Da Redação 24/11/2004 – Devido aos baixos preços das commodities, os produtores estão deixando para comercializar a safra no próximo ano, na boca da colheita, uma estratégia que pode custar caro. Se não houver reação dos preços -e o cenário atual indica que essa reação dificilmente ocorrerá-, um grande volume de mercadorias será vendido ao mesmo tempo, derrubando ainda mais as cotações.
No ano passado, neste mesmo período, 40% da safra de soja já havia sido comercializada. Neste ano, o percentual é de apenas 10%, diz Nivaldo Krügger, presidente da Cooagri (Cooperativa Agropecuária e Industrial), que atua na região de Dourados (MS).
A agricultura brasileira evoluiu rapidamente nos últimos anos, passando de 83 milhões de toneladas em 2000 para os previstos 131 milhões na safra 2004/5. Nesse mesmo período, a área de plantio cresceu 29%, e a produtividade média do país, 43%.
O setor de armazenagem, no entanto, ficou praticamente parado. O Brasil consegue armazenar atualmente apenas 70% da safra que colhe por ano. Nos EUA, a capacidade de armazenamento é 2,5 vezes a produção. O maior gargalo no Brasil ocorre nas fazendas, onde o potencial de armazenagem atinge apenas 8% da produção. Nos EUA é de 65%.
Portos:
Mas, se o problema é sério nas fazendas, não é menos grave nos portos, onde a capacidade estática de armazenagem atual é de 17 milhões de toneladas. Se essa capacidade não chegar a 31 milhões de toneladas em seis anos, os grãos vão chegar ao porto e ter de voltar para as fazendas, por falta de armazenagem.
O alerta é de Othon D”Eça Cals de Abreu, diretor-presidente da brasileira Kepler Weber, a principal empresa na produção mundial de sistemas de armazenagens. Para Cals de Abreu, a “armazenagem se tornou um caso de segurança nacional”.
Uma série de fatores levou o país a esse gargalo. O crescimento agrícola foi rápido nos últimos anos e os custos dos investimentos em armazenagem são altos para a maioria dos produtores.
Um silo com capacidade para armazenar 15 mil toneladas custa de R$ 500 mil a R$ 1 milhão, dependendo das opções de equipamentos exigidas pelo produtor.
O crédito nesse setor não é fácil, dizem os produtores. Prova disso é que 70% das vendas da Kepler para o mercado interno são feitas a produtores que utilizam capital próprio. Aos que buscam financiamento do sistema financeiro, a espera é de, em média, 156 dias para a liberação.
Ricardo Conceição, vice-presidente de Agronegócios do Banco do Brasil, admite que a defasagem no setor é grande, mas que ela passou a ser uma preocupação constante do governo nas duas últimas safras.
Cals de Abreu diz que a política do governo é correta e existe crédito para os agricultores. São R$ 800 milhões à disposição. O problema é que esse crédito não está fluindo pelo sistema financeiro.
Conceição diz que realmente houve um atraso, mas que as linhas de crédito já estão normalizadas. O vice-presidente de Agronegócios do Banco do Brasil disse que houve problemas no BNDES, que promoveu algumas mudanças nas regras e adaptações nos contratos. Isso, mais a greve nos bancos, impediu as liberações. Mas agora elas já ocorrem normalmente.
Mudanças no BNDES:
Para Krügger, essas linhas de crédito são de difícil acesso, mas a troca de comando no BNDES -Guido Mantega assumiu o posto de Carlos Lessa- deverá agilizar a liberação.
O produtor Adroaldo Guzela, de Mato Grosso do Sul, sabe bem o caminho das pedras. Programou um investimento em armazenagem quando a soja ainda estava a US$ 15 a saca. Hoje, a saca está a US$ 9, os custos aumentaram e, provavelmente, quando a construção for iniciada, o montante de dinheiro a ser liberado poderá não ser suficiente para cobrir os custos totais do investimento planejado.
Ele espera que, diante desse quadro de dificuldade para os investimentos, os incentivos fiscais dados às indústrias do setor se revertam em queda de preços para o produtor final. Guzela diz que, diante desse cenário de dificuldades, só lhe resta negociar muito bem a escolha da indústria que vai fornecer os equipamentos.
Carlos Simão Introvini, que cultiva 15 mil hectares de soja e está com os pés em três localidades (norte de Mato Grosso do Sul, norte médio de Mato Grosso e Araguaia), aprendeu logo cedo que a armazenagem é essencial.
Há 33 anos plantando soja, ele diz que sempre se preocupou com a armazenagem porque, “na hora da colheita, o produtor tem de ter os silos o mais perto possível”.
O produtor que consegue armazenar os grãos se livra de uma série de entraves, diz Introvini. Primeiro, o frete durante a colheita é bem mais elevado do que em outros períodos do ano.
Outro item que pesa são os preços. Longe do período de colheita o produtor sempre consegue comercializar melhor os grãos. Guzela diz que, “quanto mais desenvolvido o sistema de armazenagem pelos produtores, melhor para todos, pois os preços ficam mais estáveis e os custos dos fretes diminuem”. Além disso, na venda, os produtores deixam de pagar custos extras como os cobrados em silos das multinacionais.
Na área de portos, Cals de Abreu diz que há avanços, mas que é necessário um desenvolvimento ainda maior, que pode ser feito via PPPs (Parcerias Público-Privadas).
Situação mais grave:
Em algumas regiões, a falta de armazenagem é ainda mais crítica, como em Mato Grosso do Sul. Dagoberto Nogueira Filho, secretário da Produção, diz que a área de grãos avança rapidamente no Estado, que chegou mais tarde à produção agrícola devido à forte tradição na pecuária.
Essa falta de armazenagem no Estado “é bastante prejudicial ao pequeno produtor”, diz Nogueira. Ele diz que é preciso ampliar a linha de crédito para os produtores rurais e para as cooperativas.