A tendência de que haja um atraso na chegada das chuvas poderá até retardar o início do plantio de grãos em Mato Grosso em 2014/15, mas nada que coloque em risco o decorrer da safra, já que o clima tende a colaborar para mais uma colheita abundante na temporada, que começará a ser semeada em meados de setembro. “Poderão haver quebras aqui ou ali, mas, de forma geral, a sinalização é boa. Não há empecilhos climáticos no caminho neste momento”, afirma Marco Antonio dos Santos, da Somar Meteorologia.
Com isso, a colheita de soja no país poderá mesmo romper a barreira das 90 milhões de toneladas. Em 2013/14, segundo a Conab, foram quase 86 milhões, um novo recorde. A consultoria Céleres prevê uma produção de 91,4 milhões de toneladas da oleaginosa, próxima das 91 milhões apontadas pelo Departamento de Agricultura dos EUA (USDA). A consultoria Safras & Mercado é mais otimista e estima 94,4 milhões de toneladas.
A questão é que na região Centro-Oeste do país, especialmente em Mato Grosso, as chuvas “boas para o plantio” deverão vir apenas no início de outubro – assim, quem pretendia colocar as plantadeiras em campo logo ao fim do vazio sanitário, em 15 de setembro, poderá ter de aguardar. “O produtor mato-grossense precisará tomar cuidado, porque as chuvas em outubro ainda serão irregulares, principalmente na primeira quinzena”, adverte Santos.
O cenário previsto é semelhante ao dos últimos dois anos, de acordo com Nery Ribas, gerente-técnico da Aprosoja/MT, associação que representa os produtores de grãos de Mato Grosso. “O plantio vem se concentrando em outubro mesmo”. Ele lembra que muitos agricultores se arriscaram a “plantar no pó” (quando as chuvas ainda não vieram) e antes do fim do vazio sanitário, mas o risco de perda de sementes é grande. “Sem falar no potencial de problema sanitário em semear com o vazio ainda vigente, por conta da ferrugem asiática e de outras pragas”.
Uma regularização nas precipitações no país ocorreria já em agosto caso o El Niño tivesse se manifestado em sua plenitude, como se previa há alguns meses, explica o meteorologista da Somar. “Ocorre que houve o El Niño Modoki, também chamado de ‘falso’ El Niño, com um aquecimento contínuo das águas do Pacífico por três meses, quando seria preciso mais de cinco ou seis meses para concretizar o fenômeno”, diz Santos.
Entretanto, Bianca Lobo, meteorologista da Climatempo, lembra que agências oficiais dos EUA e da Austrália preveem chances de 70% e 50%, respectivamente, de o El Niño se manifestar até o fim do ano. Tendo isso em vista, o diretor da corretora gaúcha Brasoja, Antonio Sartori, sugere cautela. Para ele, o El Niño ainda poderá provocar reflexos nesta safra 2014/15. “Historicamente, o sul da América do Sul é beneficiado em anos em que o fenômeno ocorre, e as áreas mais para cima [para o centro do país], não. Ainda acredito ser um ano de algum risco climatológico”, diz.
Conforme Sartori, os novos plantios de soja em áreas de várzea no Rio Grande do Sul – antes destinadas ao arroz – poderão sofrer caso as precipitações sejam intensas. “Há 650 mil hectares com soja nessas terras baixas no Estado e o sistema radicular da planta não tolera muita umidade. Chuvas acima do normal podem atrapalhar a produtividade”, diz.
No Paraná e no sul de Mato Grosso do Sul, a expectativa é de condições ideais de plantio já em setembro, com maior regularidade de precipitações que no Centro-Oeste, indica a Somar. “Temos bastante risco de estiagem na nossa região, então essa perspectiva de chuvas é animadora”, diz Ronaldo João Vendrame, gerente do departamento agronômico da C.Vale, cooperativa com sede em Palotina, oeste do Paraná.
Na safra 2013/14, lembra Vendrame, os cooperados da C.Vale enfrentaram problemas climáticos pontuais, mas a safra, em geral, foi boa. “Há sempre uma corrida para plantar soja logo e para que o milho também seja semeado cedo e escape de possíveis geadas em junho e julho”.
Apesar de um cenário de chuvas mais expressivas do que em Mato Grosso em setembro, o Paraná deverá enfrentar uma queda de precipitações em outubro. “A média nessa época é de 200 mm a 300 mm, e ficaremos ao menos 50 mm abaixo disso”, previu Bianca, da Climatempo.
Na região do “Mapito”, confluência entre os Estados de Maranhão, Piauí e Tocantins, as precipitações podem chegar antecipadamente, em outubro, quando o normal seria até o início de novembro. “Talvez até haja períodos de 15 a 25 sem chuvas no decorrer da safra no Mapito, mas é normal”, diz Santos, da Somar.
Para o restante das áreas produtoras do país, os mapas também sinalizam um clima “normal” no período de desenvolvimento das lavouras, entre o fim deste ano e o início de 2015. “Teremos períodos de chuvas abaixo do normal, outros acima, mas deveremos ficar na média”, conclui o meteorologista da Somar.
Nos EUA, onde a colheita começará em poucas semanas, as condições do tempo já não preocupam, afirma Sartori. “Com o clima tão bom como está, é possível que os americanos até superem as 105 milhões de toneladas de produção de soja [a previsão oficial está em 103,8 milhões]”.