Conforto térmico é difícil de definir em palavras, mas fácil de sentir: se sabe quando está presente[1]. Todas as vezes que resolvo perguntar para indivíduos, incluindo profissionais da área de ciência da construção, como conforto é determinado, vários dos parâmetros importantes são esquecidos. É algo subjetivo, ao menos para pessoas. Além disto, temos a interessante experiência em passar calor num mesmo ambiente em que outra pessoa[2] está passando frio. Como pode?
Comecemos com os fatores que entram na determinação do conforto térmico para pessoas. A norma da ASHRAE 55[3] define o intervalo de condições térmicas aceitáveis para a maioria dos ocupantes de um ambiente. Na determinação do conforto térmico entram os fatores apresentados na tabela abaixo.
Fatores relevantes na determinação de conforto térmico de pessoas (ASHRAE Standard 55)
Fatores Ambientais Gerais Temperatura de bulbo seco Temperatura média radiante Umidade Velocidade do ar |
Fatores Localizados Diferenças verticais na temperatura do ar Asimetria de temperatura radiante Temperatura do chão Correntes de ar |
Fatores Pessoais Taxa de metabolismo Vestimento |
Não há[4] uma norma que determine claramente as condições de conforto térmico de frangos de corte em galpões, mas fatores semelhantes aos da tabela têm que ser levados em conta para a determinação de condições ótimas. Muitas publicações usam a temperatura de bulbo seco e o índice de temperatura-umidade, por exemplo, para definir tais condições de conforto, mas estes dois parâmetros não são suficientes. Só para citar alguns fatores mais relevantes na criação de frangos de corte, há que se incluir a temperatura média radiante (a média ponderada das temperaturas das superfícies que interagem com o indivíduo) e a velocidade do ar em torno dos frangos para se ter uma descrição mínima de seu conforto.
Nós e os leitores desta publicação temos sorte, porque há aqui algumas boas vantagens ao se lidar com frangos de corte (e outros animais industriais): no mesmo galpão todos têm a mesma idade e todos têm aproximadamente a mesma composição genética. Compare-se com casas e edifícios comerciais, em que as pessoas, mesmo sob condições climáticas internas uniformes, têm idades, tamanhos e composições diferentes. Outra grande vantagem é que o conforto térmico pode ser indiretamente medido em galpões de frango de corte através dos resultados do galpão: quanto melhor o conforto[5], maior é a produtividade, determinada através do ganho de peso, do consumo de ração e da mortalidade.
O que define conforto térmico? Para se discutir como um indivíduo percebe o ambiente térmico em que se encontra inserido, é necessário refletir sobre as diferentes trocas de calor que ele executa com este ambiente[6]. No caso de um frango de corte, o calor gerado pelo mesmo pode ser dissipado para o ar, irradiado para as superfícies às quais ele se encontra exposto, conduzido para a cama através dos membros em contato com a cama ou evaporado para o ar. A figura mostra o balanço térmico de um frango no interior de um galpão.
Balanço térmico de um frango em um galpão.
As trocas mostradas na figura têm, em alguns casos, uma direção arbitrária:
- A convecção é positiva do frango para o ar caso a camada externa do frango esteja mais quente que o ar. Num dia em que a temperatura do ar esteja acima da temperatura da superfície do frango, a direção seria contrária, do ar para o frango[7].
- A radiação é do frango para as superfícies, caso a camada externa do frango esteja mais quente do que as superfícies. Durante os horários de sol e na ausência de isolamento, é comum ter telhados e lonas com temperatura muito superior à do frango, de forma que o fluxo de radiação é das superfícies para o frango e também precisa ser removida pelo ar.
- A evaporação acontece nas vias respiratórias do frango, dissipando calor para o ar, aumentando sua umidade relativa. É sempre do frango para o ar.
- A condução de calor para a cama pode se positiva ou negativa, mas é, via de regra, muito pequena e normalmente desprezível.
O organismo de um frango procura se manter com uma temperatura interna em torno de 41°C. Uma vez que as diversas reações químicas que acontecem dentro de um organismo geram calor (hidrocarbonetos ingeridos se combinam com oxigênio respirado, gerando dióxido de carbono e água e liberando calor), para que a temperatura interna do frango se mantenha constante é fundamental que o calor gerado seja dissipado na mesma taxa em que é gerado.
O movimento do ar em torno do frango aumenta a perda de calor por convecção. Chamamos este efeito de windchill em inglês, o que se traduziria como frio de vento[8]. O efeito mostra que num dia de vento, não se deve simplesmente estimar a sensação térmica pelo valor da temperatura do ar porque este tem apenas parte da influência do que se sente. Por exemplo, no meu querido Rio Grande do Sul[9], temos o minuano que quando presente faz com que o gaudério sinta muito mais frio. É frio de renguear cusco!
Na ausência de vento, o frango perde calor para o ar através do que chamamos de convecção natural. O ar em torno do frango fica mais quente, portanto menos denso. Uma pluma de ar quente sobe do frango em direção ao telhado e é substituída por ar mais frio que se encontra na proximidade do frango. Embora convecção natural remova muito mais calor do que a condução, ao se impor o vento, a perda de calor passa a acontecer através do que chamamos de convecção forçada que é muito mais eficiente. É possível assim ter a mesma sensação de conforto em duas temperaturas diferentes (uma com vento e uma sem).
Em galpões de frango de corte, usamos este efeito quando incluímos ventilação de túnel no projeto para evitar os efeitos danosos do aumento da temperatura na produtividade da operação. A idéia é aumentar a perda de calor das aves por convecção ao se aumentar a velocidade do vento quando a temperatura é mais elevada. Com a maior velocidade, é possível manter a mesma perda de calor para o ar que se teria num dia mais frio sem ventilação. A instalação de exaustores dá então ao produtor um grau de liberdade que não teria sem os mesmos: aumenta o intervalo de temperatura em que é possível criar frangos com conforto ótimo.
Conclusões
Há diversos parâmetros que entram na determinação do conforto térmico do frango. Eles incluem a temperatura de bulbo seco e umidade relativa, que são muitas vezes usadas para descrever as condições ambientais, mas que não são suficientes para tal. É necessário incluir a velocidade do vento e a temperatura média radiante que são fundamentais para determinar o conforto térmico do frango. Para facilitar a perda de calor metabólico, em climas quentes, é interessante reduzir a temperatura do ar através de evaporação (cooling pads) na entrada do galpão, aumentar a velocidade do ar com exaustores e reduzir as temperaturas das superfícies expostas aos frangos.
Marcus V. A. Bianchi, Ph.D., P.E., Owens Corning
Dr. Marcus V. A. Bianchi é Líder de Ciências da Construção (Building Science) na Owens Corning, um dos maiores fabricantes de materiais de construção no mundo, incluindo isolantes de fibras de vidro para paredes, tubos, dutos de ar, e outras aplicações, isolantes de poliestireno extrudado, telhas asfálticas e outros materias. Neste cargo, Bianchi é responsável pelo desenvolvimento de soluções sustentáveis em ciências da construção para tornar edificações mais confortáveis, duráveis, seguras, saudáveis e energeticamente eficientes.
Antes de trabalhar para a Owens Corning, Bianchi foi engenheiro senior do National Renewable Energy Laboratory (Golden, CO), onde ele trabalhou para o Departamento de Energia dos Estados Unidos em pesquisas relacionadas à remodelagem de edifícios residenciais para a diminuição do consumo de energia. Ele ainda trabalhou em ciências da construção na Johns Manville e eficiência energética de ar condicionado em edificações comerciais. Bianchi foi professor de engenharia mecânica da Colorado School of Mines, Colorado, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Purdue University, Indiana.
Ele é formado em engenharia mecânica pelo Instituto Militar de Engenharia (IME), possui mestrado em engenharia mecânica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutorado em engenharia mecânica na área de transferência de calor de Purdue University. Ele é engenheiro profissional do estado do Colorado.
[1] Um juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, que também teve que definir um conceito complexo, usou descrição semelhante para material obsceno: “Eu sei quando vejo.”
[2] Os casados, estou certo, passam por esta experiência com frequência.
[3] Condições Térmicas Ambientes para Ocupação Humana (Thermal Environmental Conditions for Human Occupancy) – https://www.ashrae.org/resources–publications/bookstore/standard-55
[4] Estamos trabalhando para mudar isto.
[5] Mantendo-se todos os outros fatores iguais.
[6] Nos dois artigos passados, tratei do balanço energético do galpão e do telhado do galpão, respectivamente.
[7] Espera-se que isto não aconteça, porque o estresse térmico causará um grande número de mortes em pouco tempo. Aumentar a velocidade do vento nesta situação somente piorará a situação.
[8] Ver http://www.nws.noaa.gov/os/windchill/index.shtml.
[9] Sou carioca, mas tenho um carinho especial pelo Rio Grande: minha prenda é de lá e minha primeira guria lá nasceu.