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Brasil tem planos para substituir trigo argentino

Dentro de quatro anos, o governo espera que a colheita de trigo do país alcance 7 milhões de toneladas.

Redação (20/03/2009) – Cerca de 10% das exportações argentinas ao Brasil devem evaporar até meados da próxima década. Castigado pelas incertezas das safras e dos embarques do país vizinho, o governo decidiu impulsionar a produção de trigo irrigado no Cerrado brasileiro, com a autossuficiência como meta. Na semana que vem, o Ministério da Agricultura vai anunciar um pacote de estímulo ao plantio, que prevê o aumento entre 10% e 15% no preço mínimo dos cultivos de trigo da região.

Dentro de quatro anos, o governo espera que a colheita de trigo no País alcance 7 milhões de toneladas – volume equivalente a 70% do atual consumo nacional. "O trigo sempre foi usado pelo Brasil como moeda de troca para a indústria vender seus produtos para a Argentina, principalmente os da linha branca", resumiu Julio Cesar Albrecht, pesquisador da Embrapa Cerrados, ao destacar um tópico do equilíbrio delicado do comércio bilateral. "Agora, em médio e longo prazos, o governo aposta na expansão do trigo no Cerrado", completou.

A Embrapa Cerrados trabalha no melhoramento genético de sementes de trigo, para adaptá-los à região, desde os anos 70. Para a safra de 2006, duas novas sementes – BRS 254 e BRS 264 – mostraram-se igualmente produtivas. Em 2008, a semente BRS 254 permitiu uma colheita de 7,6 toneladas por hectare, e a BRS 264, de 6,5 toneladas por hectare. Na última safra, as lavouras da região se estenderam por 55 mil hectares, com uma produção de cerca de 500 mil toneladas. Além da alta produtividade, a produção no Cerrado conta com a vantagem de ser colhida na entressafra, em agosto, o que permite a venda por melhores preços.

A gritaria da Argentina, que perderá um negócio que rendeu US$ 1,264 bilhão em 2008, já é um custo calculado dessa estratégia. O Itamaraty está ciente de que, na medida em que a produção nacional aumente, terá de conter a reação do país vizinho – provavelmente, com compensações comerciais – para evitar prejuízos na consolidação do Mercosul. Qualquer cobrança, entretanto, será desproporcional. Na opinião de Silvio Porto, diretor de Logística e Gestão Empresarial da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a Argentina não terá problemas para colocar seu produto em outros mercados, uma vez que é esperada a redução da produção dos Estados Unidos nos próximos anos.

A diplomacia, entretanto, já acumula com argumentos concretos para apresentar a Buenos Aires. Desde o início da implementação do Mercosul, em 1995, a Argentina conquistou o mercado cativo do Brasil, que passou a importar seu trigo com tarifa zero. Os demais fornecedores perderam competitividade, com a aplicação da Tarifa Externa Comum (TEC) de 10%. A partir de 2008, essa oferta foi contaminada pelo risco e induziu o governo a perseguir a substituição de importação do produto.

No ano passado, o Brasil foi exposto a um sério risco de desabastecimento por causa da decisão do governo de Cristina Kirchner de suspender as exportações de trigo e de travar uma batalha com o setor agrícola. O governo brasileiro recorreu à adoção de uma cota, com tarifa zero, para importar os grãos dos EUA. Neste ano, a ameaça voltou com as retenções de guias de exportação do produto por autoridades aduaneiras argentinas. Soma-se a essa distorção a quebra da safra deste ano. A produção argentina, em 2009, deverá alcançar 8,3 milhões de toneladas – a metade da safra do ano passado.

Em uma perspectiva "otimista", a Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) calcula que, se a Argentina conseguir enviar ao Brasil pelo menos 2,5 milhões de toneladas neste ano – 41% menos que em 2008 -, faltará 3 milhões de toneladas para atender a demanda dos moinhos nacionais. A pedido da entidade, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) deverá adotar ainda neste mês uma nova cota de importação, com tarifa zero, de trigo dos Estados Unidos, do Canadá e da Rússia. "É inevitável a importação de trigo de outros países neste ano. Temos a perspectiva de ampliar essas compras", afirmou ontem Ivan Ramalho, secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), que viaja em abril à Rússia em busca de fornecedores.