Criadores de tilápia do Paraná aumentaram a produção e mudaram de vida no último ano. Tudo por causa da integração, um modelo de trabalho semelhante ao dos criadores de frango e porco. Os pescadores da região de Palotina sofriam na hora de vender seus peixes, mas a situação mudou.
A criação de peixes é um dos principais negócios da família Sponchiado. Rafael, o irmão Rrenan e os pais Ari e Rosane cuidam de uma propriedade de 22 hectares, com criação de frangos, gado de leite e tilápias. A criação de peixes começou há quase 30 anos, para aproveitar uma área alagada.
“Naquela época, era carpa, pacu, piau, peixes mais de rio. O pessoal comprava ali, dava um pagamento, uma porcentagem, depois sumia e nunca mais aparecia. Levei muito calote, por isso cheguei a um ponto de querer quase parar, antes da integração”, conta Ari Sponchiado.
Ari é um dos cem criadores que vêm o sistema de integração como um marco. Ele não foi o único que enfrentou problema. “Teve ano que teve prejuízo, porque nós não conseguimos colocar o peixe. Foi quando surgiu a ideia da integração”, afirma o criador Cesar Buttini.
O sistema de integração de peixes funciona da mesma forma que nas criações de frangos e de suínos. O produtor recebe da cooperativa os alevinos, a ração, assistência técnica e ainda tem mercado garantido. “O peixe faz parte dessa cadeia de transformação do milho e da soja que o produtor produz em carne”, explica Alfredo Lang, presidente da cooperativa C.Vale.
Alfredo aposta no empreendimento: “Agora, investimos no frigorífico, no abatedouro e essa obra custou R$ 100 milhões. Isso é um quarto do que está previsto acontecer”.
O frigorífico, inaugurado pela cooperativa em outubro de 2017, em Palotina, recebe diariamente 37 mil tilápias. Elas são abatidas e passam por várias etapas até chegar ao filé, que depois será congelado e embalado. O frigorífico ainda funciona em apenas um turno, mas tem estrutura para processar quatro vezes mais peixe. Duzentos e setenta funcionários tocam todo o trabalho. Muitos deles são recém-contratados.
O salário não é muito, mas para a funcionária haitiana Joane Amilcar, o novo emprego com carteira assinada permite planejar grandes mudanças: “Eu tenho uma filha de quatro anos no Haiti. Ela está no Haiti com o pai dela. Faz dois anos que não vejo ela. Com meu dinheiro, vou conseguir trazer ela pra cá”.
Outro prédio novo é a fábrica de ração para atender os integrados. Atualmente, são cem toneladas de ração para peixe ao dia, mas a previsão é dobrar a produção até o fim do ano. “A gente brinca que a tilápia é o novo frango, porque há uma possibilidade de crescimento fantástica nessa área”, afirma Elvis de Oliveira, supervisor da fábrica.
Os pintinhos, ou melhor, os alevinos, são os primeiros a receber a ração. Uma empresa especializada na produção de alevinos é uma das fornecedoras da cooperativa. A produção começa em estufas, com os reprodutores. Como proteção, as fêmeas guardam os ovos já fecundados na boca. No laboratório, eles eclodem, se transformando em pequenos alevinos.
Com 10 a 15 dias de vida, os alevinos são levados para tanques descobertos. Nesse local, eles são tratados por alimentadores automáticos, que jogam ração 18 vezes por dia. É uma forma de diminuir a competição por comida e fazer com que eles cresçam de maneira mais uniforme. Quando atingem cerca de um grama, os alevinos são considerados prontos.
“A propriedade tem capacidade de produzir 100 milhões de alevinos. A nossa meta é produzir 70% da capacidade e a gente está bem próximo de alcançar essa meta”, diz o criador Ari Sgarbi.
A propriedade é tocada por Ari Sgarbi, as duas filhas Ariane e Heloisa e, no escritório, pela esposa Cláudia. Ariane passou a infância visitando os tanques com o pai, mas não foi logo de cara assumiu as tarefas: “No começo, o peixe não tinha esse valor que tem agora. Então, meus pais sempre falavam pra nós: ‘vai estudar, vai estudar fora’, nunca incentivaram a gente a ficar. Mas eu me formei em arquitetura, voltei e estou até hoje aqui”.
Heloisa é veterinária, mas não pensou no peixe quando escolheu o curso: “Eu queria trabalhar mais com a parte clínica, mas no decorrer da faculdade eu fui me interessando mais pelo peixe e acabei ficando”.
Só para o projeto da cooperativa, os Sgarbi enviam seis milhões de alevinos por safra, que vai de agosto a maio. Os alevinos seguem para os tanques de criadores responsáveis pela segunda fase: a produção do chamado juvenil.
“Nós trabalhamos com quatro níveis de rações, com péletes diferentes. Nós temos proteção contra predadores, principalmente aves. E a questão da parte da aeração. É necessário que a aeração fique praticamente 24 horas ligada”, explica o engenheiro de pesca Paulo Poggere.
Os donos César e Clayton percorrem a criação quatro vezes ao dia jogando ração. O sistema de integração levou à propriedade o técnico da cooperativa e, assim, Clayton melhorou seu manejo: “Você não tendo esse acompanhamento, se você jogar a ração o dia inteiro, ele vai comer até morrer. Você vai matar de tanto dar ração pra ele”.
É a pesagem dos peixes que vai determinar o tamanho e a quantidade da ração. A cada quilo de ração, são obtidos 800 gramas de peixe. Como a densidade na criação é alta, 80 tilápias por metro quadrado, é importante também um monitoramento constante da qualidade da água. “A gente vem uma vez por semana, coleta de cada tanque e são feitos todos os parâmetros: ph, amônia, nitrito, alcalinidade, nitrato. Se tudo estiver nos conformes, beleza, se não estiver, a gente entra com correções”, explica Rafael da Silva, tecnólogo em aquicultura.
Depois de 45 dias, a tilápia atinge um peso de 30 gramas. É hora de fazer a despesca e levar os peixes para a próxima etapa. A despesca é feita pela cooperativa. As tilápias em fase juvenil passam por uma seleção e só as maiores são aproveitadas. Elas vão para um caminhão com condições controladas para evitar perdas no transporte.
“Eu recebo da cooperativa em torno de R$ 50 o milheiro e meu custo gira em torno de R$ 30 o milheiro”, conta o produtor César Buttini.
Oito milhões de juvenis saíram da criação do César no primeiro ano de integração. Se o lucro é de R$ 20 a cada mil peixes, foram R$ 160 mil de lucro. Não é à toa que, na comparação com a lavoura de soja, a tilápia está levando a melhor. “Um hectare de lâmina de água equivale a 15 hectares de soja. Meus planos são de ampliar a piscicultura”, planeja.
Cada vez mais tanques se espalham pelos campos do Paraná. É água que não acaba mais. Todos os dias, de 10% a 15% do volume da água dos tanques é trocado para garantir a qualidade. Quando é feita a despesca e todos os peixes são retirados, o tanque é completamente esvaziado antes de um novo cultivo. Toda a água que passou pela criação, contém matéria orgânica, dos dejetos dos peixes, e se ela for jogada direto no rio, há risco de contaminação.
Segundo o veterinário Gustavo Fernandes, essa água suja, o efluente, deveria ficar em um tanque de decantação por, pelo menos, seis horas, antes de voltar à natureza. O material sólido se depositaria no fundo e não iria para o rio. Outro sistema seria a passagem da água dos tanques por uma área com plantas filtrantes, mas nem todos os criadores cuidam dos efluentes.
“Hoje, 75% dos nossos integrados já possuem um sistema de tratamento de efluentes. Os 25% restantes estão em processo de adequação, porque todos eles têm projetos antigos, que são consolidados de antes de 2008. Então, esses projetos precisavam apenas de uma licença simples de regularização da atividade. Os projetos novos hoje não são liberados se você não tiver essa espécie de tratamento de efluente. Hoje, a água desses 25% acaba retornando pros córregos”, afirma Gustavo.
Como a tilápia é um peixe exótico, também é preciso impedir que ela vá para a natureza, onde pode competir com peixes nativos.
Bons resultados
Ari Sponchiado, o produtor que estava prestes a desistir das tilápias, decidiu investir: “Pra reformar todos os tanques foi em torno de 100 horas de máquina, deu mais de R$ 20 mil, uns R$ 50 mil pra deixar tudo adequado, conforme a C.Vale pediu”.
Instalação elétrica, gerador, geradores, calçamento para melhorar os acessos… Tudo isso foi feito para se adequar às exigências da cooperativa. E, assim, Ari pôde alojar em seis tanques 108 mil tilápias.
Em média, elas levam oito meses para atingir o ponto ideal, mas este ano, com o clima favorável, foi até mais rápido. “Pelo que pesamos agora, estamos com mais de 900 gramas. Atingiu esse tempo em cinco meses e dez dias”, afirma Ari.
O receio do começo da atividade foi rapidamente superado pelos resultados, com a ajuda dos técnicos e o aprendizado na prática. “No primeiro lote, tivemos uma pequena mortalidade por causa da qualidade da água. Esse lote não aconteceu nada, tá tudo tranquilo. O peixe você não enxerga, então tem que prestar atenção na água. Em curto prazo, a gente espera dobrar a quantidade da produção”, relata o criador Rafael Sponchiado.
Alfredo Lang, presidente da cooperativa, diz que tem mercado pra isso: “Apesar do peixe ser uma carne mais cara, eu acredito muito no mercado interno e também no mercado externo”.
“O primeiro lote quase pagou o investimento, porque eu fiz quase R$ 60 mil no primeiro lote. Então, está sendo muito promissor e eu estou muito contente com a atividade. Trabalhar com segurança deixa a pessoa confiante do que faz”, comemora Ari Sponchiado.
O brasileiro consome, em média, 9,5 kg de peixe por ano. É menos da metade da média de consumo no mundo. Esse mercado ainda tem muito para crescer no Brasil.