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Milho transgênico

<p>Falta de regras para milho transgênico preocupa espanhóis.</p>

Redação (11/07/07) – "Você viu o que aquele britânico está dizendo? Que nós [europeus] vamos ficar para trás se não investirmos em transgênicos. Ele só pode estar louco", reclama o agricultor July Bergé, resmungando mais meia dúzia de palavras em catalão contra as recentes declarações do comissário para o comércio da União Européia, Peter Mandelson. 

Membro do Conselho de Produção Agrária Orgânica da Catalunha, Bergé é um ativista convicto contra os organismos geneticamente modificados (OGM) e costuma se apresentar como o "último produtor de milho orgânico" da Espanha. Ele tem "sete campos" de área plantada, o que há cinco anos representava 40 hectares com milho orgânico. Mas a combinação de forte seca nos últimos dois anos e o avanço dos transgênicos, que gerou incertezas, derrubou sua área plantada para 1,5 hectare. 

Em seu povoado de Bellcaire de Urgel, no sul da Catalunha, 85% dos produtores de milho optaram pelos transgênicos, atraídos pelos benefícios econômicos prometidos pela tecnologia. Como em outros países europeus, ainda não há na Espanha definição legal sobre a distância entre lavouras transgênicas e as demais, e o que se vê é uma colcha de retalhos onde campos orgânicos estão lado a lado de convencionais e transgênicos. 

Para não ter sua lavoura "contaminada", Bergé conta que passou a atrasar em um mês o seu plantio. "Faço ronda em toda a vizinhança e só começo a semear quando todos os outros já estão com plantas desta altura", diz ele, apontando para uma distância de quase um metro do chão. "Perco 30% da colheita, mas é a única forma de garantir a segurança do produto". 

Privilegiada pela abundância de água, a Catalunha desponta como o segundo maior produtor de milho transgênico na Espanha – a única cultura geneticamente modificada aprovada até agora no país -, com área plantada estimada em quase 17 mil hectares. À frente está a vizinha Aragão, com pouco mais de 30 mil hectares. 

O benefício da água, no entanto, é contrabalançado pelos ventos de 120 quilômetros por hora, que carregam com vontade sementes e pólen. E é aí que reside a principal discussão levantada pela biotecnologia na agricultura: é possível coexistirem culturas orgânicas, convencionais e transgênicas? 

A Espanha acredita que sim, embora não tenha chegado a uma definição sobre a área de recuo necessária para que a identidade genética das demais variedades seja preservada. A União Européia recomenda 25 metros. Por pressão de ambientalistas, os espanhóis estudam a distância de 150 metros. 

No Brasil, a discussão ganha peso com a aproximação da próxima reunião da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que deverá analisar a liberação do milho transgênico Liberty Link, desenvolvido pela Bayer CropScience. Há 15 dias, a Justiça Federal do Paraná suspendeu a aprovação comercial dessa variedade e condicionou a liberação a estudos para garantir a coexistência transgênica com culturas orgânicas e convencionais, além de regras para monitoramento pós-colheita. Além do Liberty link, variedades de milho da Monsanto e Syngenta Seeds aguardam aprovação. 

A área de recuo, que tem causado tanto polêmica na Espanha, é obrigatória no Brasil só para plantio experimental, com fins de pesquisa. Para o cultivo comercial – apenas soja e algodão foram aprovados – não há essa determinação. "Não há área de recuo porque a soja não tem polinização cruzada, portanto não há risco de contaminação", diz o advogado ambiental Antonio Monteiro, do escritório Pinheiro Neto Advogados. 

Para o milho, o colegiado da CTNBio estuda a distância de 400 metros entre uma lavoura transgênica e não-transgênica, considerado "mais que suficiente" para a preservação da identidade genética, segundo o pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo e vice-presidente da CTNBio, Edilson Paiva. Um número também controverso. 

"O vento carrega o pólen do milho a até três mil metros de distância. Nada pode parar as contaminações", afirma Juan Felipe Carrasco, coordenador de campanha de engenharia genética do Greenpeace Espanha. "A coexistência simplesmente não existe. O Brasil deveria olhar o que está ocorrendo com os transgênicos na Espanha". 

Um relatório do grupo, divulgado no ano passado, apontou casos de "contaminação" no país com as variedades de milho MON 810, da Monsanto, e Bt 176, da Syngenta Seeds. Ambas são resistentes a insetos. De lá para cá, outros casos foram levantados, e corre de boca em boca que cerca de 40 produtores de orgânicos já foram atingidos. 

Para Paiva, da CTNBio, o Brasil não teria problemas de "contaminação" como o do país europeu. Isso porque cerca de 60% do milho nacional é híbrido, o que significa que só pode ser plantado uma vez. 

"Não conheço casos oficiais de problemas com transgênicos", diz Jonathan Ramsey, diretor da Monsanto e de Comunicação de Biotecnologia da EuropaBio, associação européia de indústria de biotecnologia. "Os transgênicos são plantados sem problemas há anos. Por que agora alguns grupos de ativistas estão contra? Porque querem tirar a atenção do que está ocorrendo: os benefícios que os transgênicos trouxeram à agricultura". 

O maior temor dos agricultores espanhóis é que uma onda de escândalos afete seus negócios e, acima de tudo, a credibilidade da agricultura orgânica. "Começou com o milho, mas o governo espanhol já discute a introdução de uma variedade de batata transgênica", afirma Antonio Ruiz, do Conselho de Agricultura Orgânica de Aragón. "A nossa preocupação é que a liberação de transgênicos se alastre para outros produtos. Isso seria o fim dos orgânicos". Lavouras convencionais ou orgânicas também podem "contaminar" transgênicas. Mas, nesse caso, sem prejuízo comercial. 

De certa forma, essa preocupação espelha a situação em outros países do continente. Após uma moratória de seis anos contra os transgênicos, a UE planta variedades de chicória, cravo, fumo e milho transgênicos. No ano passado, a Eslováquia se tornou o sexto país a aderir aos alimentos geneticamente modificados. A Espanha continua na liderança, com cerca de 60 mil hectares, e a expectativa é alcançar os 100 mil neste ano. Nos demais, houve aumento expressivo de 1.500 hectares em 2005 para 8.500 hectares no ano passado. 

Em meio a essa avalanche de números, a opinião pública permanece titubeante. Sete em cada dez europeus dizem que não comeriam alimentos geneticamente modificados, aponta o jornal "Financial Times". Segundo a ONG Plataforma Transgnics Fora!, baseada na Espanha, já há mais de cem regiões autodeclaradas livres de transgênicos no continente. 

A pecuarista Assumpta Codinachs, pioneira na criação do "boi verde" para abate na Catalunha, sofreu duas contaminações na ração que dá ao seu gado. Na primeira vez, em 2003, uma amostra coletada pelo órgão regulador catalão detectou 0,7% de transgenia na soja misturada no composto. Em março deste ano a contaminação apareceu no milho – e era de 35%. "O milho foi comprado na França e tinha certificação", diz. Pela lei européia, alimentos orgânicos podem ter contaminação de até 0,9%.