Uma desvalorização mais acentuada do real frente o dólar pode ter um efeito negativo sobre os preços internacionais de algumas das commodities em que o Brasil ocupa uma posição de destaque no mercado internacional. É o caso de produtos como açúcar, café e soja.
Desde novembro de 2011, o dólar subiu 9,6%, para R$ 2,0752 no fechamento de ontem. Nos últimos dias, especulou-se que o governo – disposto a estimular as exportações de manufaturados – teria interesse em permitir uma valorização maior, para o patamar entre R$ 2,20 e R$ 2,30.
De modo geral, o dólar mais forte é comemorado pelos exportadores, que passam a receber mais reais pelos seus produtos. No entanto, o efeito sobre os preços externos de algumas matérias-primas pode neutralizar parte desse ganho. “O enfraquecimento do real é sempre baixista sobre aqueles mercados em que o Brasil é dominante”, afirma Shawn Hackett, presidente da corretora que leva seu nome, na Flórida. Segundo ele, essa influência pode ser intensificada se o câmbio romper definitivamente a barreira em torno de R$ 2,11 (US$ 0,4740 por real).
A razão é simples: quando o câmbio se desvaloriza, o exportador passa a receber mais reais para cada dólar que exporta – um estímulo à venda. Com isso, o mercado externo tende a se ajustar a fim de reequilibrar oferta e demanda em um novo patamar de preço.
A influência do nosso câmbio é mais evidente em alguns dos mercados agrícolas ‘tropicais’ – casos do café arábica e do açúcar, nos quais o Brasil tem uma participação de aproximadamente 40% e 65% nas exportações totais – e menos relevante, embora crescente, nos mercados de grãos – onde os Estados Unidos são a principal referência dos agentes.
Segundo levantamento do Valor Data, a relação entre a taxa de câmbio e os preços internacionais de café arábica e açúcar nos últimos 12 meses foi inversa na proporção de 79% e 80%, respectivamente. “Parte dos compradores aproveita o real desvalorizado para tentar baixar as cotações, cientes de que dólar mais forte pode compensar a perda ao produtor. É algo natural da precificação”, afirma Lúcio Dias, superintendente da Cooxupé, maior cooperativa de café do país.
Alexandre Oliveira, analista da Newedge USA, em Nova York, lembra que a desvalorização do real estimula as exportações de açúcar a partir do Brasil. “Se o dólar for a R$ 2,10, ou R$ 2,14, o açúcar pode cair até a uns 18 centavos de dólar por libra-peso [ante 19,23, ontem] em Nova York. Ainda assim, pode compensar a venda”, afirma.
É importante ponderar: o câmbio é apenas um dos fatores a influenciar a formação dos preços das commodities. Oferta e demanda, clima, custos, liquidez internacional, aversão ao risco e apostas especulativas interagem todos os dias nas bolsas de Chicago e Nova York.
Por essa razão, a alta do dólar frente o real foi insuficiente para compensar a queda de 36% dos preços do café na bolsa de Nova York no último ano, efeito de uma produção recorde no Brasil e da demanda enfraquecida – mesmo convertidos em reais, os preços da commodity acumulam queda de 27% no período. Já o açúcar, que cedeu 14,4% em dólar, acumula queda de 6,2% na moeda brasileira.
A atuação de outros fatores é ainda mais evidente no caso da soja, principal item da pauta de exportações do agronegócio brasileiro. Neste caso, o câmbio apenas reforçou a tendência de alta dos preços em Chicago, influenciada principalmente pela quebra da safra nos EUA, maior produtor mundial. Nos últimos 12 meses, a correlação entre a commodity e a taxa brasileira de câmbio ficou positiva em 70%. Por essa razão, os preços subiram 28,8% em dólar e 41,1% em real desde então.
Vinícius Ito, analista da Jefferies Bache, em Nova York, afirma que a influência do câmbio sobre os preços da soja é mais relevante durante o período de comercialização da safra brasileira. “Nos últimos meses, esse efeito do câmbio foi pequeno porque o Brasil não tinha muita soja para vender”, ponderou. No entanto, em novembro, a correlação entre a taxa de câmbio e a cotação da soja voltou a ficar inversa, em 83%.
Alguns economistas discordam, porém, que uma valorização do dólar ante o real possa ter efeito relevante sobre os preços internacionais das commodities. “Se é verdade que o dólar valorizado faz crescer a receita do exportador, também é verdade que afeta a pauta de custos agrícolas, que é um componente do preço final”, destaca Amaryllis Romano, analista da Tendências Consultoria.
Fábio Silveira, sócio-diretor da RC Consultores, também vê limites para esse efeito. “O mercado de commodities agrícolas é pouco elástico. A oferta e a demanda sofrem poucos ajustes em virtude das oscilações de preço e câmbio ao longo de um ano. Os fundamentos são mais importantes”.