Ajustes realizados pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) em suas estimativas de oferta e demanda de grãos no país e no mundo nesta safra 2011/12 resultaram em um quadro menos apertado para o mercado de soja e confirmaram a tendência de avanço da fatia da América do Sul nas exportações globais do grão, que pela primeira vez poderão ser lideradas pelo Brasil. Essa possibilidade, porém, é mais remota do que parece porque o volume previsto pelo USDA para os embarques brasileiros é 15% superior ao apontado pelas previsões internas, oficiais e privadas.
Em relatório divulgado ontem, o ministério americano reduziu as projeções para produção e exportação dos EUA em relação ao cenário divulgado em setembro, o que deixou como saldo uma ampliação de 22,3% dos estoques finais locais da oleaginosa, para 5,32 milhões de toneladas. Com isso, a previsão para os estoques finais mundiais sofreu leve alta (0,9%) e passou a 63,56 milhões.
Ainda que os novos números para os estoques finais americanos e globais tenham crescido sobre os do relatório de setembro, perduram quedas na comparação com os respectivos volumes do ciclo 2010/11 – 5,84 milhões e 68,37 milhões de toneladas, respectivamente. Daí porque o novo quadro para 2011/12 é apenas “menos apertado”, e não “mais confortável”, que o traçado em setembro, pelo menos no contexto mundial.
Na bolsa de Chicago, as cotações da soja em grão reagiram negativamente ao USDA, sob impacto modesto das projeções para os EUA e bastante pressionadas pela valorização do dólar diante de outras moedas, derivada do fortalecimento das preocupações com o futuro próximo da economia europeia. Os contratos com vencimento em janeiro caíram 19,50 centavos de dólar e fecharam a US$ 11,85 por bushel (medida equivalente a 27,2 quilos). Em 2011, a retração acumulada é de 15,5%, mas o patamar segue elevado. O fato de o USDA ter mantido sua projeção para as importações da China em 2011/12 em 56,5 milhões de toneladas, ante 52,34 milhões em 2010/11, apesar da tendência de desaceleração da economia do país, teve influência limitada ontem.
Como o USDA corrigiu para baixo as exportações dos EUA, que lidera o ranking dos embarques da oleaginosa, e não mexeu nas estimativas para a China, que puxa a lista de importadores, para o Brasil o cenário ficou mais favorável, ao menos para as perspectivas do volume a ser embarcado ao longo da safra – que, no país, ainda está em fase de plantio.
O ministério americano elevou sua estimativa para a produção brasileira para 75 milhões de toneladas – eram 73,5 milhões em setembro -, e passou a prever as exportações brasileiras em 38 milhões de toneladas em 2011/12, ante menos de 30 milhões em 2010/11. Assim, a participação brasileira nas exportações globais poderá subir de 32,4% na temporada passada para 39,2% na atual, superando os EUA, cujos embarques deverão cair para 36,06 milhões de toneladas (37,2% do total).
Somada à Argentina, terceiro maior país exportador de soja do planeta, o peso dos dois maiores produtores de soja da América do Sul nas exportações mundiais chegará a 49,5% em 2011/12, ante 42,4% em 2010/11. Levando-se em conta Paraguai, Uruguai e Bolívia, o quinhão sul-americano superará com folga 50% e fortalecerá a região na formação das cotações internacionais do grão. Para analistas, isso também significará maior influência, na formação de preços, dos efeitos do clima no atual desenvolvimento das plantações na América do Sul.
E as incertezas climáticas são consideráveis, já que é mais uma safra em que o fenômeno La Niña poderá agir negativamente sobre a produtividade, como indicam estimativas brasileiras. Também na manhã de ontem a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) divulgou um novo levantamento sobre a produção brasileira de grãos em 2011/12 – e a queda geral prevista é determinada justamente pela soja.
Conforme a Conab, as pesquisas de campo realizadas por seus técnicos indicaram colheita entre 71,490 milhões e 72,965 milhões de toneladas – mais de 2 milhões a menos que o estimado pelo USDA. Para as exportações de soja em grão, o órgão brasileiro prevê 32,85 milhões de toneladas. Nesse caso, são 5,15 milhões de toneladas a menos que o previsto pelo USDA. Como o ministério americano ajusta suas previsões para o Brasil também com base nas projeções oficiais brasileiras, não é difícil que em seu relatório de dezembro o horizonte apontado já seja diferente e que a “concorrência” com os EUA fique mais acirrada.
“O número do USDA está totalmente fora da realidade”, afirma Renato Sayeg, da Tetras Corretora, com sede em São Paulo. Ele lembra que aconteceu algo parecido na safra 2005/06, quando o USDA manteve o Brasil à frente dos EUA nas exportações por dois meses, até corrigir sua previsão. As estimativas da indústria brasileira corroboram a expectativa de que isso aconteça novamente. Ainda que preveja colheita de 74,6 milhões de toneladas em 2011/12 – um pouco menos que o USDA, mas bem mais que a Conab -, ante 74,3 milhões em 2010/11, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) projeta a exportação do grão em 33 milhões de toneladas, 600 mil acima do ciclo passado.
Para a receita proveniente dos embarques do grão, a entidade calcula receita de US$ 15,85 bilhões em 2012, 6,5% menos que neste ano, o que deixa claro que as empresas exportadoras, como a maior parte dos analistas, também acreditam em retração dos preços médios internacionais. Para todo o complexo soja (grão, farelo e óleo), a Abiove estima que a receita das exportações será de US$ 21,835 bilhões em 2012, 7% que o recorde previsto para 2011.