Fonte CEPEA

Carregando cotações...

Ver cotações

Milho e transgênicos

Falta milho no mercado _ até aí, nenhuma novidade. Mas há alternativas para o abastecimento do produto, mesmo com a ojeriza das ONG''s aos transgênicos.

AI/Agosto 2000 – A atividade pecuária do Brasil passa por um momento muito difícil. Em especial aquela que se ocupa, notadamente, da produção de aves e suínos. Vale chamar a atenção para estes dois segmentos por serem dos mais tecnificados no Brasil e por terem papel preponderante no abastecimento interno e na geração de divisas através da exportação. A preocupação se prende à forte dependência da produção de milho e soja. Por serem estes dois grãos a base da alimentação das aves e suínos, faz-se importante a garantia de um bom suprimento destes produtos.

No final do ano passado, via e-mail, a US Grains Council procurou alertar os produtores sobre os problemas que existiam com relação ao abastecimento de milho e as conseqüências que poderiam advir da importação de milho dos Estados Unidos e da Argentina, em função de terem estes países lavouras constituídas de grãos geneticamente modificados, o que poderia vir a trazer problemas com organizações não-governamentais (ONG”s) e possíveis importadores.

Na ocasião, houve importadora multinacional, que por ignorância ou má fé, chegou a afirmar que a Argentina tinha pouquíssima quantidade de transgênicos e que estes, além de serem aprovados pela União Européia (UE) não eram nocivos como os OGM”s (Organismos Geneticamente Modificados) dos Estados Unidos. Triste pouco caso, haja visto a presente situação.

Diante desses fatos, é útil observar a situação de abastecimento de milho no Brasil. Em que pesem os esforços do Governo em procurar aumentar a produção de milho, não temos verificado significantes mudanças nos últimos 10 anos. O problema é mais econômico do que agrônomico. As vantagens da soja sobre o milho, em termos de rentabilidade, foram muito aumentadas a partir da Lei Kandir que isentou as exportações do complexo soja de ICMS, o que tem favorecido a produção desta leguminosa. Nos gráficos 1 e 2 mostramos a evolução da safra de verão e da safrinha de milho que muito bem exemplificam esta tendência.

Menos milho – O gráfico 1, por exemplo, demonstra claramente a tendência à diminuição da produção da safra de verão tanto no Sul como Centro-Oeste do País. Esta diminuição de produção é consequência da diminuição da área de plantio no verão tanto no Sul como na Região Centro-Oeste. As linhas pretas do gráfico 2 mostram a regressão linear de área sobre anos demonstrando, com precisão, uma opção uma vez que as produtividades em ambas as regiões têm aumentado (veja gráfico 3).

No gráfico 3 podemos observar que as produtividades são crescentes em ambas as regiões mas mesmo assim insuficientes para cobrir a diminuição de área. A tendência fez com que o suprimento de milho fique cada vez mais dependente da produção da safrinha (safra de inverno ou 2a. safra). No entanto, o fato de esta safra ocorrer tarde em relação ao período das chuvas, torna-a uma safra altamente susceptível às variações dos índices pluviométricos. Os gráficos 4 e 5 mostram o comportamento da safrinha nos últimos 10 anos.

No entanto, quando vamos analisar a produtividade da safrinha, vemos com preocupação as grandes variações que ocorrem de ano para ano, tanto na região Sul como na Centro-Oeste. Existe uma tendência de aumentos de produtividade mas o grau de previsibilidade é muito baixo. É muito difícil atividades da importância de uma avicultura e suinocultura ficarem todo ano na dependência de chuvas na safrinha. O gráfico 6 mostra a produtividade da safrinha nos últimos anos.

Baseados nestes dados, somos da opinião que o Brasil ainda dependerá da importação de milho nos próximos anos. Há de se fazer um parênteses e chamar a atenção para a produção de sorgo no Centro-Oeste que desponta como boa alternativa a médio prazo. Segundo o grupo Pró-Sorgo, a produção deste cereal será, em 2000, perto de 1 milhão de toneladas.

Considerando que ainda dependeremos da importação de milho nos próximos anos, vemos que em função da TEC (Tarifa Externa Comum) de 11%, estabelecida para grãos não-originários do Mercosul, o País fica praticamente na mão de um fornecedor: a Argentina. Evidente que as empresas exportadoras podem importar milho em regime de draw-back, sem o pagamento da TEC. No entanto, os produtores de aves e suínos que não têm esta opção, como o caso dos produtores do Nordeste, têm de comprar sem concorrência.

A novela dos transgênicos

Acompanhe os principais capítulos da batalha judicial envolvendo a importação do milho geneticamente modificado que ficou retido no Porto de Pecém, no Recife (PE), entre os meses de junho e julho.

– 08 jun – Ministério da Agricultura envia pedido de consulta à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), sobre a situação dos estoques de milho da Argentina e dos EUA, tradicionais fornecedores do produto para o Brasil. O objetivo principal é saber se o milho transgênico pode ser usado na composição de ração animal.

– 23 jun – Carga de 38 mil toneladas de milho transgênico importada da Argentina por avicultores nordestinos é retida no Porto de Pecém, no Recife (PE).

– 02 jul – CTNBio emite parecer técnico conclusivo favorável à importação de milho geneticamente modificado para uso em ração animal, mesmo com a proibição imposta pela 6a Vara da Justiça Federal de Brasília que reteve o milho transgênico no Recife.

– 03 jul – O juiz substituto da 6a Vara da Justiça Federal de Brasília, Carlos Eduardo Castro Martins, suspende o parecer técnico conclusivo favorável à importação do milho transgênico emitido pela CTNBio.

– 04 jul – Ministério Público pede à Polícia Federal a abertura de um inquérito policial para apurar as responsabilidades dos membros da CTNBio no descumprimento da sentença que a proibia de emitir novos pareceres sobre os transgênicos.

– 04 jul – Ministro da Agricultura, Pratini de Moraes, afirma que o País está a beira do colapso no abastecimento de milho no Nordeste, e que a falta de ração deve reduzir a oferta e provocar aumentos no preço final dos frangos. De acordo com Pratini de Moraes, a decisão da justiça é “altamente contrária” aos interesses do País.

– 05 jul – A Advocacia Geral da União (AGU) pede ao Tribunal Regional Federal a suspensão da sentença da 6a Vara Federal do Distrito Federal que proíbe a CTNBio de conceder novos pareceres técnicos conclusivos antes de elaborar normas para segurança alimentar, comercialização e consumo de transgênicos no País.

– 06 jul – O presidente do Tribunal Regional Federal, juiz Tourinho Neto, decide pela manutenção da liminar da 6a Vara da Justiça Federal de Brasília que suspende o parecer técnico da CTNBio favorável ao uso do milho transgênico em ração animal.

– 06 jul – Pela primeira vez na história, o Governo Federal manifesta-se sobre os transgênicos. Em nota assinada por seis ministros, defende o uso de produtos geneticamente modificados no País. “O governo entende que o Brasil não pode ficar à margem dessa tecnologia, nem de qualquer outra que possa trazer benefícios ao País e aos seus cidadãos”, diz o texto.

– 06 jul – A Associação dos Avicultores de Pernambuco (Avipe) distribui frangos em Recife de graça, em protesto à retenção das 38 mil toneladas de milho transgênico. Segundo a Polícia Militar, o protesto reuniu cerca de 20 mil pessoas. O presidente da Avipe, Marcondes Farias, diz que a entidade resolveu doar as aves por falta de ração nas empresas. “Das 10 milhões de cabeças produzidas em junho, vamos baixar para 8 milhões em julho”, disse Farias.

– 06 jul – O presidente do Tribunal Regional Federal da 5a região, José Maria Lucena, suspende a medida liminar que impedia o desembarque do milho em Recife.

– 07 jul – O juiz substituto da 6a Vara Federal de Brasília, Carlos Eduardo Castro Martins, suspende a liminar que permite a entrada do milho transgênico e determina que a Polícia Federal apreenda toda a carga de milho transgênico que for desembarcada no porto de Recife.

– 10 jul – A Advocacia Geral da União entra com uma ação no STJ (Superior Tribunal de Justiça) pedindo a suspensão da execução da sentença da 6a Vara Federal de Brasília.

– 10 jul – A Advocacia Geral da União (AGU) consegue derrubar a liminar que proíbe que a carga de milho transgênico retida no porto fosse comercializada. “O STJ determinou que deve prevalecer a decisão do Tribunal Regional Federal da 5a Região, que estabeleceu, entre outras coisas, que seja levado em consideração o parecer conclusivo da CTNBio”, afirma o procurador da República Marcos Costa.

Aumentando a concorrência – A presente situação de proibição de desembarques de grãos, em função de denúncias de ONG”s da presença de transgênicos, cria um precedente que nos leva a olhar o cenário de oferta e demanda de milho sobre outros prismas (veja quadro).

Não se trata apenas de estabelecer graus de tolerância para importação de transgênicos, a questão é se os exportadores querem ou não produzir aves ou suínos livres de OGM”s. O Japão adotou nível de 5 % de tolerância para milho BT, o que significa que a carga pode ter até 5 % do Gene BT. A UE adotou tolerâncias de 1% para genes que tenham sido aprovados pela União. No entanto, fica difícil para um produtor/exportador anunciar que seus produtos são livres de transgênicos se as informações existentes dão conta que os grãos importados têm OGM”s. Vale notar que o Brasil não tira vantagem da produção de grãos transgênicos, nem está vendendo seus grãos ou produtos industrializados por preços melhores por serem não-transgênicos.

Existem no mercado alternativas para milhos transgênicos. Os Estados Unidos têm empresas que estão dispostas a exportar milho IP (Identidade Preservada _ não-transgênico) e milhos de valor agregado, desenvolvidos por genética convencional e portanto não-transgênicos (por exemplo, com alto teor de óleo). No entanto, qualquer programa de segregação ou MVA(milho de valor agregado) tem um preço maior, sendo no caso do milho IP, provocado pelos custos adicionais das operações de segregação.

Quando analisamos as diferenças entre as cotações de milho da Argentina e da Bolsa de Chicago (CBOT), notamos que existe ocasião em que o milho norte-americano é mais competitivo do que o Argentino. Normalmente, isto ocorre no último trimestre do ano que corresponde à entressafra no hemisfério sul. A tabela 1 mostra esta variação.

Como nos últimos meses do ano a competitividade do milho dos EUA é maior, a remoção da TEC de 11 % permitiria, aos avicultores e suinicultores, compensar os custos maiores em função da segregação ou dos MVA. Esta eliminação da TEC não diminuiria a importação da Argentina mas aumentaria a competição entre fornecedores, resultando em melhores condições de compra, principalmente aos produtores que não têm acesso ao draw-back. E evidentemente nas ocasiões de melhor preço nos EUA, os brasileiros poderiam tirar vantagem desta situação de mercado, o que não ocorre hoje.

Trangênicos – Mas existe uma outra questão que merece também ser abordada, que é a questão dos alimentos transgênicos. Todo o Brasil presenciou em junho, através de rede de televisão, uma denúncia de produtos transgênicos sendo oferecidos em supermercados. Uma entidade de defesa do consumidor (Idec) enviou amostras de produtos alimentícios a laboratórios na Áustria e Suíça e laudos confirmaram a presença de OGM”s em vários produtos.

É importante frisar que todos os produtos analisados eram de origem vegetal e nenhuma referência foi feita a este fato. Foram coletados e analisados alguns produtos de origem animal? Pelo que se soube, os produtos analisados foram aqueles em que o processo industrial não involve digestão e portanto não ocorre a hidrolisação total das proteínas mas apenas transformações físicas e portanto plausíveis da determinação de OGM”s. Segundo informações técnicas, é impossível se afirmar que um produto animal industrializado a partir de criação alimentada com transgênico contém em sua composição qualquer OGM.

As entidades de defesa do consumidor atacam os produtos transgênicos e dão a entender que o uso de grãos transgênicos ocorre no Brasil e, no entanto, as empresas produtoras destes grãos, como a Monsanto, e as integrações e associações de classes produtoras, não apresentam uma campanha de esclarecimento aos consumidores da qualidade dos produtos de origem animal no Brasil e sua biossegurança.

Por último, mas não de menor importância, gostaríamos de chamar atenção para os testes sendo utilizados na detecção de OGM”s em grãos ou alimentos. Gostaríamos de informar que existem, disponíveis na Internet, locais para se obter informações muito boas sobre o assunto. Como literatura fundamental recomendamos o livro Genetically Modified Pest-Protected Plants: Science and Regulation. O livro pode ser consultado no seguinte endereço: http://www.nap.edu/books/o309069300/html/. Outra publicação de especial interesse é Methods for Detection of GMO Grain in Commerce, disponível no endereço eletrônico http://www.acpa.org/public/issues/biotech/detecmeth.html

Ainda com relação aos testes, é preciso que se esclareça tanto aos consumidores como aos produtores, a natureza dos mesmos. O que são e qual a eficácia destes testes. Qual a real importância biológica da determinação de 0,34 % de um OGM numa batata frita? Temos recebido diversas consultas com relação a fabricantes de kits para testes de OGM”s. Para facilitar a análise daqueles que não tem acesso à internet , colocamos na tabela 2 alguns dos disponíveis no mercado, para grãos transgênicos.

SBPC manifesta-se sobre transgênicos

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) divulgou em julho, durante reunião da entidade em Brasília (DF), nota sobre os transgênicos. Nela, sustenta que existem incertezas quanto à liberação do uso dos organismos geneticamente modificados no País. Assinada por Glaci Therezinha Zancan, presidente da entidade, a nota diz ainda que a “introdução não-controlada” dos transgênicos pode provocar desequilíbrios no meio ambiente. “Há ainda um número enorme de indagações científicas sobre o uso das descobertas que têm sido feitas e precisam ser respondidas.”

A SBPC defende que os testes realizados no exterior não são “válidos” aqui e pede a rotulagem dos transgênicos, além do controle pela Vigilância Sanitária das importações de transgênicos. “Há efeitos importantes que não ocorrem em um meio, mas podem perfeitamente se manifestar em noutro”, explica. Na nota, os cientistas reivindicam a abertura total das pesquisas com transgênicos no País. “As empresas devem fornecer todos os dados sobre manipulação genética e análise de risco para o meio ambiente”.

Sobre o milho geneticamente modificado retido no Porto de Pecém, em Recife (PE), Zancan manifestou a seguinte opinião: – O milho para a ração animal pode ser liberado. Os animais também comem milho mofado. Nesse caso, não precisa ter esses estudos. Precisa, sim, de uma fiscalização eficiente. O impacto vai ser na ave que vai comer. Teremos que fazer uma grande experiência de campo com as aves de Pernambuco e ver como elas se comportam. Os animais têm um sistema de depuração tóxico. Ao receber um milho, se ele for tóxico, as aves vão morrer. Isso não passa ao ser humano, uma vez que essa substância acaba degradada. O que não pode é deixar passar o milho transgênico para a alimentação humana.

Conclusão – Além destes problemas inerentes à metodologia utilizada, gostaríamos de chamar atenção para o processo de amostragem. Uma carga de milho totalmente segregada da fazenda ao porto, se for embarcada através de esteiras que foram utilizadas em embarques de milho OGM, pode contaminar levemente a carga não-transgênica e se a amostragem não for muito bem feita pode indicar falsamente a identidade e qualidade da carga.

Concluindo, queríamos acrescentar que a rotulagem dos produtos contendo grãos geneticamente modificados, não faria nada mais que criar um cenário de produto bom/produto ruim, que somente serviria para assustar e confundir os consumidores, mais do que informá-los.

Produtos da biotecnologia não devem ser colocados em segundo plano ou negligenciados. O valor deles é inestimável. Eles são a chave para assegurar produtividade agrícola e promessa para o aumento dos estoques de alimentos e redução das perdas dos agricultores no mundo inteiro, diminuindo ou eliminando problemas de segurança alimentar causados por pragas e pesticidas químicos, ao mesmo tempo aumentando o valor nutritivo dos produtos.

Os novos desenvolvimentos na produção de alimentos, especialmente aqueles da biologia molecular, excitam os pesquisadores. A utilização deles é amplamente discutida tanto na literatura popular como na científica. Questões éticas e políticas são levantadas sobre os limites da responsabilidade humana. Pode o Homem brincar de Deus e criar novas espécies? A necessidade de se criar uma sociedade mais justa, em que todos possam ter acesso a uma boa alimentação, precisa ser a linha mestra de pensamento. Não se pode negligenciar nem a melhoria das práticas de manejo para o bem-estar dos animais nem a preservação ambiental. Todavia, mais importante é garantir níveis de produtividade que protejam a população da fome e má nutrição.

A moderna tecnologia agrícola assusta muita gente, mas a vida poderá ser muito mais apavorante sem ela.