Redação (31/07/06)- Dez anos atrás, fazendeiros americanos semeavam a primeira safra comercial de soja transgênica do planeta. Tinha início uma das eras mais revolucionárias e mais polêmicas da biotecnologia agrícola. De lá para cá, 475 milhões de hectares já foram cultivados com lavouras transgênicas, incluindo soja, milho, algodão e canola. Só no ano passado, foram 90 milhões de hectares em 21 países, semeados por 8,5 milhões de agricultores.
Tão grande quanto a adoção da tecnologia pelos produtores, entretanto, é a sua rejeição por parte de organizações ambientalistas e de consumidores, principalmente na Europa. Mesmo com a multiplicação das áreas de plantio, as dúvidas da maioria das pessoas com relação aos transgênicos são as mesmas de dez anos atrás. É seguro para comer? É seguro para o meio ambiente? A batatinha ou o chocolate que eu compro no supermercado são transgênicos?
As respostas também não mudaram muito. Cientistas e produtores que já confiavam na tecnologia estão cada vez mais certos de sua segurança e de seus benefícios. Ambientalistas e defensores da agricultura orgânica e familiar, por outro lado, continuam a classificar os transgênicos como uma ameaça.
“”Muitas pessoas focam nas críticas, mas o fato é que os transgênicos são a tecnologia com adoção mais rápida da história””, disse à reportagem Robb Fraley, vice-presidente e diretor de tecnologia da Monsanto, a multinacional americana que inventou os transgênicos e que domina o mercado até hoje. “”Isso não seria possível se não houvesse um benefício real no campo. Após 30 anos de pesquisa e 10 anos de consumo, eu diria que as dúvidas foram respondidas.””
O produto mais recente a ganhar o campo foi o arroz transgênico resistente a lagartas, desenvolvido e plantado no Irã desde 2004. No Brasil, duas variedades transgênicas de soja e algodão foram aprovadas em 2005.
Dezenas de projetos ainda aguardam avaliação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para testes, incluindo feijão, cana-de-açúcar, mamão e eucalipto. Neste mês, foram liberados experimentos de campo com batata resistente a vírus e algodão e milho resistentes a insetos. “”Se o que os ambientalistas estão dizendo é verdade, isso significa que milhões de agricultores em mais de 20 países estão errados. Será que isso é razoável? Acho que não””, afirma Clive James, presidente do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia (ISAAA).
Para representantes da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos, a adoção dos transgênicos tem dois motivos principais: propaganda e hegemonia de mercado. “”A capacidade da propaganda para manter esses mitos é muito mais eficiente do que os resultados dos transgênicos no campo””, diz o agrônomo Gabriel Fernandes, assessor técnico da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (ASPTA). “”Perto de tudo que foi anunciado pelas empresas, os resultados estão muito longe do esperado.””
Segundo o coordenador de campanha do Greenpeace, Ventura Barbeiro, as empresas retiram as sementes convencionais do mercado, deixando o produtor sem opção. “”A pressão para aceitação dos transgênicos é muito forte””, diz. (AE)
Herton Escobar
60% da soja produzida no mundo é transgênica
A maior parte dos transgênicos produzidos no mundo é destinada a ração animal, mas uma menor parte entra na cadeia alimentar e chega aos supermercados. Os índices variam de acordo com produtor e comprador, mas considerando que 60% da soja no mundo é transgênica, as chances são relativamente altas.
No Brasil, a soja é pouco consumida como grão, mas seus derivados (óleo, farinha, lecitina e proteínas texturizadas) entram como matéria-prima na formulação de uma série de produtos, de achocolatados a bolachas, salsichas e até barrinhas de cereais. “”É tanta coisa que fica até difícil fazer uma lista””, diz o especialista João do Nascimento, do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da USP.
Na maioria dos casos, as etapas de processamento são tantas que dificilmente esses insumos trazem algum vestígio do gene ou da proteína transgênica que estava na planta. “”Mesmo que tenham, não há com o que se preocupar””, diz Nascimento. “”DNA não faz mal, isso é fato. Não vai ser diferente do alface ou da bactéria que você comeu na coxinha da padaria.””
A lei brasileira exige, desde 2003, a rotulagem de produtos com mais de 1% de transgênicos. Até hoje, não há nenhum produto rotulado nas prateleiras. (AE)
É seguro para o ambiente?
A segurança ambiental dos transgênicos também é atestada pela FAO e por organizações científicas de vários países. A principal proposta da tecnologia é reduzir a aplicação de pesticidas no campo, o que, além de ser econômico para o agricultor, traz o benefício da redução de agrotóxicos liberados no ambiente.
Mais uma vez, porém, os relatos são contraditórios. Enquanto indústria, produtores e pesquisadores relatam reduções significativas no uso de agrotóxicos, críticos denunciam aumento. “”Há uma redução nos primeiros dois ou três anos, mas depois surge resistência e é preciso aplicar cada vez mais pesticidas””, diz Fernandes, da ASPTA. “”A redução do veneno tem uma durabilidade muito curta.””
Segundo defensores da tecnologia, a maioria das “”denúncias”” são baseadas em estudos sem validade. “”É coisa tirada da internet; não são trabalhos científicos””, diz o biólogo molecular Alexandre Nepomuceno, pesquisador da Embrapa e membro da CTNBio. Os riscos ambientais associados aos transgênicos, segundo ele, não são diferentes dos riscos associados às culturas agrícolas convencionais, como fluxo gênico ou surgimento de plantas daninhas resistentes. “”Isso não tem nada a ver com a transgenia, é um problema de manejo””, diz. (AE)
É seguro para comer? FAO garante que sim
São Paulo – Em uma década de consumo, não há nenhum registro de malefício à saúde humana ou animal. Segundo um relatório da Fundação das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), publicado em 2004, “”as plantas e os alimentos transgênicos derivados delas hoje disponíveis foram julgados seguros para comer e os métodos usados para testar sua segurança foram considerados apropriados””.
Desde o início, houve a preocupação de que os genes ou proteínas transgênicas poderiam causar reações no organismo, como alergias. Para os especialistas, a ausência de efeitos negativos comprova o que já era esperado a partir dos testes preliminares de segurança. Para organizações contrárias aos transgênicos, porém, não há como tirar conclusões, já que os transgênicos não são rotulados na maioria dos casos e não há um monitoramento direto do seu consumo.
“”Não consigo imaginar como uma proteína que é digerida como qualquer outra das milhares de proteínas que consumimos diariamente possa trazer algum problema””, diz o agrônomo e geneticista Ernesto Paterniani, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP). “”Simplesmente não há base científica para isso. Quando comemos uma folha de alface estamos ingerindo um monte de DNA e proteínas vegetais, além de bactérias e até vírus inteiros. Mas não vi ninguém virar um homem-folha até agora.”” (AE)
Produtor está certo de que escolheu o melhor caminho
Porto Alegre – Sete anos depois de trocar o cultivo da soja convencional pela transgênica, o agricultor Sílvio Ohse, de Cruz Alta (RS), está certo de que escolheu o melhor caminho. “”A mudança valeu a pena””, sustenta, satisfeito com a redução de custos com defensivos agrícolas e de perdas de grãos na colheita. “”Tecnicamente não houve aumento de produtividade, mas passamos a ter vantagem na guerra contra o inço (erva daninha)””, avalia. “”Isso se traduziu em menos gastos e colheitas maiores.””
Assim como a maioria dos produtores do Rio Grande do Sul, Ohse diz que o desejo de plantar soja transgênica nasceu da comparação com as lavouras argentinas na segunda metade da década passada. Ele lembra que ao visitar feiras e propriedades do outro lado da fronteira ouvia relatos e observava lavouras limpas, diferencial atribuído pelos argentinos ao grão geneticamente modificado, resistente ao herbicida glifosato, que, por sua vez, era muito eficiente contra o inço. Ao mesmo tempo, no lado brasileiro, os plantadores enfrentavam plantas invasoras com diversos tipos de herbicidas e resultados nem sempre satisfatórios.
O cultivo de transgênicos estava proibido no Brasil, mas isso não impediu que os gaúchos se aproveitassem da facilidade para atravessar o Rio Uruguai com pequenas cargas de sementes. Em meio a extensas plantações convencionais, com inço, surgiam ilhas de soja limpa, transgênica.
A decisão de partir para a soja transgênica foi tomada entre 1999 e 2000 e foi definitiva. O primeiro plantio só não foi 100% transgênico porque as sementes disponíveis cobriam apenas 35% dos 450 hectares que cultiva.
Ao avaliar os anos de plantação de soja transgênica, Ohse constata que o único custo que caiu visivelmente foi o de herbicidas, de R$ 100 para R$ 30 por hectare. Mas há outras vantagens que não foram computadas. A colheita em lavoura limpa de invasoras reduz a perda de grãos e aumenta a eficiência das máquinas.
Desde que optou pela soja transgênica, Ohse ampliou de quatro para seis tratores e de duas para cinco colheitadeiras. Admite que o investimento foi impulsionado pelo resultado do novo cultivo, mas também por excelentes colheitas e cotações em 2002 e 2003.
O panorama se alterou em 2004, quando a falta de chuva provocou perda de 20% sobre a média histórica da colheita, de 43 sacas de 60 quilos por hectare, e piorou em 2005, quando nova estiagem levou a uma quebra de 63% da safra. O preço do grão também caiu, de mais de R$ 50 pela saca em 2003 para os atuais R$ 22,70.
Como estava capitalizado pelos bons resultados anteriores e plantou as últimas safras com recursos próprios, Ohse escapou do endividamento que preocupa a maioria dos produtores gaúchos.
De 2000 a 2005, plantando na clandestinidade, Ohse se juntou a milhares de agricultores que pediam a legalização do cultivo em intermináveis reuniões com o governo e manifestações. “”Tivemos de fazer da soja transgênica no Brasil um fato consumado para conseguir o reconhecimento legal””, comenta Ohse.