Todos os meses, a química paranaense Envirofoam do Brasil processa toneladas de óleo de soja em sua sede, em Curitiba. A tarefa dos engenheiros da empresa é fazer ajustes para transformar o líquido numa substância chamada poliol vegetal. O produto pode substituir os derivados de petróleo na fabricação de espumas, plásticos e revestimentos sintéticos. A empresa foi criada pelos mesmos fundadores do grupo Caramuru, um dos maiores em industrialização de grãos do Brasil, e recebe o óleo que sobrou do processamento da soja usada em alimentos. Se não fosse reaproveitado, ele acabaria no lixo. “A soja está mostrando seu valor cada vez mais como um elemento para diversificar a matriz energética”, diz Ricardo Tatesuzi de Sousa, diretor da Envirofoam. Mais que uma iniciativa isolada ou um projeto ambientalmente correto, a transformação do óleo da soja parece ser uma tendência. Universidades e outras empresas brasileiras têm pesquisas avançadas sobre usos alternativos. Como segundo maior produtor do mundo — com quase 60 milhões de toneladas na última safra –, o Brasil é um grande laboratório de testes para novos usos do grão.
Uma das aplicações mais evidentes está na área de alimentação, especialmente em bebidas. As vendas de sucos à base de soja triplicaram nos últimos cinco anos, chegando a 670 milhões de reais no ano passado e levaram a Nestlé a escolher o Brasil para estrear sua linha Sollys em 2007. Mas é fora da área alimentícia e longe dos olhos da maioria que o Brasil está dando seus principais saltos no uso da soja. Já é possível encontrar compostos vegetais em tintas, estofados, no volante dos carros e dentro do revestimento interno das geladeiras. A empresa paulista Americanflex mantém uma linha com mais de dez colchões à base de polióis de soja. A Real Furgões, fabricante de caminhões frigoríficos, utiliza espumas feitas do óleo do grão para revestir os veículos usados na conservação de alimentos e medicamentos no transporte rodoviário. Os produtos são biodegradáveis e diminuem em 60% o uso de combustíveis fósseis em relação ao método convencional de fabricação. A subsidiária brasileira da americana Dow mantém no país dois laboratórios, um em São Paulo e outro em Jundiaí, no interior paulista, destinados às pesquisas de aplicação das moléculas vegetais. “Por ter uma das maiores produções do mundo, o Brasil consegue ser um grande laboratório na criação de produtos verdes”, afirma Enrique Milan, da divisão de poliuretano da Dow Brasil para a América Latina. A empresa estuda o uso da soja no revestimento das tubulações usadas no pré-sal. Desde a descoberta nas águas ultraprofundas, o setor de petróleo busca soluções criativas para retirar o óleo e o gás encravados nas rochas a mais de 7 000 metros de profundidade. As condições de pressão e temperatura no fundo do mar exigem materiais que impeçam a solidificação do óleo no transporte até a superfície. A Dow acredita que a solução possa vir dos campos. “Estamos estudando compostos à base de soja que poderão ser utilizados no revestimento das tubulações e dar resistência aos canos dos poços do pré-sal”, diz Milan. Por estar próxima às demandas do petróleo, a equipe de pesquisadores brasileiros ganhou relevância junto ao grupo de cientistas de petróleo e gás da Dow na Inglaterra e deverá participar de projetos conjuntos de desenvolvimento.
Outro foco das pesquisas é o encontro da soja com a biotecnologia. Os grãos transgênicos foram apenas o primeiro passo em um campo que promete muitas inovações. Há dois anos, Elíbio Rech, da divisão de recursos genéticos e biotecnologia da Embrapa, foi o responsável por criar a primeira soja transgênica brasileira, em parceria com a alemã Basf. Agora, Rech quer manipular o vegetal para estimular genes do crescimento e também uma proteína responsável pela coagulação do sangue. O cientista, que trabalha há quase 30 anos na Embrapa, estuda a introdução de uma proteína presente em algas e nos grãos de soja para a produção em larga escala. A ideia é obter uma proteína que previna o contágio da aids e impeça a multiplicação do vírus HIV no corpo humano. Além da Embrapa, participam dos estudos os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos e a Universidade de Londres. Rech vislumbra um futuro em que as grandes plantações de soja não estarão produzindo alimentos, mas sim insumos para diversas indústrias. “A soja será meramente um veículo para a produção das mais variadas substâncias.”
Essa não é a primeira investida brasileira no uso da soja na medicina. Há sete anos, o professor Yong Kun Park e dois alunos do Laboratório de Bioquímica da Faculdade de Engenharia de Alimentos, da Unicamp, desenvolveram um produto destinado a mulheres na menopausa. Composto das chamadas isoflavonas agliconas de soja, o medicamento fitoterápico ajuda a substituir a atividade do hormônio feminino estrogênio, que é reduzida naturalmente naquele período. Ele rendeu duas patentes a Park e à Unicamp, que hoje recebem os royalties de laboratórios farmacêuticos que comercializam o medicamento natural. “A isoflavona é muito utilizada pelos povos orientais por ter boa atividade anticâncer”, afirma Park, que, aos 83 anos, continua em atividade nos laboratórios da universidade.
Laboratório da Embrapa: novos tipos de soja buscam aumentar a produção dos plantadores
Além das aplicações menos convencionais, o Brasil também segue na corrida por novos tipos de soja transgênica com o objetivo de aumentar a produtividade dos plantadores. As tradicionais variedades resistentes a inseticidas foram apenas o primeiro passo. Agora o objetivo é criar grãos adaptáveis às mais diversas condições naturais. Uma das principais linhas de desenvolvimento atual concentra-se no grão tolerante à seca. Fruto de um convênio com o Centro Internacional de Pesquisas para Ciências Agrícolas do Japão (Jircas), a equipe de biotecnologia da Embrapa desenvolveu várias linhagens geneticamente modificadas. Os testes já deram resultados positivos. Outra vertente de pesquisas é o combate à ferrugem asiática, uma doença que faz com que os pés de soja percam as folhas precocemente e não desenvolvam os grãos de forma correta. Segundo levantamento do Consórcio Antiferrugem, a doença custa para o produtor cerca de 2 bilhões de dólares por safra no Brasil. Uma versão da semente mais resistente à multiplicação do fungo causador da doença estará pronta em 2010. “Na cultura da soja somos um dos berços principais de inovação. Em biotecnologia e desenvolvimento de diferentes produtos estamos um pouco atrás de mercados como os Estados Unidos”, diz Carlos Arrabal Arias, pesquisador da Embrapa. Para o cientista, apesar dos passos lentos, as pesquisas brasileiras estão caminhando. O papel de destaque dos campos pode agora ganhar uma nova dimensão — dentro dos laboratórios.
Outro foco das pesquisas é o encontro da soja com a biotecnologia. Os grãos transgênicos foram apenas o primeiro passo em um campo que promete muitas inovações. Há dois anos, Elíbio Rech, da divisão de recursos genéticos e biotecnologia da Embrapa, foi o responsável por criar a primeira soja transgênica brasileira, em parceria com a alemã Basf. Agora, Rech quer manipular o vegetal para estimular genes do crescimento e também uma proteína responsável pela coagulação do sangue. O cientista, que trabalha há quase 30 anos na Embrapa, estuda a introdução de uma proteína presente em algas e nos grãos de soja para a produção em larga escala. A ideia é obter uma proteína que previna o contágio da aids e impeça a multiplicação do vírus HIV no corpo humano. Além da Embrapa, participam dos estudos os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos e a Universidade de Londres. Rech vislumbra um futuro em que as grandes plantações de soja não estarão produzindo alimentos, mas sim insumos para diversas indústrias. “A soja será meramente um veículo para a produção das mais variadas substâncias.”
Essa não é a primeira investida brasileira no uso da soja na medicina. Há sete anos, o professor Yong Kun Park e dois alunos do Laboratório de Bioquímica da Faculdade de Engenharia de Alimentos, da Unicamp, desenvolveram um produto destinado a mulheres na menopausa. Composto das chamadas isoflavonas agliconas de soja, o medicamento fitoterápico ajuda a substituir a atividade do hormônio feminino estrogênio, que é reduzida naturalmente naquele período. Ele rendeu duas patentes a Park e à Unicamp, que hoje recebem os royalties de laboratórios farmacêuticos que comercializam o medicamento natural. “A isoflavona é muito utilizada pelos povos orientais por ter boa atividade anticâncer”, afirma Park, que, aos 83 anos, continua em atividade nos laboratórios da universidade.
Além das aplicações menos convencionais, o Brasil também segue na corrida por novos tipos de soja transgênica com o objetivo de aumentar a produtividade dos plantadores. As tradicionais variedades resistentes a inseticidas foram apenas o primeiro passo. Agora o objetivo é criar grãos adaptáveis às mais diversas condições naturais. Uma das principais linhas de desenvolvimento atual concentra-se no grão tolerante à seca. Fruto de um convênio com o Centro Internacional de Pesquisas para Ciências Agrícolas do Japão (Jircas), a equipe de biotecnologia da Embrapa desenvolveu várias linhagens geneticamente modificadas. Os testes já deram resultados positivos. Outra vertente de pesquisas é o combate à ferrugem asiática, uma doença que faz com que os pés de soja percam as folhas precocemente e não desenvolvam os grãos de forma correta. Segundo levantamento do Consórcio Antiferrugem, a doença custa para o produtor cerca de 2 bilhões de dólares por safra no Brasil. Uma versão da semente mais resistente à multiplicação do fungo causador da doença estará pronta em 2010. “Na cultura da soja somos um dos berços principais de inovação. Em biotecnologia e desenvolvimento de diferentes produtos estamos um pouco atrás de mercados como os Estados Unidos”, diz Carlos Arrabal Arias, pesquisador da Embrapa. Para o cientista, apesar dos passos lentos, as pesquisas brasileiras estão caminhando. O papel de destaque dos campos pode agora ganhar uma nova dimensão — dentro dos laboratórios.