No fim dos anos 90, quando o cultivo de soja transgênica era proibido no Brasil, milhares de produtores gaúchos contrariaram a lei e importaram sementes contrabandeadas da Argentina. Ninguém queria perder os ganhos de produtividade prometidos pela semente Roundup Ready (RR), desenvolvida pela Monsanto, que oferecia resistência a herbicidas à base de glisofato. Por causa de sua origem, ela ficou conhecida como “soja Maradona” – e algumas estimativas indicavam que 80% do cultivo no Rio Grande do Sul era de transgênicos, antes mesmo de sua regulamentação, em 2004.
Agora, o campo argentino espera uma situação inversa. A Monsanto aguarda o aval da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para lançar, no mercado brasileiro, a Bt RR2 – uma nova geração de semente, desenvolvida especialmente para o Mercosul e resistente não apenas ao glifosato, mas aos danos provocados pelos ataques de lagartas, com ganho de rendimentos em torno de 10%.
Sem conseguir cobrar royalties dos produtores argentinos, a multinacional Monsanto descarta vender sua nova tecnologia no país vizinho enquanto não chegar a um acordo. Resultado: os produtores avisam que vão contrabandear a semente do Brasil – e já deram até um nome a ela. É a “soja Ronaldinho”, ignorando a ausência do jogador gaúcho, ex-melhor do mundo na Copa da África do Sul.
“A não ser que ponham um chip em cada grão de soja, o contrabando será incontrolável”, diz Santiago Oneto Gaona, um grande produtor na Província de Santa Fé. Gaona paga royalties em dia aos fornecedores de sementes, como apenas uma minoria dos agricultores na Argentina, e é frequentemente escolhido para fazer cultivos experimentais das empresas. Por isso, afirma ser um dos maiores interessados em que a Bt RR2 seja vendida legalmente no país.
Para ele, caso isso não ocorra, a Monsanto tende a tornar-se a grande prejudicada. “Se (a semente) pegar em lugares como Mato Grosso ou Goiás, não tenho a menor dúvida de que no plantio seguinte estará no norte argentino, onde o clima é bastante parecido. Se vocês tiveram a soja Maradona no passado, nós poderemos ter a soja Ronaldinho, o que só demonstra o atraso em que se encontra o nosso sistema de propriedade industrial”, acrescenta Gaona.
O diretor do Programa de Agronegócios da Faculdade de Agronomia da Universidade de Buenos Aires (UBA), Fernando Vilella, sublinha dois aspectos importantes para o mercado de sementes. O primeiro é o fato de que, segundo ele, só 25% a 30% das sementes plantadas na Argentina pagam royalties para realimentar o processo de pesquisas tecnológicas. O restante é produto da colheita anterior e passa a ser usada, sem pagamento de royalties, no plantio seguinte. “Os produtores se queixam da insegurança jurídica no país, mas também preferem escapar dos mecanismos de cobrança”, disse Vilella ao Valor.
O segundo aspecto diz respeito à lei. “O tratamento à propriedade intelectual na Argentina não está de acordo com a necessidade de avanço. E as legislações devem acompanhar a necessidade de incorporar mais rapidamente o progresso genético que está chegado ao mercado”, afirma Vilella. Por isso, ele acredita que a “soja Ronaldinho” pode chegar à Argentina, independentemente da vontade da Monsanto. “Se um produtor vê a possibilidade de melhorar seus rendimentos, ele tentará fazer isso, legalmente ou não”, completa.