Depois de muito desdenhar o trigo brasileiro pelas suas características “pouco adequadas” à fabricação de pão, a indústria moageira nacional está agora disputando a tapa o cereal nativo, ainda em fase inicial de colheita. Com os preços internacionais do trigo disparando, os moinhos olham para o cereal brasileiro como uma boa oportunidade de negócio. Ontem, a importação de uma tonelada de trigo argentino chegava a São Paulo por R$ 790. O valor é pelo menos 20% mais alto do que o pedido no mercado brasileiro (R$ 650), segundo informações da consultoria Safras & Mercado.
O problema é que não é só a indústria brasileira que está de olho no trigo nacional. O mercado externo já cravou sua posição. Segundo levamento da Pilla Corretora de Cereais, de Porto Alegre, há neste momento 800 mil toneladas do cereal do Rio Grando do Sul – que será colhido a partir de outubro – vendido antecipadamente para exportação. O volume representa em torno de um terço da safra gaúcha, estimada em 2,6 milhões de toneladas. Na mesma época do ano passado, essa comercialização antecipada não superava 350 mil toneladas, segundo a corretora.
Como a colheita brasileira ainda está muito incipiente – no Paraná, apenas 2,5% da área foi colhida – e as importações, proibitivas, o aperto na oferta agonia a indústria. “Na média, os moinhos têm estoques para um mês. Por isso, os leilões do governo estão sendo muito procurados”, diz o presidente do Moinho Pacífico, Lawrence Pih.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) vendeu 491,5 mil toneladas de trigo desde fevereiro. No entanto, quase todo o volume (487 mil toneladas) foi realizado a partir de junho, com a alta das cotações internacionais do cereal, que acumula valorização de 33,45% na bolsa de Chicago, de acordo com o Valor Data.
A procura pelo trigo nacional estocado foi tanta que alguns lotes chegaram a ser vendidos com ágio de 17,5%. “Um lote de Ponta Grossa (PR) foi comercializado no leilão há uma semana a R$ 611 por tonelada, bem acima do preço de abertura, de R$ 520”, menciona o superintendente de Operações Comerciais da Conab, Elias Camargos.
Mas o que ocorre é que até os estoques da Conab estão curtos. Hoje, a companhia realiza outra oferta pública de 100 mil toneladas do cereal, o que fará com que o volume de produto armazenado caia para 653 mil toneladas, insuficiente para um mês de consumo brasileiro. Com uma produção de 5,5 milhões de toneladas, que atende apenas metade do consumo de 11 milhões de toneladas, o Brasil é um dos principais importadores de trigo do mundo.
Mas Camargos afirma não haver preocupações com o abastecimento no país pois, em duas semanas, começam a entrar no mercado volumes mais expressivos de trigo da safra paranaense. “Apesar da escassez global, vamos conseguir fazer novas aquisições da commodity ao longo da atual safra brasileira”, avaliou.
Ele afirma que a Conab deve realizar, no máximo, mais dois leilões de trigo, cada um ofertando 100 mil toneladas. “Depois devemos nos retirar para não atrapalhar os negócios com a entrada da safra”.
No entanto, a Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar) deve nos próximos dias fazer um pedido oficial ao governo para interromper imediatamente a realização de leilões. “A liberação dos estoques está atrapalhando a negociação entre produtores e indústrias”, diz Flávio Turra, diretor-técnico da Ocepar.
Até a última safra, o Paraná foi o líder nacional no plantio de trigo. Mas desanimados com os preços baixos dos últimos anos, seus produtores substituíram boa parte da área por cultivo de milho, perdendo a liderança neste ciclo para o Rio Grande do Sul. “Agora, estamos trabalhando com preços de R$ 700 por tonelada”, afirma Turra.
Os picos de preço indicados neste ano para o trigo brasileiro estão se aproximando dos alcançados no boom das commodities, em 2008, quando a tonelada do cereal chegou a valer quase R$ 800″, lembra o especialista da Safras & Mercado, Élcio Bento.