As águas da superfície do Oceano Pacífico voltaram a se aquecer com rapidez nas últimas semanas e reforçaram o sinal de alerta de climatologistas e investidores para a possibilidade de ocorrência do fenômeno climático El Niño no segundo semestre deste ano.
Desde março, o fenômeno voltou a constar nos relatórios de meteorologia e de análise de commodities, já que o fenômeno altera a correlação de chuvas e massas de ar em todo o mundo e pode resvalar na produção agrícola. Ontem, foi feito um novo alerta pelo Escritório de Meteorologia da Austrália, que calcula em 70% a chance de ocorrência de El Niño a partir do inverno no Hemisfério Sul.
Em avaliação de março, a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA), indicava que essa possibilidade era de 52%. Também em março, o JP Morgan Chase divulgou que era forte a tendência de ocorrência do fenômeno.
Desde o início do ano, as temperaturas médias do Pacífico já subiram de 2 a 3 graus Celsius na parte central e leste do oceano. Em 2009, quando foi observada uma ocorrência moderada do fenômeno, as temperaturas estavam 4 graus Celsius acima das médias históricas. “É quase certeza que o El Niño vai voltar”, disse aoValor Marco Antônio Santos, agrometeorologia da Somar.
Para ele, entretanto, se o fenômeno se confirmar a ocorrência deverá ser de “tiro curto”, já que não é todo o Pacífico que está com temperaturas superficiais acima da média.
As últimas duas ocorrências expressivas do fenômeno foram nos biênios 1982-1983 e 1997-1998. Em ambas, o El Niño provocou forte seca no leste e no sul da Austrália, o que prejudicou a produção de cereais e a pecuária. Para este ano, o JP Morgan considera que a seca que ocorre naquele país desde o início do ano deverá se prolongar e reduzir a produção de grãos. A atual estiagem, que já fez pecuaristas australianos acelerarem o abate de bois, pode agravar a crise do setor. Além disso, a seca também pode afetar a qualidade do trigo produzido no país, que é o segundo maior exportador do cereal.
A seca também pode alcançar o Vietnã, maior produtor e exportador global de café robusta. Segundo analistas, uma estiagem durante o inverno e a primavera no país poderá reduzir a oferta do produto.
Outra consequência do fenômeno é o enfraquecimento das monções na Ásia, que de junho a agosto provocam fortes chuvas na Índia, segundo maior produtor de açúcar do mundo. O El Niño pode resultar “em poucas chuvas e redução da produção agrícola”, segundo o JP Morgan.
No mundo ocidental, o evento climático poderá aumentar as chuvas em áreas do sul dos EUA no segundo semestre. Em 2009, as precipitações prejudicaram as colheitas de soja, milho e algodão, mas não chegaram a prejudicar o volume produzido.
A situação foi pior na América do Sul naquele ano. O El Niño costuma tornar o clima da região mais quente e chuvoso, atrapalhando colheitas de inverno e primavera e o plantio de grãos colhidos no verão. Em 2009, o excesso de umidade gerou o aumento das floradas nos cafezais e reduziu a qualidade de frutas cítricas, o que resultou em menor produtividade em ambas as culturas.
No ano passado, a ocorrência ligeiramente anormal de chuvas a partir de meados de junho, época de início de colheita de café, fez os contratos do arábica subirem de US$ 1,40 para US$ 1,90 por libra-peso na bolsa de Nova York, observa Carlos Costa, da consultoria Pharos.
No caso do açúcar, as chuvas também podem reduzir o teor de sacarose na cana (ATR) e diminuir a produtividade da planta para a produção de açúcar. Segundo Marco Antônio Santos, da Somar, o último El Niño moderado provocou fortes chuvas entre junho e dezembro de 2010 no Brasil e fez o ATR ficar em 130 por tonelada de cana colhida no país. Em 2013/14, o teor ficou em 133,37. Em 2009, as precipitações também foram intensas no Sul do país e prejudicaram a qualidade do trigo.