Fonte CEPEA

Carregando cotações...

Ver cotações

Opinião

Brasil, com prestígio e sem resultados

<p>Repórter especial do Valor Economico comenta carta enviada pelo presidente dos EUA, Barack Obama, ao Brasil.</p>

Um ato incomum na diplomacia dos Estados Unidos mostrou, na semana passada, como andam frustrantes as relações entre os governos do que os americanos chamam de Hemisfério Ocidental. Nunca antes na história daquele país um chefe de Estado nos EUA dedicou-se a escrever carta ao presidente do Brasil para detalhar temas de conflito com a diplomacia brasileira, e tentar justificativas para a política da Casa Branca. Ao ter as explicações rejeitadas como “decepcionantes”, a reação surpreendente de Washington foi o esforço, por telefone, de atenuar a frustração brasileira.

Um bem informado leitor da carta de Obama, de três páginas, enviada no domingo, comenta que, apesar da decepção em Brasília, o tom geral da missiva é inédito, pela deferência ao Brasil. O governo americano argumenta que, em Honduras, as eleições já estavam no calendário político antes do golpe, e que a população local têm direito a escolher seus governantes. Sobre o Irã, ressalta a falta de garantias convincentes contra o uso bélico do programa nuclear no país.

Nas conversas com autoridades brasileiras, mantidas após as críticas à carta de Obama, a secretária de Estado, Hillary Clinton, e o assessor de Segurança Nacional, James Jones, lamentaram o tom negativo da repercussão no Brasil mas, em lugar de recriminações, discutiram como administrar as divergências. O esforço tem a ver com a acidentada agenda mundial dos EUA, a começar pelos conflitos no Oriente Médio, e as fortes críticas internas ao estilo pouco transparente da administração Obama, em temas internacionais e domésticos. Os EUA não precisam de encrencas no quintal, e sim de aliados.

O tom das conversas entre os dois governos costuma ser de camaradagem. Em junho, pouco após o golpe em Honduras, uma alta autoridade em Washington telefonou ao ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, no meio do jogo entre Brasil e EUA, pela Copa das Confederações. Os americanos venciam a seleção brasileira por dois a zero. “Há algo muito mudado: os EUA ganham do Brasil no futebol e há um golpe na América Central do qual não participamos”, gracejou o interlocutor de Amorim.

O Brasil virou o jogo, no futebol. Naquele momento, o Itamaraty e a Casa Branca caminhavam para se acertar em relação a Honduras, buscando uma saída comum para a crise naquele país. Agora está evidente que, para os EUA, é preferível que as eleições de domingo aplainem o campo para a entrada de um novo ciclo político, sem os golpistas, confirmando, porém, a saída à força do presidente Manuel Zelaya, um desastrado aliado do venezuelano Hugo Chávez. É um precedente perigoso para a democracia na região, na avaliação da maioria dos governos sul-americanos, entre eles o Brasil. Na América Latina, não faltam governantes polêmicos de estilo populista ou contrários aos interesses estabelecidos, e grupos oposicionistas desejosos de derrubá-los a qualquer custo, sem escrúpulos de legalidade.

A ação dos americanos em Honduras abriu caminho para que outros países, antes veementes contra o golpe, já namorem a tese de que as eleições de ontem podem mudar as perspectivas para o país. Isso mostra quem dá as cartas na América Central – e não é o maior país da América do Sul.

Curiosamente, o mundo liberal nos EUA critica a posição da Casa Branca, diferentemente dos que, no Brasil, ainda manipulam artigos da Constituição hondurenha em defesa dos golpistas de Tegucigalpa. Como listou o jornalista Nélson de Sá, da “Folha de S. Paulo”, quatro dias antes das eleições, revistas de prestígio como a “Time” e a “New Yorker” e analistas de instituições como o Brookings Institute e a American Society descreveram o caso hondurenho como um clássico golpe de Estado, e condenaram o apoio dos EUA às eleições.

Um sinal de que o pragmatismo poderá legitimar a ação dos golpistas, no entanto, foi dado discretamente, na semana passada, em conversa de uma autoridade espanhola com jornalistas brasileiros. A questão de Honduras tem de ser tomada “com muito cuidado”, alertou o diretor geral de Informação Internacional do primeiro-ministro José Luiz Rodrigues Zapatero, Juan Cierco Jimenes de Parga, ao lhe indagarem sobre o tema. “Vamos ser prudentes”, comentou Cierco Jimenes, que acabava de voltar de uma longa viagem internacional, na semana passada, com o mandatário espanhol. “Há chance de que a situação se normalize após as eleições, e a Espanha tem de favorecer a normalização.”

É um sinal débil de recuo na posição espanhola: na mesma semana, autoridades do ministério das Relações Exteriores diretamente envolvidas nas negociações em Honduras advertiam que os espanhóis não reconhecerão o resultado das eleições sem a presença de Zelaya no governo. Mas Zapatero pode estar preparando uma mudança de atitude, com forte implicação simbólica, em relação à América Central.

Com ameaças belicistas entre Colômbia e Venezuela, acusações de espionagem entre Peru e Chile, bloqueio de fronteira não resolvido entre Argentina e Uruguai, a América do Sul é uma região fraturada , longe da harmonia desejada pelo Brasil com a União das Nações Sul-Americanas, a Unasul, que não conseguiu nem sequer evitar dissidências na condenação às eleições hondurenhas.

Apesar das frustrações, o Brasil, como mostra o esforço de Obama, tem prestígio no continente. O candidato favorito às eleições em Honduras, Porfírio Lobo, aliás, declarou que quer ajuda de Lula, a quem jura respeitar muito – sem nem mencionar o abrigo da embaixada brasileira a Zelaya, que, de lá, convocou o boicote às eleições.

Complicado está transformar esse prestígio em resultados concretos. A diplomacia não conseguirá isso sozinha, e o insucesso na busca de apoio real dos países da vizinhança dificulta a tarefa. Tarefa que será impossível se as forças políticas e sociais no Brasil olharem as questões de política externa apenas como oportunidades para obter vantagens contra o governo Lula, internamente.