Redação (6/4/2009) – Sem muito barulho, um milho transgênico, obtido no cubano Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia (CIGB), é cultivado de forma experimental como parte de um projeto que abrange as províncias de Sancti Spiritus, Havana, Matanzas, Ciego de Ávila e Santiago de Cuba. O CIGB, instituição líder no desenvolvimento cientifico de Cuba, pesquisa há vários anos a transgênese de várias plantas, em programas que, segundo seus diretores, são submetidos a rígidos controles de segurança biológica e ambiental. Mas a plantação experimental do milho transgênico disparou o alarme entre acadêmicos ligados ao setor agrícola.
O debate costuma ocorrer no fechado espaço de um congresso, encontros científicos ou aulas em universidades, e nem todo camponês parece saber do assunto. Tampouco é divulgada a forte controvérsia internacional sobre os riscos que os transgênicos poderiam representar para a saúde e a diversidade biológica. “Não entendo disso, mas aqui temos variedades muito boas, como esta que estou plantando, que se chama canilla. Tenho pouca terra (a oitava parte de um hectare), mas também posso cultivar alface, couve, alguns tubérculos, que me servem de alimento e posso vender aos vizinhos”, disse ao Terramérica Leonidas Sames, de um bairro da periferia de Havana.
Outro lavrador de Havana disse que “há pouca informação” sobre os transgênicos e reconheceu que não leu um artigo da imprensa estatal cubana anunciando o início, este ano, dos “testes de campo” com um grão crioulo resistente à lagarta-militar (Spodoptera frugiperda), principal praga do cultivo de milho. A modificação genética também tenta obter tolerância a um herbicida para alcançar maiores rendimentos, segundo disse à imprensa Raúl Armas, máster em Biotecnologia Vegetal na sede que o CIGB tem em Sancti Spiritus e coordenador do projeto nessa província.
O objetivo final é obter sementes que permitam sua extensão produtiva para consumo humano e animal, sempre e quando os órgãos competentes o aprovarem. Nesta primeira fase, serão semeados no total 60 hectares no país, informou o jornal estatal Juventude Rebelde. Sem desconhecer que Cuba precisa aumentar e adequar a condições climáticas adversas sua deficiente produção de alimentos, a aplicação desta tecnologia é rebatida especialmente por setores partidários de uma agricultura orgânica e do resgate e da melhoria de variedades autóctones mediante técnicas ecológicas.
Em sua defesa, cientistas do CIGB disseram que suas pesquisas não buscam lucro para a instituição, mas que a tecnologia seja usada racionalmente, sendo um complemento da genética convencional e de outras técnicas biotecnológicas importantes que estão sendo desenvolvidas aqui com bons resultados. “Vejo na liberação de transgênicos em Cuba uma grande ameaça para a diretriz agroecológica de conotação estratégica (não apenas conjuntural) de nossa política agrária”, disse ao Terramérica o professor Eduardo Freyre, da Universidade Agrária de Havana.
Entretanto, explicou que suas objeções “nada têm a ver com um descrédito” no que seu país está fazendo nesse campo, e atribuiu um “alto valor” ao trabalho dos pesquisadores do CIGB e seus esforços em oferecer “excepcionais garantias de biossegurança”. Sobre os potenciais riscos para a saúde, teme-se com razão que, talvez não a curto prazo mas a médio e longo, estes alimentos causem alergias, toxidade, dificuldades imunológicas, câncer, infertilidade e até alterações endócrinas, disse Freyre.
“E isso sem falar da possibilidade de contaminação transgênica, que coloca em risco as espécies silvestres e cultivadas não transgênicas”, acrescentou o professor, autor de um ensaio sobre o assunto, premiado pela revista teórica cubana Temas, que o publicará em uma de suas próximas edições. Em sua opinião, esta tecnologia “existe na medida de interesses transnacionais e do mercado”. Considerando seus potenciais riscos, para Cuba seria melhor se concentrar nas alternativas agroecológicas já em curso, embora não suficientemente exploradas.
A discrição de Havana sobre o assunto alcança as negociações para um acordo para estabelecer um regime internacional de responsabilidade e compensação diante de potenciais danos à biodiversidade do movimento transfronteiriço de transgênicos, que consta no Protocolo de Cartagena (2000), que foi ratificado por Cuba em 2002. Após dizer que desconhece a posição cubana nessas negociações, Freyre recordou que ainda não deram frutos e que entre os reticentes estão Estados Unidos e Argentina. “Se um acordo for alcançado, será muito bom para Cuba e a região”, disse. Por exemplo, poderiam acabar com as dúvidas sobre o milho importado dos Estados Unidos.
As negociações desse tema já duram cinco anos. Cuba foi um dos países do Grupo Latino-Americano e do Caribe (Grulac) que participou como “amigos dos copresidentes” da reunião realizada em fevereiro no México para negociar o texto desse regime. Silvia Ribeiro, porta-voz na América Latina do não-governamental Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração, com sede no Canadá, esteve nesse encontro como observadora e lamentou que o Grulac seja o bloco que mais claramente procura atrasar ou impedir um regime obrigatório de responsabilidade por danos.
“Cuba não falou muito na reunião, mas, por omissão, adota as posições do bloco, o que é grave”, disse Silvia ao Terramérica, do México, por correio eletrônico. É “lamentável” que após muitos anos de “posições bastante rígidas na questão da biossegurança, agora Cuba pretenda plantar milho transgênico em campo aberto, e para produzir sementes”, disse. “E consta que em Cuba há um forte debate sobre isso, e que os produtores orgânicos e muitos outros, incluindo acadêmicos, acreditam que se trata de uma decisão equivocada, que coloca Cuba e sua biodiversidade natural e de sementes em riscos desnecessários”, acrescentou a ativista.
O plantio de transgênicos no mundo começou em 1996, e a área semeada chega atualmente a 125 milhões de hectares. Ocupam os primeiros postos Estados Unidos, Argentina, Brasil, Canadá e China. No começo de março, o governo mexicano deu luz verde à plantação experimental de milho transgênico em seu território.