O assunto, hoje, poderia ser a diminuição do crescimento econômico na China e seus reflexos na demanda por commodities; a aparente recuperação da economia americana, com repercussões no mundo; a notícia da lenta reação na Zona do Euro ou outros temas envolvendo a produção de alimentos e o seu mercado.
No entanto, “nem só de pão vive o homem”. Entendo que algumas vezes é bom refletirmos sobre comportamento.
Estava trocando, hoje, e-mails sobre assunto profissional com uma pessoa que, neste campo, interajo com muita frequência. Surpreendeu-me que no encaminhamento de um deles em lugar de meu nome – Odacir – estava “Doação”.
Pensei que fosse brincadeira, com o significado de que eu estaria me doando, com vistas à solução do caso.
Como meus conhecimentos de informática são rudimentares, comentei com minha secretária e ela me disse que possivelmente a pessoa utilizara o T9. Explicou-me que a ferramenta usa a sequência de teclas pressionadas para prever as possíveis palavras que seriam de interesse do usuário sem que ele tenha que realmente digitar letra por letra, como no método comum.
No entanto, receber uma mensagem como sendo o “senhor Doação” me fez refletir sobre o momento em que vivemos.
Muitas das mazelas de nossos tempos são decorrência da visão de que o importante é receber. Parece-me que a interpretação da afirmativa franciscana de que “é dando que se recebe” é interpretada no sentido de que precisamos dar algo para recebermos muito.
No meu entendimento, a demonstração evidente disto é a protelação da reforma tributária no Brasil. Todos sabemos da necessidade do recolhimento de tributos. Queremos, também, que as receitas públicas sejam bem aplicadas. No entanto, cada tentativa de reforma tributária esbarra na análise feita de forma corporativa ou antifederativa.
O Brasil não tem a maior carga tributária do mundo. No entanto, tem uma das piores, pela legislação confusa, pelas dificuldades burocráticas e com aplicação incorreta dos recursos públicos.
Há pouco tempo o Congresso Nacional teve extremas dificuldades em fixar critérios para distribuição do Fundo de Participação de estados e municípios nos tributos federais. Chegou ao ponto do Supremo Tribunal Federal dar prazo para que o Legislativo legislasse.
Todas as propostas de reforma tributária até aqui apresentadas não prosperaram por falta de acordo federativo, pois as diversas unidades da Federação examinavam o assunto sob a ótica de seu interesse, bem como pela análise corporativa, com cada setor reagindo de acordo com os reflexos em seus negócios.
É fundamental que tenhamos tal reforma. No entanto, ela não ocorrerá se não houver um grande diálogo nacional, com cada um recebendo como resultado de sua doação, ou seja, da transigência na busca do melhor para o conjunto, inclusive com aprovação de sólidos instrumentos que garantam a transparência e a fiscalização democrática da aplicação dos recursos públicos pelos entes federados, aos quais devem ser atribuídas receitas correspondentes às suas atribuições na prestação de serviços e nos investimentos públicos.
Usei a reforma tributária como exemplo. Isto serve para a questão cambial – onde cada um quer que o câmbio contemple seus interesses, uns desejando maior e outros menor valorização da moeda nacional – bem como em diversos outros setores de nossas atividades sociais e econômicas.
Os movimentos reivindicatórios atuais, embora insistam na correta aplicação dos recursos públicos, objetivam também não pagar tributos, quando sabemos que a formação de receita pública é imprescindível para a prestação dos serviços e os investimentos necessários.
Há poucos dias ouvi, na homilia, um padre falando sobre a multiplicação dos pães e dos peixes. O mesmo dizia que devemos interpretar os textos evangélicos pelos seus simbolismos e que um dos evangelistas informa que um menino tinha poucos pães e peixes, que se propôs a doar para distribuição. Diante disto, segundo o padre, Jesus não fez saltarem pedaços de pão dos pães existentes, nem nacos de peixes dos ofertados pelo garoto, mas, segundo outros dois evangelistas, mandou que os circunstantes se sentassem em grupos e então comessem. Isto induzia à conclusão de que se o menino tinha um pouco de alimentos, na multidão outros também teriam e que, formando grupos e interagindo, haveria condições de todos se alimentarem.
Seria bom que de vez em quando nos chamassem a atenção para a necessidade de, na busca do bem comum, que resultará também em nosso proveito, sermos intimados à doação, não apenas para recebermos, mas objetivando condições para que todos recebam.
A modernidade oferecida pela informática pode resultar em distorções. A mudança do meu nome no e-mail, porém, chamou-me a atenção para o fato de, comportamentalmente, não devermos ser apenas indivíduos, mas vivermos em coletividade, onde receberemos nos doando.
Por Odacir Klein, advogado e profissional da área contábil. É sócio da Klein & Associados e coordenador do Fórum Nacional do Milho.
www.forumdomilho.com.br