Está instalada uma disputa no processo de autorização para a venda de sementes transgênicas no Brasil. O impasse pode atrasar ou até mesmo impedir liberações comerciais de novas tecnologias desenvolvidas por grandes multinacionais como a Dow AgroSciences, DuPont do Brasil e Monsanto.
Até pouco tempo, apenas uma voz ativa dava as cartas na regulamentação do setor. Agora, no entanto, o mercado de transgênicos passa a ter no Ministério Público Federal (MPF) do Distrito Federal um local de questionamento das autorizações de comercialização de organismos geneticamente modificados (OGM) concedidas pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNTBio).
O MPF está se colocando contra o método atual de análise do colegiado. No mês passado, recomendou à CTNBio, por meio de um ofício, a suspensão das liberações comerciais de sementes transgênicas até que fosse garantida “a participação da sociedade civil nas decisões” do órgão.
A pedido do autor do ofício, o procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, o documento foi transformado em inquérito civil, “a fim de investigar possível ilegalidade na liberação comercial, pela CTNBio, de sementes de soja e milho geneticamente modificados que apresentam tolerância aos agrotóxicos 2,4-D, glifosato, glufosinato de amônio DAS-68416-4, glufosinato de amônio DAS-44406-6 e outros herbicidas”.
Se as liberações com os produtos especificados forem proibidas, a Dow AgroSciences e a Monsanto serão as empresas mais prejudicadas. A primeira tem quatro dos cinco processos esperando a liberação da CTNBio com tecnologias resistentes aos produtos citados pelo procurador. A Monsanto tem apenas um processo de milho na fila de liberação, que inclui resistência ao glufosinato de amônio.
O foco principal de disputa está em torno do uso em grande escala do 2,4-D – ingrediente do “agente laranja”, desfolhante usado pelo exército americano na Guerra do Vietnã. O pedido, feito pela Dow AgroSciences, encontra resistências de ambientalistas. A empresa alega que a fórmula do produto é diferente da usada no passado e está menos tóxica.
Em sua última reunião, no dia 17 de outubro, a CTNBio indeferiu o pedido feito por Lopes. Com isso, a disputa teve início. O procurador informou que irá realizar audiências públicas por conta própria para avaliar a percepção da população sobre o tema em paralelo à comissão. Caso as informações colhidas sejam contrárias ao que for aprovado na CNTBio, o MPF pode pedir a anulação da autorização dada.
Fontes do setor agrícola temem que ativistas contrários aos transgênicos se unam para lotar as audiências públicas do MPF e “atrapalhar” o andamento da liberação de novas tecnologias OGM no país.
O pedido do MPF se amparou em um relatório do Grupo de Estudos de Agrobiodiversidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário (GEA/MDA). O grupo afirmou que a liberação de organismos geneticamente modificados (OGMs) resistentes a defensivos agrícolas funciona como fator multiplicador do consumo de agrotóxico no Brasil.
Segundo o MP, a questão é “complexa” e os riscos precisam ser debatidos com a sociedade e o meio acadêmico. Lopes disse que a liberação comercial desses OGMs só é aceitável após uma avaliação aprofundada sobre os impactos diretos e indiretos que esse incentivo ao uso de agrotóxicos pode gerar no meio ambiente e no consumo humano.
De acordo com o presidente da Aprosoja Brasil, Glauber Silveira, que representa os produtores do grão, o MPF está se “intrometendo” no assunto. “O MPF não é um órgão técnico. Ele deveria fiscalizar as normas, procedimentos, processos legais e técnicos. O que ele quer hoje é avaliar as discussões técnicas que são tomadas por especialistas da área”, disse.
“O MPF alega que a liberação vai efetivar o uso de defensivos agrícolas, mas é o contrário, pois o transgênico diminui o uso de defensivos. Alguém vai dizer que a tecnologia BT [contra lagartas] veio para aumentar o uso de defensivos?”, emendou Silveira.