Enquanto os produtores de soja do Centro-Sul do país preparam as plantadeiras para semear a nova safra 2014/15, em Roraima são as colheitadeiras que ganharão os campos dentro de poucos dias. Com áreas produtoras situadas no Hemisfério Norte do planeta, o Estado respeita o mesmo calendário agrícola que os EUA e caminha a passos modestos, mas firmes, para se tornar um pequeno Mato Grosso encravado no extremo norte do Brasil.
Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/Mdic) confirmam a escalada da soja em Roraima. Entre janeiro e julho, a commodity foi responsável por 88,8% da receita total do Estado com exportações (ou US$ 15,67 milhões), desbancando a madeira, anteriormente o principal produto. O que faz de Roraima o mais novo eldorado da soja é a atraente combinação entre terra barata, clima favorável, cultivares adaptadas à baixa latitude e facilidade logística.
A maioria das fazendas está concentrada num raio de 100 km da capital Boa Vista, nos municípios de Alto Alegre e Bonfim. “Estamos a 800 km de Manaus. Já Mato Grosso está a 2 mil km de qualquer porto”, compara Alvaro Luis Calegari, secretário de Agricultura de Roraima. Mas da porteira para dentro há semelhanças com o maior Estado produtor de soja do Brasil, a começar pelo fluxo migratório de agricultores, a maioria vinda do Sul do país.
O gaúcho Afrânio Vebber, 44 anos, é um dos pioneiros da soja em Roraima. Ainda criança, saiu de Getúlio Vargas (RS) para Rio Verde (GO), mas em 2000 a família decidiu comprar uma propriedade no Estado do Norte, onde iniciou o cultivo do grão quatro anos depois. “Me arrependi de não ter vindo antes. Lá [em Goiás] eu arrendava e a terra aqui é minha”, diz Afrânio, que toca os negócios junto do irmão Marciano e detém o título de maior produtor local, com quase 2 mil hectares em Alto Alegre.
Depois de um período difícil entre 2005 e 2010, quando a queda nos preços da soja retraiu o plantio, os Vebber voltaram a investir. Adquiriram um pivô para irrigação, ampliaram a área semeada e, com isso, preveem rendimentos crescentes. Na colheita que terá início em cerca de 10 dias, Afrânio prevê uma média de 55 sacas por hectare, à frente das 53 sacas do ciclo passado – a média brasileira foi de pouco mais de 47 sacas em 2013/14, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Os custos têm ficado entre 35 e 40 sacas por hectare, e as cotações atuais, entre R$ 63 e R$ 65 por saca. “Somos favorecidos por produzir na entressafra do restante do país e apenas soja não transgênica, cujos prêmios variam de 3% a 8% sobre cotação em Chicago”, explica.
O plantio de variedades convencionais transformou-se em chamariz adicional para a soja de Roraima. “No ano passado, um grupo de russos veio aqui e comprou toda a produção”, conta Vicente Gianluppi, pesquisador da Embrapa local. A instituição estuda a oleaginosa no Estado desde a década de 1980 e, concentrando esforços de pesquisa, driblou um rendimento inicial que não superava as 30 sacas por hectare. Atualmente, a cultivar BRS Tracajá domina a produção local. “Fizemos uma parceria com Embrapa Cerrados e Fundação Cerrados para criar variedades mais modernas. Estamos testando materiais mais resistentes para dar suporte tecnológico a essa nova fronteira”, afirma Gianluppi.
Este ano, foram plantados 18 mil hectares com soja em Roraima, área semelhante à que um produtor médio de Mato Grosso tem sozinho. Mas os planos são ambiciosos. A expectativa é dobrar o número de produtores já na próxima safra – hoje, são cerca de 35 – e acrescer 20 mil hectares por ano à cultura. “Acredito que 100 mil hectares já compense a instalação de uma processadora. Estamos numa ascendência irreversível, com muita gente vindo para cá”, diz Calegari.
O agrônomo Alcione Nicoletti é um dos recém-chegados. Ele produzia soja em Mato Grosso, mas viu vantagem no preço da terra e decidiu se mudar para a região há pouco mais de um ano e meio. “O hectare em Roraima é negociado a R$ 2 mil. Em Lucas do Rio Verde, a R$ 20 mil”, compara. Nesta safra, Nicoletti semeou 1,6 mil hectares e, para a próxima temporada, planeja chegar a 2,2 mil hectares. “O custo de produção é de 10% a 15% superior ao de Mato Grosso, mas a rentabilidade compensa. Fora a elevada média de luminosidade, que ajuda a aumentar o teor de proteína e óleo da soja”.
O produtor está ‘consorciando’ soja e criação de bovinos com bons resultados. Para isso, tem antecipado o plantio da oleaginosa. Normalmente, a semeadura em Roraima se concentra em maio, mas adiantar os trabalhos em 15 dias facilita o calendário da pecuária. Na prática, quando a soja é colhida, planta-se a pastagem e 30 dias depois coloca-se o gado bovino para engordar. Os animais permanecem ali por 120 dias, até irem para o abate e darem novamente lugar à soja.
Conforme o secretário de Agricultura de Roraima, existe um milhão de hectares disponível para a produção agrícola no Estado – uma área com “pouquíssimas árvores, que não têm aproveitamento comercial”, o que facilita a abertura das lavouras, diz. “Os plantios não estão na selva amazônica, apesar de estarmos inseridos no bioma amazônico”.
O desenvolvimento de atividades agrícolas no entorno da Amazônia sempre gera desconfianças, não apenas de entidades ambientais mas também dos compradores. Calegari antecipa-se às críticas e ressalta o “rigor” com que a questão tem sido tratada, com respeito às áreas de proteção permanente (APPs) e à reserva legal, que na região obriga o resguardo de 35% da área total. “Há pessoas de fora que acham que estamos destruindo a Amazônia para plantar soja, o que não é verdade. E temos 100% das áreas licenciadas, não há nada clandestino”, assegura.