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Economia

Acordo UE-Mercosul

Espanha vê oportunidade para acordo UE-Mercosul até meados do ano que vem. Depois disso, ficará difícil avançar.

O governo espanhol acredita que há uma janela de oportunidade até a metade do próximo ano para que seja concluído o acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul. Depois disso, ficará muito mais difícil avançar, devido à campanha eleitoral na França, um dos países que mais resistem ao acordo na Europa.

Ainda que não esteja na agenda oficial, a negociação comercial deverá ser um dos temas da Cúpula Ibero-americana, que se realizará em Mar del Plata (Argentina), nos dias 3 e 4 de dezembro. Essa deve ser a última reunião de cúpula da qual participará o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deixa o cargo em 1º de janeiro.

Deve ser também a última reunião formal entre os quatro presidentes do Mercosul e chefes de governo da UE (Espanha e Portugal) antes do prazo que os espanhóis acreditam ser o mais favorável para a conclusão do acordo. As negociações são conduzidas pela Comissão Europeia, que é o órgão executivo da UE, e não pelos países-membros do bloco europeu, mas o comprometimento pessoal dos líderes políticos é considerado importante para superar os obstáculos mais difíceis.

Autoridades espanholas se dizem otimistas com a chance de concluir o acordo, mas analistas estão mais cautelosos. José Carlos García de Quevedo, diretor-geral de Comércio e Investimentos do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo da Espanha (encarregado de acompanhar as negociações da UE), lembra que a percepção de estagnação da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) favorece o avanço do acordo UE-Mercosul.

“Quase chegamos a um acordo em setembro de 2004, faltou muito pouco. Mas a negociação à época foi influenciada pela expectativa de um acordo na Rodada Doha no ano seguinte”, disse. Questionado sobre um prazo para conclusão das negociações, García é direto. “De agora até o verão [europeu].” Isso é, até meados de 2011.

Para Juan Carlos Sánchez Alonso, diretor-geral de Ibero-América no Ministério das Relações Exteriores da Espanha, a janela de oportunidade se fecha em no máximo dez meses. “Na segunda metade do ano que vem, a França entrará na sua campanha eleitoral para a presidência”, justificou. Avalia-se que será muito difícil para o governo francês fazer concessões em plena campanha.

A França é um dos países europeus que mais resistem ao acordo com o Mercosul, pois teria de reduzir ou retirar a proteção que oferece hoje ao seu setor agrícola, que recebe bilhões de euros em subsídios da UE. A eleição presidencial francesa ocorre em abril de 2012.

Outro país cujo setor agrícola faz forte lobby contra o Mercosul é a Irlanda, que protege o setor pecuário. “Mencionar carne bovina para a Irlanda é como mencionar banana para a Espanha, devido à importância que damos à produção de bananas nas Canárias. Compreendemos as necessidades da Irlanda no caso da carne, mas a Irlanda também tem interesses ofensivos em relação ao Mercosul e acredito num acordo. No acordo da UE com a Coreia do Sul, a indústria automobilística europeia tinha interesses sensíveis, mas conseguimos chegar a um acordo. Não podemos focalizar nos interesses de um único país”, disse García.

As negociações entre UE e Mercosul estiveram travadas de 2004 até o ano passado, quando foram relançadas justamente numa Cúpula Ibero-americana, em Madri, por iniciativa dos governos do Brasil, da Argentina e da Espanha. “Em 2004, a negociação era centrada no capítulo agrícola, agora são muito mais coisas”, disse Sánchez.

“Hoje, compras públicas é o setor que mais interessa à UE ofensivamente, e agricultura continua sendo o maior interesse defensivo. Mas o Mercosul também tem interesses defensivos, como o setor industrial”, afirmou García.

Analistas não governamentais se dizem mais cautelosos quanto às perspectivas de um acordo. E alertam que, se a atual negociação fracassar, haverá forte pressão na Europa para que se avance em algum tipo de acordo bilateral, e não mais entre blocos.

“Esta é a última chance para um acordo UE-Mercosul. A Espanha vai jogar muito forte, mas, se não houver avanço, crescerá a pressão na UE por acordos bilaterais”, disse Nicolás Sartorius, vice-presidente da Fundação Alternativas, um centro de estudos de Madri. “Alguns setores da UE se sentem fazendo papel de bobo, já que estamos parados nessas negociações, enquanto a China ganha mercado.”

Essa é a opinião também de Carlos Malamud, principal pesquisador de América Latina do Real Instituto Elcano, fundação privada de estudos estratégicos e internacionais. “Pela doutrina oficial da UE, tratados de associação comercial devem ser negociados preferencialmente com associações regionais. Na prática, é muito complicado negociar com esses sistemas.”

A UE conclui um acordo comercial com grupo de países do Caribe, mas os demais tratados fechados na América Latina foram bilaterais: com Chile, México, Peru e Colômbia. A UE negocia ainda com o Equador, mas falta a maior fatia econômica da região, o Mercosul.

“Sou pessimista, pois as diferenças que estão na mesa de negociações são importantes. Se chegará a um acordo somente se os critérios políticos prevalecerem sobre os interesses comerciais e econômicos de curto prazo”, disse Malamud.

O Mercosul proíbe os seus membros de negociar acordos comerciais em separado. Mas, para o pesquisador espanhol, a parceria estratégica que está sendo negociado entre o Brasil e a UE pode ser usada para driblar essa restrição.