A escassez de chuvas em Mato Grosso despertou forte preocupação nos produtores rurais ao adiar o plantio da soja por algumas semanas. Mas os efeitos do fenômeno “La Niña” sobre o mercado do grão deverão ser ainda mais acentuados em janeiro de 2011, quando deveria ser iniciada a comercialização da soja produzida no Estado.
O Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea) estima que esse atraso no plantio provocará uma redução de 75% na oferta de soja do Estado, o maior produtor do país, no primeiro mês do ano que vem.
Se confirmado, o cenário deverá incrementar a disputa pela oleaginosa no mercado interno, o que implicará custos adicionais a indústrias esmagadoras, em virtude da ociosidade das fábricas, e obrigará tradings a comprar soja em outras regiões para cumprir seus contratos no exterior.
Ocorre que Mato Grosso domina a oferta de soja em janeiro. Apenas algumas poucas regiões de Goiás e do Paraná também entram no mercado no início do ano. Por isso, os prêmios da soja brasileira no mercado externo já subiram, passando de US$ 0,49 para US$ 0,77 por bushel na comparação entre março deste ano com o mesmo mês de 2011.
Essa diferença tende a ficar “descolada” por mais tempo do mercado internacional, o que deverá inclusive influenciar o mercados futuro na bolsa de Chicago, principal referência global para as cotações do grão. “Ou seja, quem tiver soja para oferecer em janeiro, terá uma ótima janela de oportunidades”, afirma o superintendente do Imea, Otávio de Melo Celidonio.
Um cálculo inédito do Imea também aponta que, mesmo com preços melhores, os produtores deverão deixar de ganhar um adicional de R$ 120 milhões por não ter como oferecer a soja em janeiro. Acontece que, nesta época do ano, os preços costumam ficar 3% acima da média anual, segundo dados da última década compilados pelo Imea.
“Estamos vindo de estoques muito baixos, aqui e lá fora, por causa da forte demanda. Assim, o produtor perde oportunidade de fazer mais caixa porque essa soja vendida em janeiro tem alta liquidez”, analisa o diretor-executivo da federação estadual da Agricultura, Seneri Paludo.
A oferta em Mato Grosso deve recuar de 4,072 milhões para 1,001 milhão de toneladas na comparação entre janeiro de 2010 e o mesmo mês de 2011. A média histórica dessa oferta em meses de janeiro é de 2 milhões de toneladas. A soja vendida em janeiro é direcionada para o esmagamento doméstico.
A oleaginosa também é um produto de maior risco climático porque é semeada assim que começam as primeiras chuvas, o que em Mato Grosso costuma ocorrer, em anos normais, em meados de setembro Por isso, os produtores deixam para vender o grão na “boca” da safra, quando podem obter melhores cotações. “Haverá disputa entre exportações e mercado interno. Eles também precisam dessa soja lá fora”, afirma Seneri Paludo.
Hoje, apenas 31% da área de soja está plantada – em 2009, eram 51%. Não fosse esse atraso no plantio, o produtor poderia ter vendido muito mais para aproveitar os ótimos preços internacionais, em alta sustentada desde o início da atual safra 2010/11, iniciada em junho.
No Estado de Mato Grosso, 45% da safra já foi vendida ante 29% de igual período do ano passado. “Quem não vendeu nada e não travou o preço [na bolsa], vai ter bônus. Porque talvez nem tenha soja em janeiro, só em fevereiro”, diz o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Glauber Silveira. “Mas para outros, vai haver transtornos, porque tem aquela pressão das tradings no mercado interno porque os estoques estão baixos. Vai ser uma loucura de gente querendo receber a soja”.
A Aprosoja descarta recursos à renegociações de contratos (“washouts”), já que indústrias e tradings não deverão mostrar interesse em abrir disputas para prejudicar as boas relações comerciais. “Ninguém vai querer confusão”, avalia Silveira.