A conferência do clima da ONU termina hoje em Cancún com três cenários possíveis: nenhum acordo, um acordo fraco e genérico ou um acordo que que garanta a continuidade do Protocolo de Kyoto e encaminhe decisões em três campos-chave das negociações do clima: florestas, adaptação e transferência de tecnologia. O Brasil prefere a última opção.
Ontem havia ainda muita divergência, até se o texto final seria apenas chamado de “outcome” (resultado) ou acordo. A semântica indica que se estava entre um resultado pífio ou algo mais perto de acordo que se esperava do evento. O México quer que a conferência de Cancún seja tranquila e transparente e faz de tudo para evitar a imagem de conflitos e impasses, da edição anterior, em Copenhague. “Por isto, eles até aceitam um acordo fraco. Mas nós, não”, diz uma fonte do governo brasileiro.
A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que chefia a delegação brasileira, pediu à equipe o máximo esforço para conseguirem fechar o chamado “pacote de decisões” nas três áreas. Seria uma maneira de iniciar, com regras internacionais, o mecanismo de Redd, sigla para Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação, e dar valor às florestas.
O texto final que está na mesa não é novo e é basicamente o que se tinha no ano passado, em Copenhague. Havia uma discussão crucial sobre a transparência da redução de emissões que se consegue obter combatendo o desmatamento. A Europa quer estabelecer uma espécie de auditoria sobre essa contabilidade, para garantir que sua ajuda financeira à Redd realmente esteja dando resultados. “Esta preocupação não é com o Brasil, que tem o melhor monitoramento de florestas do mundo e que divulga sempre os dados de desmatamento, mas com países que não têm nada disso”, diz uma fonte do governo brasileiro. Acontece que a tal auditoria pode esbarrar em questões de soberania, o que o Brasil não quer.
Teixeira deu o seu recado no discurso ministerial, em plenário: “Tornaremos público e anual nosso inventário de emissões”.
“Para nós é bom que existam decisões e que Redd comece”, diz a fonte. “Por enquanto, Redd é apenas uma construção na cabeça das pessoas.” Mas, como estas regras não saem, iniciativas paralelas já acontecem. “Está se criando um problema entre as comunidades indígenas. Alguns se sentem traídos, porque o vizinho conseguirá dinheiro por causa do carbono da floresta e ele não. O perigo é que esta situação crie um ambiente de difícil governança.”
Outra questão com Redd era levantada pela Bolívia. O país nem quer ouvir falar na redução de emissões de gases-estufa por desmatamento que seja comercializada em mercados, como créditos de carbono. A intenção, ontem, era deixar este ponto para o futuro, possivelmente para a próxima CoP, em Durban, na África do Sul.
Mas, se as arestas eram aparadas em Redd e também em adaptação e transferência de tecnologia, a questão principal – o segundo período do Protocolo de Kyoto – continuava em discussão. Trata-sede um ponto fundamental para que os países em desenvolvimento continuem negociando e que garante que os mercados de carbono continuem existindo, assim como os mecanismos de desenvolvimento limpo (MDL), usados para transferir projetos de tecnologias limpas a países em desenvolvimento.
O Japão não demonstrava estar mais flexível em rever a posição que divulgou no início da conferência, de não aceitar um segundo período de compromissos de Kyoto. O primeiro período de cortes vai de 2008 a 2012, e vale apenas para os países industrializados. O problema é que os EUA não assinaram o Protocolo e, junto com a China, são os dois maiores emissores do mundo. Ou seja, o Japão sente que fez sua parte, mas não quer continuar no jogo sem os outros dois.
Um negociador japonês explicou ao Valor porque o país não quer um segundo período do Protocolo de Kyoto e se posiciona como uma das nações que pode bloquear resultados mais positivos em Cancún. “Em 1990, o ano-base para os cortes de Kyoto, estávamos no pico da nossa eficiência energética”, diz ele, indicando assim o tamanho do esforço que o país teve que fazer. “Agora podemos continuar no segundo período se os Estados Unidos entrarem no barco de novo e a China também.”
A Rússia é outro front de resistência. A economia do país, construída sobre bases antiquadas e muito poluentes, decaiu muito depois da entrada em vigência de Kyoto, e as emissões despencaram. O problema é que Moscou não fez nenhum esforço tecnológico. “A Rússia é um país que não acredita em mudança do clima, é muito resistente na negociação e diz que não quer nem ouvir falar no segundo período de Kyoto”, disse uma fonte do governo brasileiro.
A saída, tentada pelos negociadores brasileiros e do Reino Unido, era uma nova manobra diplomática que conecte os países que têm metas em Kyoto com os compromissos dos outros, emergentes e EUA, no outro eixo de negociação.