A discussão sobre o novo Código Florestal deveria ir a consulta pública, na opinião do biólogo e professor Sergius Gandolfi, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) , da Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba.
Segundo o especialista em florestas e áreas degradadas, que esteve presente em debate que aconteceu nesta quinta-feira (14), na 63ª reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Goiânia, a votação deveria ser feita nos moldes do referendo sobre as armas, realizado no país em 2005.
“A população tem o direito de dizer o que quer, responder se essa proposta deve entrar em vigor ou que itens devem ser mantidos ou não”, disse Gandolfi. Segundo ele, não deveria ser permitido mudar uma lei que vai atingir todos os rios, cachoeiras, lagos, açudes e florestas com base na decisão de “meia dúzia de gatos pingados no Congresso”.
Segundo o professor da Esalq, a questão florestal não é pensada em relação ao estudo e aproveitamento da biodiversidade brasileira, que é a maior do mundo. Com o novo código, também acabarão as áreas de preservação permanente (APP) nas terras indígenas, com possibilidade de compensar a devastação em outro bioma. “Vai ser permitido ter uma fazenda em Santa Catarina e a reserva na Paraíba”, citou.
População urbana – O especialista destacou que 85% da população brasileira é urbana e essas pessoas não entendem que as mudanças propostas vão afetar diretamente a vida delas. “Para tratar um rio limpo, em APP, são necessários cerca de R$ 2 por mil metros cúbicos de água. Se esse rio for poluído, degradado, com erosão, acúmulo de sedimentos e agrotóxicos, além de não ter mata ciliar, o custo subirá para R$ 400”, comparou Gandolfi.
Ele comentou também sobre sedimentação, erosão, assoreamento de rios e inundações. “O novo código propõe medir o rio no leito médio, não no mais alto. Ou seja, aquele trecho de várzea que antes estava protegido não estará mais, o que facilitará o assoreamento. Para rios de até 10 metros de largura, a faixa ciliar será de 30 metros, mas deveria ser no mínimo de 57 metros”, afirmou.
Intervenção de estados e municípios – Segundo Gandolfi, de todas as mudanças que podem ocorrer com a modificação da legislação ambiental, a pior delas é deixar poder de decisão para os níveis municipal e estadual. “Não conheço nenhum estado em que o poder político não vá fazer com que acabe a lei ambiental. É muito fácil pressionar um prefeito, um estado, e fazer com que a lei não seja cumprida. Sem contar as mudanças entre um governo e outro”, disse.
Gandolfi acredita que uma lei federal, que valha para todos, garantirá isonomia entre os estados e o cumprimento a longo prazo. Caso contrário, “seria um caos”.
Para o engenheiro florestal Sebastião Renato Valverde, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, que apoiou o novo código durante o debate na SBPC, a lei atual é generalista demais, conflita com a Constituição (que diz que a União deve definir normas gerais, e os estados e municípios podem legislar sobre meio ambiente, água e florestas) e não vale para os diferentes biomas, como Amazônia, pampas, cerrado e caatinga. “Não defendo a redução das áreas protegidas, mas a lei que está aí hoje é muito diferente de quando foi criada”, apontou.
Valverde é favorável a uma lei que sirva a estados e municípios conforme a realidade de cada um e que não haja submissão a uma lei federal sem ter sido discutida pela sociedade. “A reserva legal da Amazônia era de 50%. Atualmente, por um descuido de uma medida provisória que não foi debatida, nem aprovada, subiu para 80%. Se eu quiser plantar milho na região, tenho que comprar cinco hectares para cultivar um”, afirmou.
De acordo com o engenheiro florestal, todos os problemas acontecem à luz da lei que existe hoje. “Essa lei não resolveu o problema, pelo contrário: foi omissa. Você acha que a situação vai piorar?”, questionou.