Atualmente, é importante ter bem definido o que é “Segurança Alimentar” e “Segurança do Alimento”. Segurança alimentar é a garantia que todas as pessoas tenham acesso à alimentação nutritiva, que atenda a suas necessidades nutricionais diárias. A Segurança do alimento ou “food safety” está relacionada à garantia que o alimento comercializado é de qualidade. Esta qualidade esperada refere-se a contaminantes químicos (resíduos de metais pesados, antibióticos, etc..), contaminantes físicos (insetos, pedras, madeiras…) e contaminantes biológicos (E. coli, Salmonella, Listeria, etc.).
Como podemos garantir que o ovo seja um alimento seguro? Quais os itens envolvidos na segurança dos alimentos? Diversos fatores estão relacionados, tais como boas práticas de criação e manejo na granja desde o recebimento das pintainhas, verificação das instalações e locais de coleta de ovos e estocagem, higiene das instalações, controle de pragas, biosseguridade, além de manter registros dos controles realizados, para que se tenha um histórico das ações e não conformidades observadas em todas as etapas do processo.
Assim, como prevenir?
Uma parte importante destas exigências de segurança alimentar vem dos consumidores, que têm mudado de hábitos de consumo, exigindo não só segurança dos alimentos, mas consumindo alimentos mais saudáveis, com rastreabilidade e certificações de qualidade. De acordo com pesquisa de Rabobank (2021), o ovo é a proteína do futuro por ser altamente disponível, de baixo preço, sem restrições religiosas e ainda por ser um alimento que promove a saúde (alimento saudável). Então, na prática, por onde devemos começar?
A qualidade e segurança do ovo começa na granja, com os cuidados pós alojamento, seguindo pela qualidade da ração, qualidade sanitária do lote, manejo, transporte, processamento e beneficiamento, seguindo até o consumidor.
É importante cuidar da saúde das aves pois as maiores chances de contaminação dos ovos são na sua formação, ainda dentro da ave. O manejo sanitário envolve a adoção de medidas, tais como limpeza, desinfecção, vazio sanitário das instalações, controle microbiológico da água, controle de pragas e roedores, controle de resíduos, descarte de aves mortas (compostagem) e descarte de aves vivas, barreiras sanitárias, controle de acesso de pessoas, evitar a presença de animais domésticos e silvestres dentro das granjas, que podem ser importantes vetores de microrganismos, comprometendo a sanidade geral do lote.
A indústria avícola deve garantir a qualidade microbiológica de seus produtos, adotando medidas de controle, em toda a cadeia produtiva, desde a granja até a distribuição do produto nos pontos de comercialização. Na granja, é importante que as pintainhas sejam provenientes de lotes negativos para Salmonella, que o galpão para alojamento esteja limpo e desinfetado, diminuindo assim os riscos de contaminação cruzada entre lotes. Também, é importante o acompanhamento da qualidade da ração, das matérias primas e dos equipamentos, além de um programa robusto de vacinação.
A etapa de processamento industrial dos ovos inteiros destinados ao consumo inclui desinfecção, higienização, contribuindo assim para a redução de microrganismos. Na tentativa de reduzir problemas decorrentes da contaminação por microrganismos patogênicos e/ou deteriorantes, os ovos são submetidos ao processo de lavagem da casca e a pasteurização; outro aspecto importante que auxilia na preservação da qualidade interna dos ovos é a refrigeração nos pontos de comercialização
Existem microrganismos que são indicadores da qualidade sanitária e de falhas no processo de higienização, tais como bactérias aeróbicas mesofílicas, que podem causar deterioração do produto, devido à grande facilidade de se multiplicar em temperatura ambiente na presença de oxigênio. Apesar da contagem de mesófilos não estar incluída na legislação brasileira como parâmetro microbiológico de ovos comercializados em casca, a resolução RDC nº 12 de 2001 estabelece limites recomendados para contagem padrão na placa.
Outro indicador das condições sanitárias, utilizado no controle da qualidade de água e alimentos, são as enterobacterias, que pertencem ao grupo dos coliformes totais representadas por gêneros: Enterobacter, Klebsiella, Serratia, Hafnia, Salmonella, Citrobacter e E. coli. A contaminação de ovos por enterobactérias pode ser decorrente de vários fatores, tais como contaminação cruzada, através da manipulação incorreta dos ovos e condições de acondicionamento e armazenamento inadequadas. A presença de enterobactérias pode também indicar contaminação pós-desinfecção ou pós-processamento, demonstrando práticas de higiene e desinfecção abaixo do padrão exigido para processamento de alimentos.
Dentre todos os grupos de microrganismos e gêneros causadores de doenças, distúrbios ou perdas na qualidade do ovo, as salmonelas representam o grupo de organismos patogênicos de maior preocupação em saúde pública. Há várias pesquisas que demonstram a presença de Salmonella em ovos comerciais (ANDRADE et al., 2004; KOTTWITZ et al., 2008). Esse patógeno é de relevante impacto para qualidade dos ovos (BARANCELLI et al., 2012). Os ovos e produtos à base de ovos são os alimentos mais frequentemente envolvidos em surtos de salmonelose em todo o mundo (SODAGARI et al., 2019). A Instrução Normativa n°60 de 23 de dezembro de 2019 da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), utiliza a ausência de Salmonella spp. em 25 g como único parâmetro de qualidade microbiológica para ovo íntegro cru.
GANTOIS et al (2009) realizaram uma vasta revisão sobre a contaminação dos ovos por Salmonella Enteritidis (SE), concluindo que esta ocorre com mais facilidade durante a formação do ovo do que após a postura; que não há, necessariamente, relação entre presença de SE na clara e gema e contaminação ambiental e que as salmonelas presentes no ambiente (poeira, gaiolas, esterco) podem ser totalmente diferentes dos sorovares encontrados no conteúdo dos ovos.
A proliferação de Staphylococcus aureus no alimento é responsável por surtos de infecções e intoxicações gastrointestinais. A contaminação de alimentos por Staphylococcus é comum, pois este microrganismo faz parte da microbiota normal de seres humanos, desta forma o processo de contaminação torna-se facilitado. Para evitar este risco, faz-se necessário um processo de manipulação e armazenamento adequado, desde a saída da granja até a chegada dos ovos na mesa do consumidor (NETTO et al., 2018). Apesar de não existir legislação vigente no Brasil, que determine um limite para a presença deste microrganismo, é necessário que os locais de comercialização tenham uma atenção para este agente, visto a presença de Staphylococcus sp em condições específicas pode indicar uma má condição higiênico-sanitária dos alimentos, além de serem capazes de produzir toxinas responsáveis por causar quadros de intoxicação alimentar, com implicações na saúde pública.
Os fungos são agentes causadores de alterações físicas e químicas observadas em ovos após a postura, produzindo alterações nas características de sabor e odor de mofo nos mesmos, além do apodrecimento. A legislação não estabelece padrões mínimos de tolerância para bolores e leveduras em ovos in natura. Para ovos em conserva ou em salmoura é considerado inaceitável para consumo, contagens superiores a 103 UFC/g.
Um trabalho desenvolvido por Zanatta e colaboradores (2023) avaliou a qualidade microbiológica de ovos comerciais, de diferentes marcas comercializadas no município de Descalvado, SP. Foram realizadas análises de pesquisa de salmonela, contagens de mesófilos, enterobactérias, Staphylococcus spp. e contagem de bolores e leveduras. Os microrganismos observados em maior número foram bactérias mesófilas e bolores e leveduras, tanto nas amostras de conteúdos internos como nas cascas. Nas cascas dos ovos, todas as marcas apresentaram contaminação alta de mesófilos. A contagem de enterobactérias foi elevada nas amostras de conteúdo interno em duas marcas de ovos, indicando contaminação pós processamento ou limpeza e desinfecção deficientes, baixas condições sanitárias e reduzido controle de qualidade dos ovos. Apesar da ausência de Salmonella spp. nos ovos das marcas analisadas, a presença de outros microrganismos pode prejudicar a qualidade microbiológica dos ovos, podendo causar infecções alimentares nos consumidores.
Na sala de classificação o ovo já está “pronto” para ser comercializado, mas podem ocorrer contaminações através de equipamentos sujos ou pela manipulação inadequada. As condições de armazenamento, tipo de embalagem e temperatura ambiente também devem ser monitoradas.
O último estágio de processamento e manutenção da sanidade dos ovos é a industrialização, cuja principal etapa, considerando o HACCP (Hazard Analysis and Critical Control Point), é a pasteurização, que tem como objetivo eliminar patógenos presentes no ovo cru.
A implantação de programas de Boas Práticas de Fabricação (BPF) é necessária para promover a segurança alimentar dos consumidores através da capacitação dos manipuladores, contribuindo assim para barrar o desenvolvimento de doenças transmitidas por alimentos (DTAs) associados a S. aureus e a outros agentes biológicos. Ações de educação em saúde são necessárias para implementar hábitos de higiene pessoal, principalmente a lavagem correta das mãos entre as pessoas que manipulam alimentos, observando cuidados na preparação, manipulação, armazenamento e distribuição de alimentos. Enfatizando que as principais estratégias de prevenção são a seleção da matéria-prima, utensílios e equipamentos que devem ser cuidadosamente higienizados; fornecimento de água potável e adequado sistema de tratamento de lixo e esgoto; adoção de boas práticas de fabricação e implantação do sistema HACCP; afastamento dos portadores assintomáticos da área de produção e métodos de preservação e de transporte adequados. Todas essas ações estão em conformidade com as recomendações das autoridades de saúde pública em nível mundial.
Conclui-se que o processo de comercialização de ovos requer melhorias em todas as etapas produção, de transporte e armazenamento nos estabelecimentos comerciais, garantindo um produto saudável para os consumidores, da granja ao prato.
A Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, através da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) desenvolve pesquisas e ações na área de avicultura industrial e familiar, através das seguintes unidades:
– APTA Regional de Brotas possui estrutura para condução de experimentos envolvendo bem-estar animal, nutrição e manejo na área de avicultura, em diferentes sistemas de produção.
– Centro Avançado de Pesquisa e Desenvolvimento em Sanidade Avícola (CEAV), do Instituto Biológico, atua na área de sanidade avícola e em controle microbiológico na área de alimentos. É credenciado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) para diagnóstico bacteriológico das salmoneloses aviárias e diagnóstico sorológico de micoplasmoses e salmoneloses aviárias, laringotraqueíte infecciosa das galinhas, influenza aviária e doença de Newcastle. Na área de controle microbiológico, o Centro realiza os ensaios para monitoria de qualidade sanitária de matérias-primas e produtos acabados de estabelecimentos da área de alimentação, assim como fornece assessoria técnica. A unidade de Votuporanga desenvolve pesquisa científica, básica e aplicada, na área de parasitologia em avicultura, abordando helmintos e ectoparasitos (especialmente cascudinhos).
– Instituto de Zootecnia, através do Laboratório de Qualidade de Aves e Ovos (LAAVIZ), tem como missão conduzir pesquisas com o foco nas mais recentes necessidades de mercado, ensino e conservação, a fim de garantir o bem-estar animal, produtividade e segurança alimentar dos produtos oriundos da avicultura paulista. Os principais serviços são avaliação qualitativa de ovos (peso, cor de gema, altura de albúmen, espessura de casca, resistência de casca, unidade Haugh).
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