Quarta maior companhia do país em faturamento, que alcançou R$ 120 bilhões em 2019, a Raízen, joint venture entre Cosan e Shell, selou nesta segunda-feira a maior transação de sua história. A aquisição da Biosev, controlada pela multinacional francesa Louis Dreyfus Company (LDC), será estratégica não apenas para a líder em produção de açúcar e álcool ampliar sua participação no segmento sucroalcooleiro, mas também para expandir os negócios com biomassa.
“A gente viu na pandemia um aumento da demanda por produtos sustentáveis, que tem crescido muito e passou a ter prêmios diferentes. Estamos no lugar certo e na hora certa”, disse Ricardo Mussa, CEO da Raízen, em entrevista ao Valor. Segundo ele, a Raízen tem projetos de etanol celulósico, biogás, pellets e etanol especial, que deverão ser ampliados. “Já o portfólio da Biosev explora pouco esses atributos. Vamos aproveitar nossa força comercial para melhorar a rentabilidade do negocio”, disse. A companhia já vislumbra investimentos de “retorno rápido” para aumentar a agregação de valor, como em etanol de uso industrial.
Embora a demanda por etanol combustível tenha caído drasticamente com a crise sanitária e o Brasil esteja com a imagem arranhada — o país é alvo de pesadas críticas ambientais por parte de investidores estrangeiros —, Mussa vê um futuro promissor para as energias renováveis. “Diferentemente de outros setores agrícolas, estamos distantes dessa questão [do desmatamento da Amazônia]”, disse. A Raízen, segundo ele, tem 70% de açúcar com certificado de sustentabilidade Bonsucro do mundo.
A conclusão da compra da Biosev pela Raízen, que depende do aval do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), deverá ocorrer nos próximos meses, mas o acerto — que envolve o pagamento de R$ 3,6 bilhões para a Biosev repagar sua dívida, além da emissão de ações preferenciais ao veículo de investimentos da LDC — permitirá que a Raízen assuma o negócio sem os compromissos financeiros elevados. Esse arranjo permitirá um melhor aproveitamento da geração de caixa que provém das operações e uma “folga” importante para decisões mais “econômicas”, de acordo com Mussa.
O executivo disse que a Raízen não pretende realizar grandes aportes nos novos canaviais que assumirá, até porque os índices de produtividade das lavouras da Biosev são superiores aos seus — 82,9 toneladas por hectare na última safra, contra 70,8 toneladas por hectare. É verdade que essa diferença se dá em grande parte pela localização, na região altamente produtiva de Ribeirão Preto, mas a Raízen também se deparou com uma “gestão agrícola muito boa”, avaliou.
Sem a pressão dos encargos financeiros — parte da dívida, R$ 4,1 bilhões, continuará sob responsabilidade da Dreyfus —, a Raízen ainda prevê uma redução de custo financeiro relevante, de uma faixa de R$ 500 milhões a R$ 600 milhões ao ano para cerca de R$ 100 milhões.
Em uma década de existência, a Raízen Energia — braço sucroalcooleiro da Raízen — mais do que quadruplicou seu faturamento, para R$ 30 bilhões na safra passada (2019/20), sem ampliar a moagem de cana. Nos últimos anos, a companhia manteve seu patamar de processamento em torno dos 60 milhões de toneladas por safra, mesmo após algumas aquisições isoladas de usinas e canaviais.
Agora, com as nove usinas da Biosev (uma temporariamente desativada), a Raízen Energia já garante um aumento de moagem instantâneo de mais de 40%. Serão quase 30 milhões de toneladas de cana a mais, volume processado atualmente pela empresa da LDC.
Em capacidade instalada, a nova Raízen terá cerca de 15% da moagem do Centro-Sul, mas ainda há ociosidade. De suas 26 unidades atuais, três estão paradas, e seu processamento chega a pouco mais de 80% do potencial; na Biosev, o preenchimento é de 85%.
A companhia deixou claro que não pretende ampliar a moagem de cana “a qualquer custo”. Segundo Mussa, a prioridade é garantir rentabilidade e disciplina de capital. “Não vamos comprar cana cara, nem em terra longe”, assegurou.
A afirmação vem como um recado claro principalmente para a região de Ribeirão Preto, onde a Biosev tem três usinas e as 32 unidades instaladas na região disputam na unha os contratos de cana dos fornecedores. Segundo um analista, ali esses fornecedores garantem, a grosso modo, um terço da oferta de cana.
Essa competição — que um usineiro tradicional da região chamou de “irracional” — vem inflacionando os preços dos contratos. Segundo esse usineiro, a situação refletia a fragilidade financeira da Biosev, que para garantir matéria-prima acabava pagando mais caro. “Agora as peças do xadrez serão mais iguais. Ninguém fará grandes avanços em outras áreas. Deve haver menos troca de contratos”, avaliou.
Ele também acredita ser pouco provável que as usinas “roubem” contratos das mãos da Raízen, até para não se indisporem com aquela que também é uma das maiores compradoras de etanol do país.
Tendo como prioridade a maior extração de valor a partir da cana, Mussa ressaltou que a “ordem do dia” é aumentar a produtividade — seja através de novos projetos de aproveitamento da vinhaça, por exemplo, seja em investimentos para aumentar a rentabilidade agrícola, como através de irrigação. “É onde precisamos ganhar terreno. Ainda não estamos extraindo o máximo da planta”, disse.