O conflito de interesses em torno da reforma do Código Florestal ficou explícito ontem em audiência pública no Senado, marcada por ressalvas de juristas e representantes do Ministério Público ao projeto e um confronto verbal entre os senadores Kátia Abreu (de saída do DEM para o PSD-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura, e Pedro Taques (PDT-MT), ex-procurador.
A senadora criticou a discussão da questão ambiental sem que seja considerada a necessidade de o país produzir alimentos. O subprocurador-geral da República Mário José Gisi reconheceu a necessidade de produção, mas disse que as regras ambientais têm que ser respeitadas. Fez críticas ao que chamou de modelo dos ruralistas, “do trator, da terra arrasada e do agrotóxico”.
Kátia reagiu dizendo que não queria discutir modelo de agricultura com o subprocurador e afirmou que ele não deve comer alimento com agrotóxico porque “ganha R$ 20 mil” e pode comprar alimento orgânico, mais caro. Taques afirmou que, ao assumir o Senado, não havia “jurado o estatuto da CNA”. Em resposta, a senadora disse que Taques agia com “corporativismo”, defendendo sua “turma”. O senador disse que ela “é que tem turma”.
A discussão foi encerrada após cinco horas de audiência que reuniu as quatro comissões do Senado que examinam o código – Constituição e Justiça, Agricultura, Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia. A votação do relatório de Luiz Henrique (PMDB-SC) foi marcada para hoje, mas deve ser adiada. Luiz Henrique disse não pretender mudar o texto.
Para Cristina Freitas, promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, a proposta dá margem à interpretação de que está propondo anistia ao desmatamento, vai possibilitar o aumento da área desmatada, reduz a proteção das Áreas de Preservação Permanente e faixas de mata ao longo dos rios.
O subprocurador-geral da República Mário José Gisi disse que a norma que regulariza atividades agropecuárias “é uma afronta”. Para ele, a consolidação das áreas ocupadas até 2008 aumentará o desmatamento. Apontou o risco de retrocesso e de descumprimento de compromissos internacionais assinados pelo Brasil.
O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamin defendeu a diferenciação entre o grande agricultor e o pequeno agricultor, prevista na Constituição. Para ele, o projeto não anistia os que desmataram irregularmente áreas protegidas, mas ponderou que é preciso deixar isso “mais claro”.