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Água mole em pedra dura tanto bate até que fura! - por Ariovaldo Zani

Na Rio+20, País não deve economizar esforços para convencer os demais cidadãos globais da importância de uma governança racional da água e insistir na elaboração das metas e compromissos para conservação desse elemento essencial à segurança alimentar.

Água mole em pedra dura tanto bate até que fura! - por Ariovaldo Zani

A hipotética explosão demográfica capaz de elevar a humanidade ao patamar de 9,5 bilhões até a metade desse século projeta concentração de 90% desses novos habitantes na Ásia e na África. O apetite voraz desses emergentes aponta em 2050 a elevação do Produto Interno Bruto da China para U$ 48 trilhões e o da Índia para U$ 27 trilhões. No caso dos países pós-desenvolvidos, a previsão é que o PIB americano triplique alcançando U$ 38 trilhões e o Japonês atinja os U$ 8 trilhões.

Elevações da renda per capita são acompanhadas do aumento na emissão de carbono na atmosfera, além de maior consumo de água que requer diligência na preservação dos recursos hídricos, cujo tratamento depende do diagnóstico resultante da avaliação do volume total de água, classificada de tipo “verde” (chuvas e precipitações), “azul” (superfícies e subterrânea) e “cinza” (poluída/diluição de efluentes) usada direta (manufatura) ou indiretamente (embutida nos insumos) na elaboração de um produto.

Na tentativa de mensurar essa “pegada hídrica”, a miríade de protocolos lança mão de multivariados pressupostos – conversão alimentar, composição nutricional, clima, sistema de produção, unidade geográfica – resultando achados com grande desvio estatístico que motivou o desenvolvimento do protocolo único para harmonização internacional das métricas exigidas no cálculo de precisão. A ISO 14046 em elaboração também complementará os padrões da ISO 14064/2006 aplicada à quantificação, monitoramento e mitigação dos gases de efeito-estufa e da ISO/TC 207 utilizada na avaliação do ciclo de vida dos produtos. 

Podemos considerar que nos próximos 40 anos a sociedade global demandará mais de 200 milhões de toneladas de carne de aves, aproximadamente 140 milhões de toneladas de carne suína e algo em torno de 100 milhões de toneladas de carne bovina e inferir que cada quilo produzido mobiliza acima de 4 mil, quase 6 mil e mais de 15 mil litros de água, respectivamente. Cerca de 93% da água usada nessa cadeia de produção é “verde”  e consumida no desenvolvimento dos cereais e oleaginosas para alimentação animal, enquanto a água “azul” para bebida significa 4% e os 3% consumidos na limpeza e resfriamento das instalações é do tipo “cinza”.

Além disso, cerca de 20% da pegada hídrica global resulta das transações comerciais internacionais e essa “água virtual” movimentada daqui para acolá e vice-versa ilustra a externalização do consumo de água e o impacto significativo da poluição que os importadores impõem indiretamente aos produtores. Por exemplo, cerca de 10% da pegada Chinesa recai fora do seu território, enquanto o Japão tem cerca de 77% da sua pegada fora das fronteiras do país.

É importante salientar, contudo, que o inventário de água na natureza é sempre o mesmo e compensado pela evapotranspiração, eliminação dos dejetos e todo o ciclo natural da extração da matéria-prima até a mesa do consumidor.

Em termos gerais, a demanda per capita de água do cidadão global alcança 1400 metros cúbicos, enquanto a do consumidor americano beira os 3000m3 e dos Chineses não ultrapassa os 1100m3.  Calculei minha própria pegada que influenciada por diversas variáveis – renda, hábitos de higiene, costumes e cardápio – culminou em aproximadamente 2500 metros cúbicos por ano. Os gêneros agropecuários da minha cesta representam 75% dessa água (1538m3 nas carnes, leite e ovos mais 337m3 nos cereais, frutas e legumes). A produção desses alimentos e a água embutida/necessária para manufatura de outros itens usados no meu dia a dia contribuiu com 19%, enquanto a água usada na residência completou os  6% restantes.

A minimização dos metros cúbicos consumidos por unidade de PIB conceitua a grandeza da produtividade da água ainda que a gestão hídrica da atividade pecuária seja extremamente dependente da atividade agrícola. Quanto mais eficiente o manejo da água na agricultura menor a pegada das carnes.

A finitude dos recursos imprime urgência à necessária intervenção no padrão de consumo dos mais ricos, já que não é justo conter a demanda dos menos afortunados. A velha “Teoria da Classe Ociosa” de Veblen anda na moda e reforça a impressão que despertar a inveja dos vizinhos só aumenta a sensação de importância ou delírios de grandeza que se tem.

O Brasil é o anfitrião da Rio+20, celeiro global do século 21 e detentor de 13% da água doce do planeta. Seus representantes não devem economizar esforços para convencer os demais cidadãos globais da importância de uma governança racional da água e insistir na elaboração das metas e compromissos para conservação desse elemento essencial à segurança alimentar.

Lembremos que a “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura!”

Ariovaldo Zani é vice-presidente executivo do Sindirações.