Na década de 40, o então presidente Getúlio Vargas, por meio de decretos específicos, estabeleceu como condição para a continuidade do processo de produção e beneficiamento do leite de vaca, que os produtores rurais, em todos os pontos do país, se organizassem em cooperativas. Ao valorizar essa modalidade de associação de pessoas, talvez, por contrariar o princípio básico do cooperativismo, que é o da adesão voluntária, tenha dificultado, ou mesmo inibido os envolvidos de assumirem compromissos de fidelidade e de participação decisória nas entidades em que passaram a ingressar por imposição – e não pelo sentimento de necessidade.
Aliás, a mesma necessidade que fez com que, em 21 de dezembro de 1844, no bairro de Rochdale, em Manchester (Inglaterra), 27 tecelões e uma tecelã fundassem uma Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale, com o resultado da economia mensal de uma libra de cada participante, durante um ano.
Tendo o homem como principal finalidade – e não o lucro – os tecelões de Rochdale buscavam, naquele momento, uma alternativa econômica para atuar no mercado, frente ao capitalismo ganancioso e ao desemprego crescente advindo da revolução industrial.
Naquele momento, a constituição de uma pequena cooperativa de consumo no então chamado Beco do Sapo (Toad Lane) estaria mudando os padrões econômicos da época, e dando origem ao movimento cooperativista. Tal iniciativa foi motivo de deboche por parte dos comerciantes, mas seu sucesso passou a ser um exemplo para outros grupos.
O cooperativismo evoluiu e conquistou um espaço próprio, definido por uma nova forma de pensar o homem, o trabalho e o desenvolvimento social.
As cooperativas figuram na legislação brasileira (Lei 5764/71) como “sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídicas próprias”, dotadas de certos princípios básicos, entre eles, “a adesão voluntária, com número ilimitado de associados (…)”
No que diz respeito ao Estado do Rio de Janeiro, desde sempre, o poder público, atento à importância do cooperativismo como sustentação dos produtores rurais, principalmente os de menor volume de produção, vem promovendo ações objetivando a sustentação do sistema. Porém, mesmo diante de todos os esforços, o apagar constante de estrelas na constelação de cooperativas é um fato inconteste.
Nos últimos dois anos, principalmente após a mudança da legislação fiscal, que retirou o leite UHT do rol da cesta básica, tributando-o pela maior alíquota, a vantagem competitiva para o varejo, em adquirir o produto de dentro do Estado, em relação ao proveniente de outras unidades da federação, tem provocado investimentos em plantas industriais no território fluminense, por parte de grandes empresas do setor.
Diante dessa realidade – cada vez mais exigente em competência gerencial e necessidade de economia de escala para viabilizar projetos no complexo industrial e comercial do leite – a maioria dos dirigentes de cooperativas que ainda sobrevivem, perde noites de sono por não poder prever quantos associados deixarão seus quadros no dia seguinte, reduzindo, ainda mais, a capacidade competitiva.
Os milhares de produtores no Estado do Rio de Janeiro, colocando em prática o natural princípio de sobrevivência, procuram alternativas de venda de seu produto para os “compradores” que oferecem as melhores vantagens aparentes. Com isso, as cooperativas, sem condições legais de participar das “guerras” no mercado, vão, gradativamente, perdendo volume de produção e, por via de consequência, viabilidade comercial e financeira.
De modo efetivo, a insistência suicida dos dirigentes ao isolamento, levará, com o tempo, à inviabilização, senão de todas, mas pelo menos da maioria das organizações associativas.
Os produtores que na atualidade ainda podem escolher alternativas para comercialização, tendem, com o extermínio das cooperativas, a ficar à mercê de compradores únicos. Estes, por questões de economia de escala, passarão a impor condições como volume mínimo e qualidade, além de preços máximos, principalmente, para continuarem comprando. Será a inviabilização da maioria, provocando um acelerado êxodo do campo para a cidade.
Há que se fazer algo. E deve ser agora.
A solução pode estar na integração entre as cooperativas, através de um projeto de logística industrial, e principalmente comercial, conjunto. O objetivo é permitir que, sob a égide da filosofia cooperativista, com viabilidade econômica e financeira, associações sejam estimuladas a se transformar em cooperativas. Quem sabe, mesmo por sonho utópico, que a grande maioria dos produtores de leite do Estado do Rio estará, num futuro próximo, abrigada no sistema cooperativista?
Basta que o interesse maior da sociedade de produtores fale mais alto do que o uso dos cargos por dirigentes cooperativistas para satisfazer alguns caprichos de vaidade, interesses individuais, ou mesmo representação de políticos locais. Felizmente, algumas exceções, entre os atuais dirigentes, permitem que tenhamos esperança nesse futuro. E é deles que se espera a iniciativa criativa de aglutinação.
Alberto Figueiredo, engenheiro agrônomo, produtor rural e diretor técnico da Sociedade Nacional de Agricultura