Redação (06/09/06)- A soja é a fonte mais barata de proteína do mundo. O complexo soja ocupa o primeiro lugar na nossa pauta de exportações, gerando tecnologia, riqueza e empregos do Rio Grande do Sul ao Maranhão. O crescimento da demanda mundial provocou uma expansão da soja nos cerrados brasileiros, gerando conflitos entre ministérios, produtores, indústrias e ONGs ambientalistas. A acusação central é que a soja seria um dos principais vetores da destruição da floresta amazônica. Uma verdadeira guerra de mapas e fotos de impacto ganhou espaço na mídia internacional. Algumas ONGs adotaram a estratégia de tentar convencer compradores europeus de grãos e empresas como a McDonalds de que, ao comprar produtos derivados da soja brasileira, estariam promovendo a destruição da floresta.
Basta estudar um pouco a matéria para verificar que a caótica ocupação da floresta não se origina da soja, mas sim da indefinição de direitos de propriedade, da ausência de fiscalização e do corte ilegal de madeira, que prospera na região. Quase metade da Amazônia Legal é formada por terras devolutas, sujeitas a constantes invasões de posseiros e grileiros, que desmatam a floresta para garantir a posse. Em 2005, a soja ocupou apenas 1,4% da área da Amazônia Legal e ínfimos 0,3% do bioma amazônico. Costuma-se fazer muita confusão entre bioma amazônico e Amazônia Legal. Esta última é apenas uma construção jurídica criada com objetivos fiscais no governo Getúlio Vargas, em 1953, que abarca nove Estados, 61% do território nacional e oito diferentes biomas. 80% da soja produzida na Amazônia Legal é oriunda de áreas de cerrado de Mato Grosso.
Ao contrário do que se costuma dizer, a soja melhora a qualidade dos solos e o padrão de vida das comunidades aonde chega. Graças à sua capacidade de fixar nitrogênio no solo, a soja aumenta a produtividade da agricultura e das pastagens. A integração lavoura-pecuária já é um novo paradigma em marcha na agricultura brasileira. Além disso, a soja utiliza mais insumos e gera mais empregos que outras atividades. O padrão de vida dos municípios onde se cultiva a leguminosa é visivelmente superior, o que pode ser comprovado na listagem das cidades com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Outra acusação freqüente é o fato de a soja representar uma monocultura em expansão. Este problema advém de dois fatores alheios à vontade do produtor: a precariedade da infra-estrutura de escoamento e o protecionismo mundial. Acontece que a principal cultura que deveria fazer rotação com a soja é o milho, que, contudo, se inviabiliza pelo maior custo proporcional do seu frete para a exportação.
Ao mesmo tempo, o protecionismo impede o Brasil de diversificar e adicionar valor aos produtos exportados. Soja e café em grãos são mercados abertos no mundo. Já os óleos vegetais, as carnes e os lácteos são dominados por altas tarifas, não raro acima de 100%, escaladas tarifárias, cotas de importação, salvaguardas e barreiras não-tarifárias. Não houvesse o protecionismo e os problemas de infra-estrutura, o Centro-Oeste mostraria uma paisagem muito mais diversificada e ambientalmente equilibrada, composta por produtos de maior valor adicionado dirigidos à exportação.
Vale ainda lembrar que os subsídios para conservação, abandono de cultivo ou plantio de florestas somam US$ 2,6 bilhões ao ano nos EUA e 6,6 bilhões na União Européia. Já no Brasil, os produtores são obrigados a manter como reserva legal 20% da área das suas propriedades no Sul e no Sudeste, 35% no cerrado e 80% na floresta amazônica, sem nenhum incentivo financeiro do governo.
Apesar de todos estes fatos, nas últimas semanas agentes da cadeia da soja deram passos decisivos na direção de um maior desenvolvimento sustentável do setor. No dia 24 de julho, as indústrias processadoras e os exportadores de soja resolveram adotar uma inédita “moratória” de dois anos durante os quais não se vão comercializar grãos oriundos de novas áreas desflorestadas no bioma amazônico. Elas se propuseram também a buscar meios para que os produtores a cumpram com a legislação em vigor e a estudar novas regras de conduta para operar naquela região. Pesquisadores do renomado Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) afirmaram que essa foi uma medida histórica inigualável na Amazônia, que inaugura a fixação de critérios privados de conduta, que deverão produzir resultados muito mais eficientes do que os obtidos pela precária estrutura de fiscalização.
Na semana passada, representantes de produtores, indústrias, ONGs e governos se reuniram em Assunção no 2 Fórum Global sobre Soja Responsável (RTRS). A reunião resultou na criação de uma entidade independente que vai desenvolver princípios, critérios e indicadores para equilibrar desenvolvimento econômico, eqüidade social e sustentabilidade ambiental na produção mundial de soja, à semelhança do Forest Stewardship Council (FSC), da área florestal, e da Mesa Redonda sobre Óleo de Palma Sustentável (RSPO).
É certo que numa ponta ainda há produtores que, por ignorância ou má-fé, desmatam sem nenhum critério, passando por cima da legislação brasileira, da diversidade biológica e do bom senso. Na outra ponta, ainda há grupos radicais que insistem em manter a região intacta, sem levar em conta que há 23 milhões de pessoas vivendo numa área que carece de leis coerentes, direitos de propriedade e fiscalização. A única maneira de promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia é o diálogo maduro e construtivo, despojado de ideologias e preconceitos. Um esforço concentrado para, de um lado, tentar gerar valor para a floresta em pé e, do outro, estabelecer princípios e critérios para o desenvolvimento sustentável da agropecuária, envolvendo diferentes órgãos do governo, ONGs e todos os segmentos das cadeias produtivas.