A agricultora brasileira Simone Silotti, criadora de “Faça um bem Incrível” – projeto que associa agricultores e instituições que colaboram com pessoas vulneráveis – receberá o prêmio “A Alma da Ruralidade”, que o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) outorga a Líderes da Ruralidade das Américas.
O prêmio é parte de uma iniciativa do organismo especializado em desenvolvimento agropecuário e rural para prestar reconhecimento a homens e mulheres que deixam rastro e fazem a diferença no campo da América Latina e do Caribe.
Além de receber como reconhecimento o prêmio “A Alma da Ruralidade”, os Líderes da Ruralidade destacados pelo IICA serão convidados a participar de diversas instâncias assessoras do organismo especializado em desenvolvimento agropecuário e rural.
“Trata-se de um reconhecimento para os que cumprem o duplo e insubstituível papel: o de avalistas da segurança alimentar e nutricional e o de guardiões da biodiversidade do planeta por sua atuação na produção em qualquer circunstância. O reconhecimento, além disso, tem a função de promover exemplos positivos para as zonas rurais da região”, disse o diretor-geral do IICA, Manuel Otero.
Com essa iniciativa, o IICA trabalha para que o reconhecimento facilite vinculações com organismos oficiais, da sociedade civil e do setor privado, para a obtenção de apoio para as suas causas.
“Falamos de pessoas cuja pegada está presente em cada alimento que consumimos onde quer que estejamos, em cada lote de terra produtiva e nas comunidades em que elas e as suas famílias vivem. São homens e mulheres que deixam rastro e são a alma da ruralidade porque produzem, plantam, colhem, criam, inovam, ensinam e unem”, afirmou o Diretor Geral do IICA, Manuel Otero, ao lançar a iniciativa.
“São pessoas que encarnam lideranças silenciosas que é preciso visibilizar e reconhecer. São, sobretudo, exemplos de vida. Porque transformam, superam adversidades e inspiram”, acrescentou.
O IICA trabalha com as suas 34 Representações nas Américas na escolha dos primeiros #Líderesdelaruralidad. Os resultados da primeira etapa da iniciativa serão apresentados ao Comitê Executivo do IICA, uma das instâncias de governo do Instituto.
Simone Silotti: uma agricultora que trabalha para associar pequenos produtores e instituições a fim de garantir alimentação aos mais vulneráveis
Brasília. Filha de agricultores, Simone Silotti passou a infância no campo até os 12 anos, quando se mudou para a cidade.
O pai dela tinha perdido a propriedade rural e precisou se mudar com a mulher e os cinco filhos para a populosa Região Metropolitana de São Paulo, onde alugou uma casa e começou a trabalhar como pedreiro para manter a família. Um infarto acabou prematuramente com a vida de Mário Silotti aos 53 anos.
Simone relata que seu pai andava desgostoso porque “fora do campo não se encaixava”. A família ficou na cidade, e a quarta e única filha de Mário concluiu, por insistência dele, o curso de Estudos Sociais e começou uma carreira como pesquisadora. “Ele insistia muito em que os seus filhos estudassem”, afirma.
Aos 46 anos, separada e com dois filhos, Simone cedeu à nostalgia que sentia pela vida rural e convidou os irmãos a estabelecerem uma sociedade para retornar à zona rural.
“A minha infância foi a etapa mais bonita da minha vida. Tínhamos grande abundância. Havia de tudo: mexericas, garapa de cana, açúcar mascavo, ovos e tudo o que a minha mãe fazia. Fora essa abundância de comida, carecíamos de tudo o mais, mas sempre senti saudade do passado”.
Os irmãos embarcaram na aventura, e a família comprou uma propriedade de 24 mil metros quadrados no distrito de Quatinga, Mogi das Cruzes, cidade localizada a 90 km de São Paulo e um dos 39 municípios que formam o cinturão verde da sua Região Metropolitana e garantem a segurança alimentar de mais de 16 milhões de pessoas.
Ali, a família Silotti começou a produzir alface, agrião e rúcula hidropônicos para abastecer os restaurantes e supermercados da região. “Nos especializamos, estabelecemos uma produção sustentável e incluímos as melhores tecnologias. Comecei a fazer cursos sobre agroindústria. Queria que tudo saísse bem e que não se repetisse o destino do meu pai”.
Não obstante, aos 53 anos Simone estava endividada e a sua propriedade, hipotecada. “A nossa produção é excelente e a propriedade é um modelo. Não há um só documento que não tenhamos”, diz Simone, descrevendo as dificuldades que encontra para ter acesso à comercialização por meio das grandes cadeias varejistas, o que a obriga a depender de intermediários.
O período de colheita das hortaliças é de quatro dias, e isso é uma das vulnerabilidades do negócio de Simone. “O intermediário não vem comprar os produtos no primeiro, no segundo nem no terceiro dia. Vem no quarto, o que faz o preço cair. Vendemos a preços que muitas vezes não cobrem os custos ou perdemos a produção”, lamenta-se. Na mesma idade em que Mário morreu, Simone estava desanimada e enfrentava uma depressão.
Veio a pandemia. Em março de 2020, quando as coisas já estavam bastante difíceis, o governo de São Paulo decretou medidas de isolamento pela pandemia do coronavírus. Sem consumidores, para evitar perdas maiores com a contratação de trabalhadores para as colheitas, os produtores do cinturão verde começaram a destruir a produção. Somente o distrito de Quatinga iria perder mais de seis toneladas de hortaliças.
“Com tantas pessoas passando fome, eu não podia me resignar ao desperdício. Pedi-lhes que não destruíssem a safra, que confiassem em mim que eu encontraria compradores. Todos estavam produzindo para atender à demanda da Semana Santa. Estávamos muito desolados”, lembra Simone.
Depois de chorar um dia inteiro sem saber como ia cumprir a promessa que tinha feito aos vizinhos, ocorreu-lhe ir ao computador para organizar uma vaquinha virtual. Semanas depois, os produtores colhiam e embalavam as verduras, enquanto Simone procurava instituições para doá-las a pessoas vulneráveis; no entanto, as doações eram muito pequenas e a coleta não prosperou.
A iniciativa, porém, mereceu a atenção de um jornal local, que publicou um artigo sobre a tentativa. Após a publicação, Simone recebeu uma chamada do Diretor de Agroindústria da Fundação Banco do Brasil, que lhe doou R$ 1 milhão, o equivalente a US$ 180 mil (no câmbio atual). Em seguida, vieram doações da Yara Fertilizantes e da petroquímica Braskem, entre outras.
Em maio deste ano, o projeto, batizado de “Faça um bem Incrível”, já tinha resgatado 200 toneladas de hortaliças e frutas para distribuir em 13 municípios, ajudando mais de 100 produtores e mais de 100 organizações não governamentais (ONG) e cozinhas solidárias. “Esta foi a frase com que tentei convencer os doadores. O projeto não podia ter outro nome”, explica Simone.
Simone continua endividada, mas o projeto curou a sua depressão. A iniciativa já ganhou dois prêmios e compete por um terceiro, que poderá proporcionar-lhe recursos para ajudá-la a cumprir outro sonho: transformar a iniciativa em uma plataforma virtual permanente e georreferenciada em que pretende registrar produtores agrícolas, ONGs, bancos de alimentos ou fundações, bem como patrocinadores em busca de boas iniciativas para incluir nas suas agendas de responsabilidade social, especialmente os que aderiram à Agenda 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. “O projeto atende a 13 dos 17 objetivos”, afirma Simone.
O medo de ter que abandonar o campo continua espreitando, mas Simone está muito mais segura e acha que tudo o que saiu errado no seu negócio a preparou para empreender o projeto, buscando agora patrocinadores com o objetivo de mantê-lo e ampliá-lo.
“Confio em Deus e na proteção do meu pai”, afirma a filha de Seu Mário.