Quando surgiram as primeiras controvérsias sobre a liberação de organismos geneticamente modificados – ou transgênicos – no ambiente, nos anos 1990, duas escolas de regulação se cristalizaram: a americana, muito liberal e baseada em verificação “a posteriori”, e a europeia, mais inclinada para o princípio da precaução e testes de segurança anteriores ao licenciamento.
No Brasil, como seria talvez de prever, nenhum modelo chegou a cristalizar-se. Instituiu-se um cabo de guerra entre biotecnólogos, cultuadores do liberalismo americano, e altermundistas, fervorosos defensores de provas da ausência de risco (como se isso fosse possível). Aos poucos o primeiro time foi conquistando terreno, como já prenunciavam a criação e o batismo da CTNBio – aquela comissão de biossegurança que é técnica antes mesmo de ser nacional.
Os críticos e céticos dos transgênicos tornaram-se minoria na comissão, no governo de Lula e, hoje em dia, na própria comunidade científica (que um dia também já foi quase unanimemente contrária ao programa nuclear brasileiro). Ainda contam com alguns quixotes na CTNBio e aliados no Judiciário e no Ministério Público. No geral, contudo, vêm perdendo quase todas as batalhas. Soja, milho e algodão transgênicos avançam pelos campos.
A turma em desvantagem pode receber algum alento inesperado, quem diria, da pátria do liberalismo transgênico, os Estados Unidos. Encontra-se em questão por lá a licença ambiental de variedade de alfafa geneticamente modificada para resistir a herbicidas, ou seja, sobreviver ao tratamento da lavoura com agrotóxicos para matar plantas daninhas. Concedida em 2005, ela pode ser revista neste mês, informa a revista The Economist.
A licença foi questionada na Justiça americana por opositores dos transgênicos. Em 2007, um juiz decidiu que o Departamento de Agricultura (USDA) deveria fazer um estudo mais amplo e, alguns diriam, mais precavido, do que a sistemática usual de responsabilizar a empresa desenvolvedora do produto agrícola (no caso, para variar, a Monsanto) por danos posteriores ao plantio. Uma versão preliminar do relatório foi publicada em 2009 e recebeu 244 mil comentários do público.
O relatório final saiu em 16 de dezembro e fica aberto para comentários até o próximo dia 24 de fevereiro de 2011. Abre-se no documento a possibilidade de que o plantio da alfafa transgênica seja permitido só sob regras de segurança draconianas, para impedir a contaminação de cultivos orgânicos, não transgênicos. Por exemplo, manter distância de 8 km entre os dois gêneros de plantação, para evitar que o pólen de uma alcance a outra.
Já há fazendeiros dos EUA apontando a possibilidade de mudança na regulamentação como um desvio “europeu” do sistema americano, o que deve soar lá como ofensa. Não será surpresa se, daqui a pouco, começarem a falar de mais uma investida do “governo socialista” de Barack Obama contra a liberdade empresarial.
No Brasil, a hegemonia biotecnológica se contenta em rotular os críticos dos transgênicos como “ambientalistas” (o que para muitos já se tornou palavrão, embora todos apoiem o combate ao desmatamento da Amazônia e à mudança do clima), inimigos do progresso e ludditas.
O brasileiro, sabemos todos, é muito cordial, em especial quando se encontra por cima da carne seca. Ou então é o mercado de produtos orgânicos que ainda não se desenvolveu tanto, por aqui, quanto o dos EUA.