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Estudo revela crise da soja no Mato Grosso

<p>Consultoria define produtor hipotético e mostra que ele pode não ter caixa para plantar em 2006/07.</p>

Da Redação 30/09/2005 – Endividado por investimentos recentes na expansão da área plantada e em máquinas e equipamentos e com financiamentos estreitamente atrelados ao dólar, o produtor médio de soja do Mato Grosso está sem caixa para crescer na safra 2005/06. E, mantida a atual tendência de custos e preços, o saldo do caixa deverá ser negativo na época de plantio da temporada 2006/07, mesmo com a expectativa de desvalorização do real até lá.

O cenário negativo é apontado em estudo da consultoria Agrosecurity com base no fluxo de caixa de um produtor médio mato-grossense. Esse produtor hipotético plantava, em 2000, 3 mil hectares em Rondonópolis (maior pólo de soja do país), e dividia essa área entre soja (70%) e algodão (30%) no verão, além de milho safrinha no inverno (30%). Em 2005, depois da forte expansão do agronegócio brasileiro, a divisão se mantém, mas o produtor comprou um terreno em Tapurah e sua área plantada total dobrou, para 6 mil hectares. O estudo leva em conta que esse agricultor não conta com estrutura própria de armazenagem.

Segundo as simulações da Agrosecurity, o produtor hipotético adquiriu 2,5 mil hectares em julho de 2002, depois dos bons resultados proporcionados pela soja e pelo algodão na safra 2001/02. Pagou, na época, R$ 2 mil por hectare, quitou 25% do valor à vista e o restante programou para cobrir, em sacas de soja (com acréscimo de 10% em volume) em sete parcelas iguais, com carência no primeiro ano de produção. Esse produtor também compra insumos para o plantio entre maio e julho, tem 45% dos gastos operacionais de outubro a novembro e capta recursos com a venda antecipada da safra (a um preço 15% menor que o soja disponível). O que não é vendido antes sai depois da colheita. Detalhamento semelhante de compras e comercialização também foi feito para o algodão e para o milho.

Conforme o estudo, o produtor hipotético seguiu o movimento da maioria e tomou recursos dos programas federais de financiamento Moderfrota (tratores e colheitadeiras) e Moderagro (correção de solo e pastagens), e também buscou linhas de crédito das próprias montadoras para renovar a frota de máquinas. Ele investiu em preparo do solo em Tapurah e, para manter liquidez durante o plantio, recorreu em todas as safras analisadas ao crédito rural com taxa de juros controlada (8,7%) no limite total permitido, ao crédito com taxas de mercado e à troca de grão por insumos para seu custeio.

Em 2000, o produtor tinha gastos pessoais mensais de R$ 7.000 (complementados com 1% do saldo do mês anterior), e o valor passou a R$ 10.400 em 2005 (mesmo adicional). O estudo também inclui dívida com programas de securitização e de saneamento de ativos (Pesa) e parte do princípio de que todos os compromissos foram honrados até 2004, inclusive imposto de renda. E é baseado em índices estaduais médios de preços, produtividade e custos.

Expostas a grosso modo as premissas básicas, os autores do estudo, Fernando Lobo Pimentel e Caio Paulino, da Agrosecurity, mostram que, com as lavouras de soja, a receita total do produtor caiu de R$ 1.598 por hectare na safra 2003/04 para R$ 1.383 em 2004/05, enquanto seu custo total subiu de R$ 1.179 para R$ 1.316 por hectare. Na comparação, sua margem caiu de 26,2% para 4,9%. Para 2005/06, supondo o dólar estável em R$ 2,60 em 2006, a receita total por hectare cairia para R$ 1.186, os custos ficariam em R$ 1.287 e a margem seria 8,5% negativa.

No caso do milho safrinha, a receita total de R$ 885 por hectare de 2004 caiu para R$ 812 em 2005, e os custos totais recuaram de R$ 963 para R$ 901 por hectare. De um ano para o outro, a margem negativa aumenta de 8,7% para 11,1%. Para 2006, a Agrosecurity projeta margem negativa de 0,4%, resultado de receita de R$ 897 milhões e custos de R$ 901 milhões por hectare. Para o algodão, a margem próxima de zero de 2003/04 ficou 15,8% negativa em 2004/05 e tende a continuar no vermelho em 2005/06 (4,4%). “As simulações mostram que o produtor se endividou na alta e tem de amortizar na baixa. E é por conta das margens negativas e do saldo de caixa zerado que a safra 2005/06 terá redução de área de soja no Mato Grosso e queda de tecnologia nas lavouras. E isso não deveria acontecer, porque certamente comprometerá o fluxo de amortização das dívidas”, afirmou Pimentel ao Valor.

Mas, mesmo se o produtor optar pela manutenção, a Agrosecurity calcula que ele precisará de R$ 3,4 milhões em recursos próprios para a safra 2006/07, sendo R$ 1,53 milhão apenas para o pré-plantio. Só que a análise da consultoria mostra que ele terá um saldo negativo de caixa de R$ 186.365 (melhor cenário de preços e câmbio) a R$ 2,623 milhões (pior cenário) no fim de 2006. Supondo altas de 15% dos preços do milho (hoje em R$ 11,50/saca), de 10% do algodão (hoje em 52 centavos de dólar por libra-peso) e estabilidade para a soja (US$ 6,10 por bushel), com dólar a R$ 2,60, o saldo negativo será de R$ 1,752 milhões, com estoque de dívida superior a R$ 3 milhões, o que comprometeria a continuidade da produção.

“O estudo é um alerta para produtores e governo, que deve começar a pensar em ferramentas de auxílio à comercialização desde já”, diz Pimentel. “A partir de agora, vamos conversar com dados e o panorama completo das nossas dificuldades em mãos”, afirma Ricardo Tomczyk, que organizou uma exposição do estudo a um grupo de 50 produtores em Rondonópolis na segunda-feira.