 60Kg de soja alcançou, em termos nominais, as maiores cotações da história este ano no Brasil. Bateu os R$ 84 no porto de Paranaguá, no Paraná, e R$ 79 no Triângulo Mineiro. “O preço pago ao produtor subiu 71% no acumulado do ano até agosto na média das regiões do Brasil. No atacado, comercialização entre cooperativas e indústria de processamento, a alta chegou a 76%”, calcula Lucílio Alves, pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP. No caso do milho, a expansão soma 17% com a saca
em R$ 33 em Campinas,
São Paulo – também em patamares históricos e com chances de bater
a casa dos R$ 40.
SEMENTES E DEFENSIVOS
EXPORTADORES
Em julho, as vendas de milho para o exterior subiram 431,4% em relação ao mesmo período do ano passado. Na comparação com junho, a expansão é ainda mais expressiva. A receita de US$ 10,3 milhões foi 662,4% superior à de junho. No ano, devem ser remetidos ao exterior 14 milhões de toneladas do grão, somando cerca de US$ 3,8 bilhões em receita. A soja por sua vez elevou de 30,1% para 35% sua participação no total das exportações em julho frente ao mesmo período do ano passado. Somente no mês passado, a receita de farelo e óleo de soja exportados alcançou US$ 22,4 milhões, aumento de 164,1%. Nos sete primeiros meses do ano, a soja em grãos apresentou crescimento de 33,3% em valor exportado (de US$ 10,64 bilhões para US$ 14,19 bilhões), 25,9% em quantidade (de 21,85 milhões de toneladas para 27,5 milhões de toneladas) e 5,9% em preço (de US$ 487 para US$ 516 por tonelada).
PRODUTORES DE CARNE
SUÍNA E FRANGO
A soja responde por 20% do custo de produção da suinocultura, enquanto o milho chega a quase 70%. Em pouco mais de um mês, os gastos do produtor para cada quilo do animal vivo pularam de R$ 2,70 para R$ 3,20 na média do estado. O peso dos animais ofertados ao mercado, em contrapartida, caiu para 95kg a 97kg quando antes superava a casa dos 110kg por animal. Cenário motivado, em grande medida, pelo alto custo com alimentação dos suínos. “Muitos produtores estavam vendendo leitões e animais mais leves para reduzir despesas”, afirma José Arnaldo Cardoso Penna, vice-presidente da Associação dos Suinocultores de Minas Gerais. Na avicultura, o cenário não é mais animador. Os custos subiram, em média, 50% nos últimos meses. Os valores pagos ao produtor, porém, não sobem na mesma velocidade. “Antes pagava-se cerca de R$ 1,95 por frango vivo, agora está em R$ 2,35”, calcula Antônio Carlos Vasconcelos Costa, presidente da Associação dos Avicultores de Minas Gerais (Avimig). A alta é de 20%. Ele estima que haverá redução na produção, o que deve afetar a oferta. “Inclusive o emprego poderia estar comprometido com a diminuição das granjas”, acrescenta Carlos. Em alguns estados, como Santa Catarina, produtores reclamam da falta de ração e se desfazem dos pintinhos para reduzir as perdas.
INFLAÇÃO
Diretamente, os consumidores sentirão poucas pressões vindas da soja e do milho. Mas indiretamente os impactos são certeiros. A começar pelo preço do óleo de soja, que, em Belo Horizonte, acumula alta de 12,16% nos sete primeiros meses do ano. Outros itens que virão mais caros por conta da elevação dos custos são as carnes de frango e porco (e seus derivados, como ovos) cuja alimentação depende dos grãos na composição. A BRFoods, dona das marcas Sadia e Perdigão, já anunciou que vai aumentar os preços dos produtos em até 10% no segundo semestre para compensar o aumento de custos com ração animal. A Seara também já deu sinais de elevação dos preços. Nos Índices Gerais de Preços medidos pela Fundação Getulio Vargas, as influências já são evidentes. A última alta de 1,52% do IGP-DI teve como principal contribuição o preço da soja, que pulou de 6,39% em junho para 16,19% em julho, enquanto o milho saltou de 2,12% para 15,66% no mesmo período. O índice reajusta vários contratos, entre eles, o de tarifa de telefone. Sem contar que representa grande impacto aos preços pagos aos produtores, que, fatalmente, chegarão à ponta do consumo, ainda que não seja na íntegra. O mercado estima que este repasse demore entre três e seis meses, o que significa que as pressões serão sentidas até o fim do ano.
INVESTIDORES
Especuladores que operam no Mercado Futuro de commodities estão nadando de braçada com a alta de preços da soja e milho no mercado externo. “O milho é a coqueluche do momento”, garante o especialista em Futuros da XP Investimentos, Tito Gusmão. O cenário deve se manter firme para os próximos meses. “Os estoques estão nos menores níveis desde 1995”, lembra a especialista em grãos da XP Investimentos, Priscila Pereira. O cenário para o ano que vem mantém viés de elevação de preços. “Especialmente para o milho. Isso porque existe um grande movimento dos produtores de se dedicar mais à soja do que ao milho”, acrescenta.
EFEITOS NO MUNDO
ONU
Já anunciou que o preço mundial das commodities agrícolas subiu 6% em julho. Para evitar uma crise alimentar nos moldes da ocorrida em 2007/2008, a ONU já pediu aos Estados Unidos a suspensão temporária da produção de etanol à base de milho. Pelo menos 42% da safra do grão, já bastante reduzida, seria destinada para este fim, comprometendo o fornecimento global do insumo. Governadores da Carolina do Norte e Arkansas, nos EUA, já enviaram petição ao governo pedindo a suspensão obrigatoriedade da mistrua de etanol à gasolina, como forma de conter a elevação de custos ao produtor rural.
G-20
Líderes do grupo que reúne os 20 países mais ricos do mundo estão atentos ao comportamento de preços e podem convocar o Fórum de Reação Rápida – instância criada em 2011 que visa a garantir uma resposta rápida e coordenada em casos de fortes pressões sobre o mercado agrícola a fim de prevenir uma crise alimentar global. A expectativa é de que isso ocorra ainda no início de setembro e impeça que países produtores restrinjam as exportações agravando ainda mais o cenário já temerário.