Da Redação 14/04/2005 – A nova Lei de Biossegurança, já sancionada pelo presidente Lula mas ainda à espera de regulamentação, está longe de representar o fim das batalhas judiciais envolvendo organismos geneticamente modificados (OGMs) no país. A própria regulamentação da lei é alvo de disputas, e o campo para controvérsias é ainda mais rico quando o assunto é a venda de alimentos com ingredientes transgênicos ou a fiscalização do uso da tecnologia, das lavouras ao varejo. Nas últimas semanas, subiu o tom nas discussões envolvendo os principais portos que escoam as exportações brasileiras de soja, tendo Paranaguá como pivô e a promessa de mais imbróglios pela frente.
No momento, as reclamações mais agudas em relação ao porto paranaense vêm do Centro-Oeste, onde o governo do Mato Grosso do Sul ensaia um confronto com o vizinho para abrir Paranaguá aos grãos transgênicos. Antes da decisão da semana passada do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou a inconstitucionalidade da lei estadual que veta cultivo, industrialização e comercialização de OGMs no Paraná, o procurador-geral do Mato Grosso do Sul, José Wanderley Bezerra Alves, havia preparado uma ação de reclamação para assegurar a eficácia da decisão do STF. Agora, espera sinal verde do governador José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT, para dar continuidade ao trabalho. “Não pode haver descumprimento a uma ação do Supremo e o embarque de transgênicos em Paranaguá deve ocorrer normalmente”, sustenta Alves.
Não é essa a interpretação do governador paranaense Roberto Requião (PMDB). A decisão do STF, tomada a partir de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade – uma ajuizada pelo Partido da Frente Liberal e outra pelo Mato Grosso do Sul – não alterou sua decisão de impedir o embarque de transgênicos em Paranaguá. O procurador-geral do Paraná, Sérgio Botto de Lacerda, informou que nada muda no terminal. “O porto de Paranaguá está atrelado à lei federal, que define requisitos de rotulagem, classificação e segregação. Não temos logística para isso”.
Advogados ouvidos pelo Valor dizem que a legislação não define claramente quem são os responsáveis pela segregação dos transgênicos, se as empresas ou a administração portuária. A Lei de Biossegurança define apenas que o setor privado envolvido responde de forma solidária por danos causados a pessoas e ao meio ambiente, independentemente de culpa, e que a fiscalização do trânsito e armazenamento fica a cargo dos ministérios da Saúde, Agricultura, Meio Ambiente e Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (Seap).
Para a advogada Michele Machado, do escritório Martinelli Advocacia Empresarial, a administração portuária ou o Estado não têm autoridade para impedir o trânsito de transgênicos. “Esse é um assunto para a União e o STF foi bem claro ao julgar inconstitucional a lei estadual do Paraná”, diz. Sua colega Patrícia Fukuma, sócia da Fukuma Advogados e membro do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB), concorda que é necessário desenvolver mecanismos de segregação e controle dos transgênicos para tornar a fiscalização viável, inclusive no Paraná.
Com exceção de Paranaguá, nos outros principais portos que escoam soja no Centro-Sul do país – Santos (SP), Rio Grande (RS) e São Francisco do Sul (SC) – o trabalho de segregação é feito por empresas licenciadas que usam os terminais. Cargill e Caramuru, por exemplo, têm separado grãos e derivados quando os importadores exigem.
Eduardo Requião, superintendente do porto de Paranaguá, disse que, como prestador de serviços, cumprirá a política determinada pelo governador, seu irmão. “Temos um corredor público de exportação, único do Brasil e um dos poucos do mundo. Nossas linhas são interligadas e, para colocarmos transgênicos nesse sistema, teremos dificuldades com as cargas não-transgênicas”, explicou. “Isso vai retardar a exportação, porque vamos ter de parar, limpar, lavar. É um custo violentíssimo”. O porto movimentou 1,2 milhão de toneladas de soja desde janeiro, 59% mais que em igual período de 2004. A alta reflete, em parte, embarques de produção estocada na safra passada e escoada no início deste ano.
Fabrizio Pierdomênico, diretor comercial da Codesp, que administra o porto de Santos, informa que, ali, não há controle sobre o trânsito de transgênicos. “Todos os terminais são privados e decisões sobre separação cabem às empresas licenciadas”. O movimento de soja em Santos no primeiro trimestre caiu de 1,7 milhão para 1,4 milhão de toneladas de grãos, e de 750 mil para 310 mil toneladas de farelo. Hermes Anghinoni, diretor da área de portos da Cargill, diz que a empresa embarcou dois navios de soja transgênica em Santos em 2003/04, segregada da fazenda ao porto. Ele diz que, para a soja em grão, é respeitado o limite de contaminação por transgenia aceito mundialmente, de 0,9%. Em 2005, a empresa espera embarcar por Santos 6 milhões de toneladas de grão e cerca de 4 milhões de farelo.
A Caramuru informa produzir que exporta por Santos, Tubarão (ES) e Paranaguá, diz que está produzindo óleo e farelo apenas com soja convencional para atender exigências dos clientes externos. “Como a empresa não consegue prêmio no grão, não faz a separação da soja convencional”, diz César Borges de Sousa, vice-presidente da empresa. Sousa diz que a segregação hoje tem como principal custo os exames laboratoriais, mas que com a expansão do plantio transgênico, a empresa vai reavaliar o custo da segregação. A Caramuru espera exportar 374 mil toneladas de farelo por Santos este ano, ante 385 mil em 2004.