Da Redação 02/09/2005 – Endividados e com o ânimo abalado depois da estiagem que causou quebra de 70% na última safra gaúcha de soja – considerada a mais severa dos últimos 50 anos pelo Conselho Permanente de Agrometeorologia Aplicada do Estado -, os produtores do grão do Rio Grande do Sul voltam a se deparar com ameaças climáticas e riscos de uma nova frustração da colheita na temporada 2005/06.
Nos dois últimos meses, as chuvas no Estado foram mal distribuídas e ficaram abaixo da média histórica, e com isso já há prognósticos, ainda preliminares, de ocorrência de um período seco entre o fim de novembro e a primeira quinzena de dezembro, quando as lavouras estarão no início do período de floração e demandarão mais umidade.
“A situação deixa a gente um pouco para baixo, mas temos que superar”, resigna-se o produtor Cristiano Pierdoná, 32 anos, de Passo Fundo, em uma referência às perdas da safra anterior, ao perigo de uma nova seca e também à baixa remuneração da soja, na faixa de R$ 27 a R$ 28 saca.
Com as cotações definidas em dólar, a commodity está rendendo menos por conta da valorização do real ante a moeda americana, agravando os problemas do agricultor, que na última colheita obteve um rendimento de apenas 15 sacas por hectare, ante uma média regional, em anos normais, de 45 sacas por hectare.
Orgulhoso com o desenvolvimento da lavoura de trigo, que antecede as culturas de verão, Pierdoná decidiu que aumentará de 100 para 210 hectares a área plantada com milho e que vai reduzir de 300 para 190 hectares a de soja. “Hoje o milho está sendo mais rentável”.
Cotado em cerca de R$ 18 por saca ao agricultor, o grão tem um custo médio de produção um pouco abaixo de R$ 13, o que nas condições atuais garante uma margem de cerca de 40%, bem acima dos 18% a 25% no caso da soja, calcula Cláudio Doro, agrônomo da Emater-RS em Passo Fundo.
Conforme Doro, os produtores da região – que reúne 70 municípios e na safra passada foi responsável por pouco mais de 19% da colheita de 2,45 milhões de toneladas de soja no Rio Grande do Sul, segundo o IBGE – também estão optando pelo plantio antecipado do milho em pelo menos 15 dias, desde o início da segunda quinzena de agosto.
Com isso, pretendem garantir algum ingresso de receita já em janeiro e também proteger as plantações se de fato ocorrer uma estiagem no fim do ano, porque assim as plantas estarão, na época, em fase de maturação, com menor necessidade de água.
O movimento já reflete nas primeiras estimativas da Emater-RS para as próximas culturas de verão em todo o Estado. Conforme o diretor técnico da empresa de extensão rural, Ricardo Schwarz, a área plantada com milho deverá crescer 14,67%, para 1,391 milhão de hectares no Rio Grande do Sul, e a produção poderá chegar a 4,197 milhões de toneladas, quase 180% acima de 2004/05 e 24% a mais do que em 2003/04.
A variação, explica o especialista, ocorrerá basicamente em cima de uma redução ainda não quantificada das lavouras de soja, que na safra passada ocuparam 4,108 milhões de hectares.
Segundo Doro, depois da chuva em volumes bem superiores às médias históricas de abril a junho na região, a situação se inverteu em julho, quando as precipitações caíram quase à metade do padrão de 153,4 milímetros, e também em agosto. A primavera, que começa em setembro, deve ser chuvosa, mas no fim do ano podem ocorrer “problemas” no Estado e em boa parte da região Sul por conta do fenômeno “La Nia” no Oceano Pacífico, explica o meteorologista Celso Oliveira, da Somar Meteorologia.
Mesmo com o “La Nia” fraco, a temperatura da água do Pacífico cai e reduz os níveis de evaporação, o que na seqüência diminui a chuva no Sul do Brasil. Além disto, a expectativa é que dessa maneira as frentes frias originárias da Argentina não terão energia para permanecer sobre o Rio Grande do Sul e serão afastadas rapidamente para o Atlântico, o que ajuda a provocar um período mais seco no Estado e na região, acrescenta Oliveira.
Por enquanto ninguém espera a repetição do desastre de 2004/05, quando o rendimento médio da soja no Estado foi o pior da história, com 663 quilos (11 sacas) por hectare, e a produção caiu 58,3% na comparação com as 5,541 milhões de toneladas colhidas em 2003/04 (uma safra já bem menor do que as 9,579 milhões de toneladas do ciclo anterior) e 72,1% em relação às estimativas iniciais.
Mesmo assim, “vai haver uma redução na produtividade em relação aos bons anos”, prevê o produtor, cerealista e distribuidor de insumos Dilermando Rostirolla.
O problema é que, além das ameaças do clima, o uso de tecnologia, em especial de fertilizantes, cairá na próxima safra em função da descapitalização e do crédito curto dos produtores, o que contribui para a perda de rendimento.
Doro calcula que a queda nos níveis de aplicação será de pelo menos 20% em relação aos 350 quilos por hectare, no caso da soja, e aos 280 kg/ha no milho. No caso de Pierdoná, o uso de adubo por hectare na propriedade, somando-se as lavouras de inverno e de verão, irá cair pela metade ante a média de 800 a 900 quilos.
“O pessoal não está investindo, está somente pagando as contas”, constata Rostirolla, que tem uma carteira de clientes com 500 produtores que na safra passada lhe entregaram 250 mil sacas de soja para comercialização. O dono da Ferlin Comércio de Cereais diz que neste ano reduzirá pela metade o volume de crédito na venda de insumos porque 50% do valor que foi financiado na safra passada já teve que ser prorrogado por 12 meses.
Para o engenheiro agrônomo Carlos Oberdan Vieira, da distribuidora de insumos Dissagro, mesmo sem novas estiagens os reflexos negativos da quebra passada vão durar três anos. “Em 2003/04 já houve uma quebra de 35% [em relação às estimativas iniciais], mas ela foi compensada pelos preços da soja, que chegaram a R$ 50 a saca”. Agora, com preços mais baixos e produtividade média na região de 12 sacas por hectare, “não dá para sobreviver”.
Por conta disto, o empresário diz que as vendas de insumos estão paradas, quando nesta época já deveriam estar em pelo 50%, no caso dos fertilizantes para a soja.
“Em 2004, 75% das vendas de todo o ano foram realizadas até agosto; agora o percentual está em 25% a 30%”, compara Vieira. Desta vez, para se proteger da inadimplência que chega a 50% dos créditos concedidos pelos cerca de 15 distribuidores de insumos da cidade para 2004/05, ou cerca de R$ 20 milhões, ele quer acertar o pagamento em produto e entrar na área de comercialização de grãos.
Maiores produtores de soja transgênica do país, os gaúchos aguardavam ontem (dia 1 ) ao menos um alento. Esperavam a publicação de uma portaria prorrogando por um ano o uso de sementes modificadas salvas (não novas) no Estado, o que poderá agilizar o plantio e reduzir seus custos.