Redação (13/11/2008)- O trator da foto ao lado anda a uma velocidade de 5 quilômetros por hora. Sua plantadeira abre 13 fileiras de sulcos na terra, distantes 45 centímetros uma da outra, nas quais vai largando as sementes de soja que mais uma vez atestarão Mato Grosso como o maior produtor da oleaginosa do país. A soja, por sua vez, é o principal produto de exportação do agronegócio brasileiro. Sozinha, uma reles semente conta a história de uma safra personificada pelas unhas roídas dos agricultores.
A semente foi ao solo já de cabeça baixa. Na safra 2008/09, a produtividade esperada para a cultura em Mato Grosso deverá ser menor que a da temporada 2007/08. Muito por culpa do adubo – ou da falta dele. O preço dos fertilizantes oscila conforme os humores da cotação do petróleo, que atingiu picos históricos no terceiro trimestre, quando as compras de insumos para a safra são feitas. O petróleo despencou desde então, mas o peso para o produtor permanece, já que a taxa de câmbio entre real e dólar subiu – a maior parte do mercado é abastecido com fertilizantes importados.
Para uma produtividade de 50,75 sacas de soja por hectare – abaixo da média de 52,4 sacas da safra 2007/08 -, os custos em Mato Grosso ficam entre R$ 650 a quase R$ 800, a depender do pólo de produção do Estado, segundo cálculos do Instituto Mato-grossense de Economia Agrícola (Imea). Menos fertilizante, mais reza para São Pedro. Que a chuva fique nos conformes e ajude a compensar, ao menos em parte, a diminuição do uso de adubo.
Ao menos nisso, um alento. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) prevê chuvas regulares para todo o Centro-Oeste em novembro, dezembro e janeiro, o que favorece a agricultura. Para Mato Grosso, nesses três meses, são esperados 900 milímetros de precipitações, volume bastante satisfatório para essa época do ano e, é claro, para a lavoura.
Lá vai o trator, lá vai a semente. E vão com atraso. No Centro-Oeste, em outubro, houve acúmulo de 40 milímetros de chuvas, volume bastante inferior à média histórica para o mês, de 170 milímetros. Depois das chuvas habituais do período entre o fim de setembro e o começo de outubro, com o solo mais úmido, é que a semeadura se acelera.
O atraso da descida da semente ao solo ocorreu menos pela demora da chuva em alguns pólos de produção e mais pela oferta modesta de crédito aos agricultores. Seja pela crise global, seja pela oscilação vertiginosa do preço da soja no mercado internacional, que tornou fosco o cenário para o cálculo de custos e projeção de margens, os financiadores ficaram mais arredios. Levantamento realizado em julho pela consultoria Agroconsult mostrou que, em Mato Grosso, as tradings financiarão 34% do custeio total da safra de soja do Estado. Em 2007/08, essa fatia foi de 53%.
O produtor Olívio Frick fala por si, por suas sementes e pelas de todo o Mato Grosso. Em Alto Araguaia, no sudeste do Estado, cultiva soja em 2,5 mil hectares. Na primeira semana de novembro, havia semeado em apenas 300 hectares, um contraste com a safra 2007/08, quando, nessa mesma época, o plantio em sua área já estava praticamente concluído.
Segundo ele, não será possível concluir a semeadura ainda nesta primeira quinzena de novembro – lavouras de Mato Grosso plantadas até o dia 15 costumam ser as de melhor produtividade. "Estou pensando em quitar dívidas e, no futuro, largar a lavoura. É uma pena", afirma, para, ao questionar, argumentar: "Mas o que se há de fazer?" Na vida acadêmica, suas duas filhas optaram pelas carreiras de medicina e direito. "Uma delas queria seguir a agricultura, mas por mim, e não por ela. Mas, se é só por mim, que não faça. É melhor".
Frick partiu do Rio Grande do Sul natal e chegou a Mato Grosso no dia 21 de agosto de 1976, um sábado. "Na quarta-feira eu já tinha um trator", lembra. "No tempo daquele alemão [o ex-presidente Ernesto Geisel] a coisa era mais fácil", fala ele em sua lógica própria. "A gente tinha calcário para jogar até nas pedras".
O calcário, mineral usado para corrigir a acidez do solo, já estava no campo quando, com atraso, o trator iniciou sua jornada (aos 5 quilômetros por hora, uma semente de quando em quando, 13 sulcos distantes 45 centímetros um do outro). Sobre o trator e no apoio, mão-de-obra que custa, na média, R$ 13,58 por hectare em Diamantino, um dos pólos da sojicultura de Mato Grosso, e R$ 22,92 em Sorriso.
A semente que o trator libera custaria R$ 60,55 por hectare no município de Sorriso e R$ 115,50 em Sapezal, em cálculos que têm sempre como parâmetro uma produtividade de 50,75 sacas por hectare. Semente que tem demanda firme, apesar dos pesares, de acordo com a Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem). Seu consumo deverá crescer 20% neste ano, segundo a entidade. O volume de 2007 foi de 950 mil toneladas.
Dos insumos, a compra de defensivo – ou "veneno", para os íntimos – costuma sempre ocorrer depois. Os levantamentos trimestrais feitos pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA) vinham atestando queda na chamada relação de troca – paulatinamente caiu o número de sacas de soja necessárias para comprar o "coquetel" usado na lavoura. O preço do glifosato, herbicida largamente usado nas plantações, em contrapartida, subiu – e, como no caso do adubo, também na cauda do petróleo. O petróleo caiu, mas, com a valorização do dólar, o glifosato em particular e os defensivos em geral, quando importados, tendem a ficar mais caros.
Lá vai o trator, lá vai a semente. "Dá até um desânimo", diz o técnico agrícola de prenome Reginaldo. "A coisa está difícil este ano". Ao discorrer genericamente sobre os empecilhos da safra, fala de fertilizante, de plantio atrasado. Suas entrelinhas, contudo, falam de bolsa de Chicago, de contratos futuros, de margem de comercialização, de fundos de hedge – que incharam o volume de negócios na busca por rentabilidades que estavam acima das obtidas na compra e venda de outros ativos, como ações de empresas – e o estouro da inflação das commodities agrícolas, do famigerado gargalo logístico no escoamento da produção agrícola brasileira.
O lacônico "dá até um desânimo" também se explica pelo ritmo moroso das vendas da soja. A comercialização antecipada da oleaginosa é um dos caminhos para o produtor financiar seu plantio, mas a ferramenta não apresenta na safra 2008/09 o vigor do ciclo anterior. Primeiro, os financiadores recusaram-se a acertar a compra de soja quando, no início do semestre, seu preço superou os US$ 16 por bushel (medida que equivale a 27,2 quilos) na bolsa de Chicago, referência para a formação de preços.
Veio a crise global, veio o tombo da soja. Como os custos dos produtores subiram de uma safra a outra, e como a cotação do grão recuou, eles é que agora aguardam o momento de efetuar as vendas, à espera de preços melhores. Balanço da Agência Rural apontou que, até agosto, 16% da produção prevista para o país já havia sido comercializada. Na mesmo época de 2007, a venda já havia chegado a 38%.
A alta do dólar pode encarecer os insumos importados. Por outro lado, tende a elevar a receita com as exportações. No câmbio de R$ 1,80 de setembro, conseguiria-se US$ 338,98 por tonelada com o embarque ao exterior da soja que parte de Sorriso, segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Agrícola. Os produtores esperam que a alta do dólar ajude a compensar os percalços do caminho.
Tome-se o cenário hipotético de custos e receitas do pólo de Diamantino. A receita por hectare calculada pelo Imea em setembro era de US$ 752,49 por hectare. Os custos variáveis (sementes, defensivos, fertilizantes, mão-de-obra capital de giro, armazenagem), por seu lado, chegavam a US$ 943,05 para uma produtividade esperada de 50,75 sacas por hectare. Rentabilidade negativa de 20% sob esse cenário. Os números variam para mais ou para menos a depender da localização do município – muito por conta do maior ou menor gasto com o óleo diesel do transporte da carga -, mas o fio da meada é o mesmo.
Petróleo, fundos de hedge, chuva, oscilação do câmbio e das commodities agrícolas, vendas antecipadas, crise global, encarecimento do veneno, "dá até um desânimo", comércio exterior. Uma semente não é só uma semente. Mas lá vai o trator.