Da Redação 29/05/2003 – Passados dois meses da edição da MP 113, que liberou a comercialização da soja brasileira transgênica desta safra 2002/03, e um mês da publicação do decreto 4.680, que regulamentou a rotulagem de organismos geneticamente modificados no país, quase nada foi feito para que as regras sejam respeitadas e os setores público e privado ainda falam em adaptação.
Com a colheita da safra encerrada e mais da metade dela já comercializada, os agricultores não certificaram a soja, as cooperativas não segregaram o grão, as esmagadoras não rotularam os produtos e o governo ainda estuda como fiscalizar as medidas. Há muitas desculpas para justificar o não-cumprimento das leis. Uma delas é a indefinição sobre o futuro dos transgênicos no Brasil, que demandará nova legislação.
Editada em 27 de março, a MP 113 liberou a comercialização da soja transgênica da safra 2002/03 desde que rotulada. Com o decreto de 24 de abril, tornou-se obrigatório rotular produtos com mais de 1% de transgenia, exceto a própria soja. Inicialmente, todos os derivados do grão teriam de ser rotulados, independentemente do percentual. Criticada por especialistas, a MP foi alterada no Congresso e, agora, também para esses casos passou a valer o limite de 1%.
A mudança, apesar de amenizar o controle, preserva a segregação da soja. Mas, sem estrutura para identificar e separar cargas convencionais das transgênicas, mesmo as cooperativas do Rio Grande do Sul – onde estima-se que 70% da produção é modificada -, armazenaram a colheita (8,8 milhões de toneladas) sem distinção.
“É tudo soja”, minimiza Dionísio Cargmelutti, gerente operacional da Agropan, de Tupanciretã. Ele acredita que mais de 90% dos 111 mil hectares de soja plantados por seus cooperados abrigaram transgênicos. A Cotrisal, de Sarandi, informou que tentou segregar as 300 mil toneladas que recebeu, mas desistiu. Conforme seu gerente-geral, Célio Gabriel, em primeiro lugar porque o volume de soja não-transgênica era pequeno; em segundo, porque não houve tempo para adequar o recebimento nos 20 municípios em que opera.
Segundo Rui Polidoro, presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado (FecoAgro), as associadas não segregaram porque quando a MP foi editada quando a colheita já estava adiantada. “E os compradores não fizeram grandes exigências”.
Para Carlo Lovatelli, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), a fase é de transição. Ele reconhece, porém, que as esmagadoras não estão rotulando produtos como farelo e proteína; no óleo de soja, não é possível detectar transgenia. “Há uma gentileza dos órgãos reguladores, que compreendem que a iniciativa privada precisa de um tempo para se adaptar”, afirma.
Conforme o tipo de produto, a fiscalização da rotulagem cabe ao Ministério da Agricultura ou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ligada ao Ministério da Saúde. Segundo Marcus Vinícius Coelho, assessor do Departamento de Defesa e Inspeção Vegetal do Ministério da Agricultura, estão sendo levantados os produtos que serão fiscalizados e não há prazo para o início do controle.
De acordo com Ricardo Oliva, diretor de Alimentos e Toxocologia da Anvisa, o cumprimento da lei deve acontecer por meio da rastreabilidade da cadeia. “A Anvisa fará testes. Mas esse não pode ser o mecanismo de controle”. Oliva defende, também, que a questão dos transgênicos não é sanitária, mas de informação ao consumidor.
O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia), Edmundo Klotz, garante que as empresas do setor estão cumprindo as regras, já que seus produtos têm menos de 1% de transgenia. “As companhias fizeram em algum momento essa análise”. Caso fosse necessária uma revisão, diz Klotz, os laboratórios credenciados pelo governo para os testes seriam insuficientes.
O Ministério da Agricultura credenciou cinco laboratórios para detecção de transgenia na soja. Nos três consultados pelo Valor (Embrapa Trigo, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Unilab), contudo, a demanda é pequena. “A maior parte é por certificação de sementes”, diz Ana Christina Zanatta, da Embrapa Trigo. Em razão de uma nova legislação no Paraná, os gaúchos precisam de um selo “livre de transgênicos” para vender ou transitar com sementes pelo território paranaense.